quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

"Não há piedade nos signos"


Fala
Orides Fontela

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)

Orides Fontela nasceu em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, em 21 de abril de 1940. Começou a escrever poemas aos sete anos de idade. Formada em Filosofia pela USP, foi professora do primário e bibliotecária em escolas da rede estadual de ensino. Publicou Transposição, Helianto, Alba, Rosácea, Trevo 1969-1988 e Teia. Recebeu o prêmio Jabuti, em 1983; e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte

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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Um outro olhar sobre o mundo


Faces da sifilização do ethos brasilienses
Sob aquela velha opinião formada sobre tudo...

O conceito de "folha" surge do fato de igualarmos todas as folhas. Acreditamos saber algo das coisas mesmas... e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem.

O homem possui a faculdade de apreender a realidade e criar signos, estruturando-os em universos culturais e semiológicos. É capaz de dar sentido ao que carece de sentido, e também ao desconhecido. E o faz por meio da linguagem. Sem a projeção do homem, os fenômenos naturais existem apenas em estado amorfo. Em outras palavras, se não são recortados culturalmente pelo homem, permanecem desprovidos de sentido; não passam de uma abstração, sem limites de apreensibilidade. Se há limites, esses são dados pela formação do homem, cuja vida cotidiana está enraizada numa cultura e numa história as quais influenciam sua própria visão de mundo.
No início do século XX, disse F. Saussure aos discípulos: "é o ponto de vista que cria o objeto". Diante de um mesmo evento, as apreensões do objeto são diferentes e geralmente conflitantes entre si, podendo haver tantos pontos de vista, quantos forem os recortes do mundo. Se esses são limitados, resultam de limitações próprias à (de) formação do informador, ou da visão parcial de mundo dos recortes. Não é a realidade que muda, mas apenas o modo de observá-la, por isso os sistemas conceptuais variam de língua para língua, de acordo com o modo e visão de mundo diante da observação da realidade.
Assim, condicionada pela língua, nossa concepção de mundo é "apenas uma das muitas possíveis". A fonte de maior heresia seria, então, não reconhecer os limites de nossa visão de mundo, mutável e conflituosa, ignorando as contradições que lhe são inerentes, com a adoção "consensual" de uma única e parcial visão da floresta. Conforme alerta Luís Milanesi, o consenso rápido e o consenso duradouro são suspeitos.
De outro modo, para suprir os limites de uma equivocada leitura de mundo, é imperativo desconfiar de tudo. Além de simplesmente ordenar o caos informativo por meio de um rosário de técnicas, cumpre cultivar a dúvida e, sobretudo, desconfiar permanentemente da ordem, destruindo os "edifícios já construídos", revelando a força dos antagonismos em choque; eventuais males de origem que remetem ao mito fundador da Terra sem mal: “a verbiagem oca, inútil e vã, a retórica, ora técnica, ora pomposa, a erudição míope”, aparatos de saber fundados à custa de hierarquias e privilégios, ignorância e alienação, perpetuadas por quem decide o que convém saber. Neste mundo vasto mundo, "a visão da floresta é fundamental para compreender a folha"

Edson Santos Universidade de São Paulo/ biblioteconomia-
Outros artigos desse autor -http://www.ebah.com.br

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sábado, 19 de dezembro de 2009

Escrever, uma necessidade?



Verissimo espiona os dilemas do autor em novo livro
by Ronaldo Pelli em 18 de dezembro- Blog de O Livreiro

