segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Presente de Domingo- "Espetáculo Saudade"



minha reação foi de pura resistência, mas eu tinha bons motivos.
Domingo finalzinho da tarde, eu na rede, aquela malemolência, o arrastar das horas, o silêncio interrompido pelo canto das maritacas, a brisa...
E, derrepente o telefone, o convite. Como negar o convite de um amigo tão querido? Como negar a assistir o ensaio? O trabalho tão cuidadosamente elaborado
Do outro lado da linha, a voz firme, carinhosa, insistente.
_Vêm, vêm vá! Vai gostar!!!
Dá pra resistir? A mim não deu. Fui e, ainda bem.
O que vi ficou impregnado na minha pele, no meu corpo, na minha mente.
Movimentos limpos, em diálogo com o espaço onde a emoção se fez presente nos gestos de cada bailarino, num respeito extremo pela sua individualidade sem, no entanto, comprometer a busca do grupo.
Busca essa que extrapola a Saudade, (do Chile) e tema do espetáculo.
Ainda que o tempo vivido nesse país, pelos integrantes do grupo Família Cuerpo Brasil, tenha deixado suas marcas, e que danças como cueca, chilota entre outras sejam a tônica do trabalho, Danilo, Daia e Emerson, buscaram através da dança mostrar o elo existente entre todos os povos.
Da leitura de um poema de Pablo Neruda, na bela voz de Daia, a desconstrução dos movimentos por Emerson e a emotividade presente nos passos de Danilo, uma verdadeira viagem à arte da dança e ao conflito de se viver num mundo em que CORPO e FALA ainda não são bem compreendidos.
Agradeço a esses maravilhosos meninos, o convite, (com direito àquela linda cadeira de diretor de teatro), nem precisava sentava no chão mesmo, não sem antes tirar o chapéu.
Agradeço também ter conhecido (ainda que tão rapidamente) a Paola que com sua “fala” sobre dança, muito me encantou.
sueliaduan

"... sobre el cuerpo, se encuentra el estigma de los sucesos pasados, de él nacen los deseos, los desfallecimientos y los errores; em el se entrelazan y de pronto se expresan, pero también em él se desatan, entran em lucha se borran unos a otros y continúan su inagotable conflicto."
(Michel Foucault 1991)

domingo, 30 de agosto de 2009

a vida lhe dará poucos presentes- Lou A.Salomé

Ouse... ouse tudo! Não tenha necessidade de nada! Não tente adequar sua vida a modelos, nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém. Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.

Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la! Ouse, ouse tudo! Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer. Não defenda nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso: algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!

Lou Andreas-Salomé (1861-1937) foi uma bela mulher que escandalizou a sociedade e quebrou regras morais. Teve vários amantes. Conheceu Freud, Jung, Nietzsche, entre outros grandes homens.
Mulher engajada e sensível tinha mito de sedutora.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Transforma-se o amador na cousa amada,

Transforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho, logo, mais que desejar,
pois em mim tenho a parte desejada
Se nela está minha alma transformada,
que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
pois consigo tal alma está ligada
Mas esta linda e pura semidéia,
que, como um acidente em seu sujeito,
assim como a alma minha se conforma,
está no pensamento como idéia:
[e] o vivo e puro amor de que sou feito,
como a matéria simples busca a forma
Luis Vaz de Camões(1524-1580)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

da série "tenho um amigo que disse que eu":

não devia ficar chorando pelos cantos da casa, na hora arregalei os olhos ele até se assustou, eu não fico chorando e, mesmo que ficasse não seria pelos cantos, minha casa não tem canto, ainda que eu sinta que é o meu cantinho.
Verdade, quando a parede termina forma uma espécie de bicos.
Eu poderia desenhar, assim teriam uma idéia clara de como é minha casa.
Não, não posso desenhar.
Tenho um amigo que disse que para um desenho mostrar à realidade a pessoa tem que saber desenhar muito bem, e eu sei que eu não sei.
Como sei que não sei? Ah. Foi minha mãe que falou, e isso já faz um tempão, eu era uma menina. Esse bico?
Não, eu não faço bico quando choro e, já disse não estou chorando, os bicos da parede da minha casa, sabe aqueles biquinhos verdes colocados nas fotografias antigas quando nos álbuns ainda não se usavam cola.
Nossa agora sim me deu vontade de chorar, que coisa antiga. Estou velha, vai ver é isso.
Tenho uma amiga que disse que quando a gente passa de certa idade fica mais sensível, será? Conheço tanta gente velha que não tem a menor sensibilidade.
E, que história é essa de ser velha?
Tenho uma amiga que disse que essa coisa de velha, velho, não tem nada a ver com a idade, com o tempo vivído, que tudo é da cabeça da gente. É ela fala isso porque só tem trinta, assim é fácil. Ela disse que não é nada fácil ter trinta.
Tenho um amigo que disse que ser jovem hoje é mais difícil do que antes, que o mundo está muito violento, que não se pode mais caminhar pelas noites, ficar quieto sentado num banco de jardim, olhar a lua.
Que cada um quer ficar no seu canto.
Agora sim desatei a chorar mesmo.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

a vida apenas, sem mistificação

a bem da verdade, se é que isso existe, nunca busquei ficar rica, construir patrimônio, seja lá o que isso signifique, fui assim trabalhando, trabalhando.... peguei gosto, como dizia meu avô.
Trabalho e lazer sempre estiveram juntos, era (é) com entusiasmo que tudo acontecia (acontece), mas também não diria que fiz votos de pobreza.
E, mesmo essa parede mal pintada, essa estante com a gaveta sempre emperrada ao lado desse bom e velho sofá de cana da Índia, e, tudo mais, beirando a uma simplicidade franciscana, ainda assim, eu digo com todas as letras:
_não, não fiz votos de pobreza.
É que uma coisa puxa a outra, uma leitura aqui outra ali, o sonho de acreditar que era (é) possível, que a vida poderia (pode) ser outra, que é preciso e, bla´blá blá blá..
Nã nãni nã nã
a verdade seja lá o que isso quer dizer, é que não tentei, alguns tentaram, ainda tentam, mas eu não .
só de pensar eu já sentia (sinto) um aperto, imaginar então:
_“aonde quero estar (ei) nos próximos dez, quinze, vinte anos, era o suficiente para uma noite de insônia.
Não vou negar, em alguns momentos sucumbi à pressão e, até comprei um caderninho, pra ninguém dizer que só falei das flores e, anotei alguns objetivos a médio e longo prazo, estipulei algumas metas, conquistas, investimentos a fazer, que felizmente se dissiparam na leitura de um poema de Baudelaire, de Drumond, na noite ouvindo blues, no delicioso cansaço dos ensaios, na alegria com os amigos, na querência que a vida só fosse sem ter que ter.
Que ninguém pense em ato inconseqüente, preguiça, negligência.
Loucura? Nem tanto, só desejos.
a bem da verdade seja lá o que isso quer dizer.
tudo foi (é) pensamento, perplexidade, estranheza.
é que como disse o poeta
a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

domingo, 2 de agosto de 2009