O que leva uma pessoa a escrever? Para o escritor Luis Fernando Verissimo, sempre foi uma questão de necessidade. Mas não uma necessidade banal, que escutamos dos poetas menores de “colocar para fora aquilo que se sente”. Não. Verissimo começou a escrever, já depois dos 30 anos, por dinheiro.
Até que, depois de décadas de editores a lhe cobrar textos, veio Os espiões, seu último livro. Após ter eleito sempre a folha em branco como sua musa, Verissimo resolveu escrever porque queria escrever. Sem encomenda, com o seu próprio tempo. Simples. E o assunto “por que alguém se senta em frente a esta mesma folha em branco e começa a preenchê-la?” permeou o seu novo trabalho.
Claro que a obra é uma homenagem/paródia aos livros de espionagem de John Le Carré. Mas essa é a primeira leitura. Na segunda olhada, para quem já acompanha o caminhar do autor gaúcho desde O jardim do diabo, já dá para perceber a reunião de várias de suas melhores qualidades: humor inteligente, referências, caricaturas de personagens, etc.
E a questão do por que escrever. É tão clara a sua necessidade de abordar o assunto que ele deixa transparecer a questão em alguns trechos. Como esse: “Todos nós merecíamos pertencer à irmandade dos que escrevem, só por querer”. Dá a entender que o narrador, um escritor frustrado que acaba como editor, não acredita na tese de escrever à toa, sem uma necessidade, sem um editor que o cobre ou uma conta a pagar.
Ou este: “O Amante Secreto (um personagem do livro) também sucumbira ao bendito ímpeto de escrever, o que fora a sua ruína. A estranha compulsão fizera mais uma vítima. O Professor Fortuna (outro personagem do livro) diz que em vez de endeusar escritores deveríamos louvar os milhões que resistem e não escrevem, e cuja grande contribuição à literatura universal são as folhas que deixam em branco”.
O escrever, este “bendito ímpeto”, é a “ruína” do Amante Secreto. Já o Professor, um desses personagens deliciosos que só o Verissimo é capaz de criar, que costuma ser do contra e que adora Nietzsche sem nunca ter lido nada do filósofo, sugere, à sua maneira niilista, homenagear a folha em branco. Como se dissesse que não é necessário escrever, não é necessário ler, não é necessário fazer nada. Exageros à parte, e de uma maneira torta, novamente estamos falando da musa do Verissimo: a folha em branco.
Os espiões mostra, ao fim, que às vezes a tentação de escrever é maior que a capacidade criativa dos escritores.

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Aos primeiros acordes



Dançar sempre foi o meu forte nunca imaginei que pudesse, naquela noite tranqüila, vir à tona algo a tanto adormecido Não, não comigo que sempre deslizei pela pista alheia a tudo ao meu redor e feliz com meu parceiro de anos e anos. Um bailarino de primeira.
Bom, talvez aquela noite fosse à reservada para mim, como dizem os místicos, para viver o que de antemão já estava previsto.
A verdade é que eu não acredito nessas coisas, não. Mas depois dessa noite tornou-se impossível viver sem uma ponta de mistério que fosse.
Como em todas as outras noites aprontei-me vagarosamente me detendo em cada detalhe procurando sentir cada gesto. Do simples passar do baton ao delicado amarrar da fivela da sandália um arrepio percorria todo meu corpo como se eu estivesse me preparando. Um quase ritual. E foi.
Aos primeiros acordes da orquestra, ele olhou-me profundamente nos olhos, puxou-me bruscamente pela cintura e senti seu braço forte me enlaçando. Depois seus lábios levemente encostaram-se ao meu rosto.
Algo adormecido em mim de há muito veio à tona.


sábado, 12 de dezembro de 2009

Diante do silêncio acusador....



Ressentir-se significa atribuir a um outro a responsabilidade pelo que nos faz sofrer. “Um outro a quem delegamos, em um momento anterior, o poder de decidir por nós, de modo a poder culpá-lo do que venha a fracassar”. Neste caso, o ressentido estabelece uma servidão inconsciente, se demite subjetivamente e não se implica como sujeito de desejo.
                             Maria Rita Kehl

A pessoa ressentida, ao se sentir ofendida, agredida, submetida ao outro, não se manifesta no ato, mas mantém a cena viva remoendo (ruminando) a ofensa repetitivamente. Maria Rita Kehl menciona que o “ressentido não é alguém incapaz de se esquecer ou de perdoar; é um que não quer se esquecer, ou que quer não se esquecer, não perdoar, não deixar barato o mal que o vitimou”.

É muito interessante o quanto a nossa psique nos rege e que não podemos garantir que uma criança se desenvolva subjetivamente de uma ou outra maneira mesmo que a mãe (pais) tome todas as medidas nos primeiros momentos da vida. O bebê, a criança e posteriormente o adulto podem ter vivido experiências subjetivas que o fizeram assimilar de maneira muito particular. Desta forma, muitas vezes quando fazemos o possível para proporcionar amor, apoio, ajudar psicológica, financeira e emocionalmente ou de qualquer outra natureza pensando estar fazendo o melhor ao outro, na experiência de quem recebe tudo isso pode ser assimilado não com gratidão, mas sim, como uma dívida que deve ser paga. Cada ajuda adicional no decorrer da vida o faz sentir pior e mais endividado (mais empobrecido). É como se cada ato de afeto e ajuda faça com que aquele que recebe fique mais pobre, desta forma ao invés de demonstrar espontaneamente a gratidão, este se volta contra aquele que oferece algo com muita violência.
É muito difícil lidar com o ressentimento do outro....
Todos nós ainda vamos nos sentir culpados diante do silêncio acusador dos ressentidos que nos rondam.
by Carlos Alberto Alves e Silva
http://www.fashionbubbles.com/2009/vitimas-do-proprio-mal-ressentimento/
Título do texto: Sueli aduan

Maria Rita Kehl é doutora em psicanálise pelo departamento de Psicologia Clínica da PUC/SP e clinica, desde 1981, em consultório particular. É conferencista, ensaísta e poeta. Escreve artigos sobre cultura, comportamento, literatura, cinema, televisão e psicanálise para a imprensa. É autora de diversas obras, entre elas, Processos primários e Sobre ética e psicanálise.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

ENTÃO, TEMOS MEDO DE QUÊ?



Pintura  Sr. do Vale

De nosso corpo, respondia Lacan. Esse medo de si mesmo se chama angústia. Os outros registros do medo se articulam aí, ou procede daí. O que é o corpo? Em francês, pelo menos, não se diz "eu sou", mas sim "eu tenho" um corpo. O corpo é um haver, uma posse que também nos possui; é algo de que gozamos - entendam gozo no seu sentido jurídico. O gozo que é gozo do corpo é aquilo que está além do prazer, que funciona como barreira. O gozo é aquilo que se pode experienciar, por exemplo, na dor. Ora, as proteções funcionam e, na maioria das vezes, nos põem ao abrigo de experienciar essa dimensão de nosso corpo. O corpo é um haver que "se introduz na economia de nosso gozo pela imagem do corpo". O estádio do espelho é paradigmático. A criança se reconhece numa imagem que lhe dá sua unidade antes mesmo que seu amadurecimento neurofisiológico o permitisse. Para que ela assuma essa imagem, para que se identifique, é necessária uma mediação: a mediação da mãe, desse Outro que a carrega nos braços, e que nomeia essa forma que a criança encontra. No olhar da mãe e em suas palavras, a criança capta que representa alguma coisa para seu desejo, mesmo assim, sem saber o quê. A mediação simbólica do Outro me confere a imagem do meu corpo, e meu eu se constitui a partir daí como um alter ego. Assim é o corpo da linguagem que faz o corpo do espelho, conferindo-o ao sujeito. A linguagem - isto é, o saber - afeta o corpo.

by Carla Wanessa-
Jacques-Marie-Émile Lacan-Paris, (13 de abril de 1901 - 9 de setembro de 1981).
Psicanalista-

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

da série tenho um amigo que disse que eu:



Deveria ser mais organizada, que ele já se cansou de atender meus telefonemas e é sempre a mesma ladainha:
_ desculpe-me querido, tinha certeza que era o do teatro. É, mas o que ele não sabe, nem imagina, é que eu fico bastante chateada com as respostas que me dá:
_ por que você não deixa uma agendinha ao lado do telefone? Assim não vai errar mais. Como se eu não tivesse uma agendinha E qual o problema em errar? Também já decidi, quando acontecer novamente, e sei que vai acontecer, vou é mudar minha voz.
Já que estudo pra ser ator mesmo, não custa treinar. Vai ser divertido e ele não vai nem perceber, tenho certeza. Pois quando decido fazer uma coisa, coloco minha alma.
Tenho um amigo que disse que eu não devia ficar brincando com essas coisas. Fingir ser uma coisa que não sou, tentei explicar a ele que não se trata de fingir, que teatro não é isso não, mas ele é cabeça-dura e ainda argumentou:
_Que serventia tem tudo isso? Olha, fiquei mais chateada com ele do que com o outro, por que errar acho que todo mundo erra mesmo, mas querer que tudo tenha uma serventia nesse mundão, ah! Aí é que não. Na hora em que ele me falou isso fiz umas caretas, botei a língua pra fora, estiquei os cabelos, pulei numa perna só, que era pra ver se ele ria. Dito e feito, eu sou mesmo engraçada. Ele riu, riu, que até perdeu o fôlego.
A desforra chegou à horinha e perguntei:
_Que serventia tem esse seu riso todo? Nunca mais vi esse amigo. Foi até bom, não era mesmo meu amigo. Amigo que é amigo acredita no trabalho da gente.
Tenho um amigo que disse que essa coisa de trabalho é complicada. Não entendi onde está a complicação, e como sou muito perguntadeira, fui logo dizendo:
_Como assim complicado?
_Pois é! A gente não vê a hora que o dia termine, e ainda completou: trabalhar é muito chato. Chato é esse meu amigo.
Já um outro amigo, desses que nem vê a hora passar, que quando o dia termina adentra a noite a trabalhar, disse que eu não sou só perguntadeira, não. Sou também trabalhadeira que errando aqui, acertando ali, descobri o prazer que dá o muito fazer.