quarta-feira, 29 de abril de 2009

Tomás de Aquino e a saudade

O pensamento e a vida estão mais ligados à linguagem do que em geral supomos. A força viva da palavra não só transmite, mas até mesmo gera e preserva, em interação dinâmica, o que pensamos e sentimos o que podemos pensar e sentir...
Sem a palavra, nossa percepção da realidade é confusa ou nem sequer chega a ocorrer.
Sem a posse da palavra “Kitsch” nos é muito mais difícil reparar que há, no fundo, qualquer coisa de comum entre o pingüim da geladeira, o anãozinho do jardim e o quadro de cores fosforescentes.
O empobrecimento do léxico é assim, hoje, um dos principais problemas da educação, na medida em que gera um círculo, literalmente, vicioso: a falta de linguagem viva embota a visão e o vivenciamento da realidade; o definhamento da realidade esvazia (ou deforma) as palavras...
Faltam-nos os conceitos, faltam-nos os juízos, falta-nos acesso à realidade.
Certamente ocorre, antes da formação do conceito em nossa mente, aquilo que Tomás de Aquino chama de collatio, um ajuntamento e comparação de impressões, uma pré-abstração, feita pela "capacidade cogitativa”.
A interação palavra-vida torna-se ainda mais decisiva quando se trata de atingir sentimentos mais sutis e complexos do coração humano: neste caso, cada povo costuma gerar a palavra que se apropria do sentimento que é mais conatural e, reciprocamente: o sentimento se torna como que conatural porque a palavra se apodera do falante desde a infância.
Nesse sentido, Portugal e Brasil têm a sua palavra por excelência, que certeiramente penetra nos meandros do coração e atinge aquele complexo agridoce que chamamos saudade.
Tomás, no século XIII (quando mal havia português e não estava formada a palavra saudade), fez um agudo diagnóstico - em que inclui até a explicação causal - da saudade: a dor, diz ele:
É por si contrária ao prazer, mas pode acontecer que um efeito colateral (per accidens) da dor seja deleitável, como quando produz a recordação daquilo (pessoa, terra, etc.) que se ama e faz perceber o amor daquilo por cuja ausência nos doemos. E assim, sendo o amor algo deleitável, a dor e tudo quanto provém desse amor também o serão. Luiz Jean Lauand
Se a caracterização em si já é perfeita, ela se mostra mais genial ainda quando nos lembramos que São Tomás não era português nem brasileiro.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Multicolorida

Eu disse.
_Não disse.
Disse sim. Você que não escutou.
Como assim, o que importa?
É claro que importa.
Não. Não vou por no blog,
Também não vou enviar por e-mail.
Twitter, nem pensar.
Eu disse que...
_Já disse:
você não disse nada
Eu tava pensando...
Então:
Olha aí você que não clicou direito.
Olha lá na tela chegando,
Meu pensamento? Não. Não pode ser.
_Já pode sim.
Verde (que horror)
Não tinha outra cor, pra você escolher, não?
(que mau gosto)
Salve. Salve rápido.
Pronto perdeu.
Mas você é lenta mesmo.
Não, não sou eu que sou lenta,
é meu pensamento que não cabe nesta...
_respire fundo, fundo... acalme-se
Agora sim , você escolheu bem.
Escolhi?
Não tá vendo chegando.
Olha, olha rápido na tela:
sua respiração,
multicolorida, linda, linda.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Melancolia

Por quê?
a geometria não exclui a melancolia.
Quero o triunfo da linha reta,
garantia de um ponto fixo.
Continuarei meu caminho como?
Como um Édipo errante.
Quero algo certo.
ou a certeza de que no mundo
nada é certo.
Paralizo-me.
E não é sono, preguiça.
É pensamento, perplexidade.
Incoerência da vida.
Tudo: quantidade e volume.
A esfera me faz sofrer.

terça-feira, 21 de abril de 2009

uma hora socrática

Cada vez que uma comunidade tenta, através da censura, do ostracismo ou da morte, silenciar um dissidente moral ou intelectual, amordaçá-lo ou de alguma outra forma impedir que faça “suas perguntas”, essa comunidade vive uma hora socrática.
Porém, concomitantemente, o pensador, o cientista, o artista, o satirista que insiste, em suas “dúvidas descontrutivas” que permanece fiel ao que julga ser uma verdade maior que as crenças herdadas para a manutenção do status quo da cidade ,este sim, repete a provocação socrática.

sábado, 18 de abril de 2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A verdade das Mentiras

...mas a imaginação concebeu um paliativo astuto e sutil para esse divórcio inevitável entre a nossa realidade limitada e os nossos apetites desmedidos: a ficção. Graças a ela somos mais e somos outros, sem deixar de ser nós mesmos. Nela nos dissolvemos e nos multiplicamos, vivendo diversas outras vidas além da que temos e que poderíamos viver se permanecêssemos no verídico, sem sair do cárcere da história.
Mario Vargas Llosa: “A verdade das Mentiras

terça-feira, 14 de abril de 2009

a luz do conhecimento

será a clareira de Heidegger
ou
a análise do discurso:
Pêcheux? Chomsky?
ou
controle de poder
Foucault? Lacan?
ou
ou ou ou
ô
quê você acha?
quem eu?
hum: prazer do texto, subverter, grau zero,
fálico, significante...

eu? eu acho que, bem que,
vejamos: pode ser em alemão?
é que eu analiso melhor.

zreid büim zeitboca paraf
iüzeta,

(rebimboca da parafuzeta)

domingo, 12 de abril de 2009

noite chegou outra vez

Bar Depois.
Blues,
do Mad Dog Blues.
a voz do Boi na noite,
é um sonho, Eric Clapton,
na minha memória.

Os olhos brilham.
Merlin levanta, é toda personagem.
(Navalha na Carne)
na minha memória.

a letra , Rolando, vai ser sua
quase pronta, quase Chico? (não)
quase quando outra vez
na minha memória.

a voz,os olhos,
a cena, o som,
a mesa, a vida, a noite
Salut! Bebo (emos).
muito tudo.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ciência e sapiência- Rubem Alves

Fernando Pessoa escreveu um curto
poema em que descreve a sua compaixão.

“Aquele arbusto fenece, e vai com ele parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo.
Nem distingue a memória do que vi do que fui”.

A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós. Vejo os velhos e posso até mesmo escrever uma tese sobre eles, se eu for um professor universitário. Mas a tristeza do velho é só dele, não entra dentro de mim. Durmo bem. Nossas florestas vão aos poucos se transformando em desertos, mas isso não me faz sofrer. Não as sinto como uma ferida na minha carne. Vejo as crianças mendigando nos semáforos, mas não me sinto uma criança mendigando num semáforo. Vejo os meus alunos nas salas de aulas, mas meu dever de professor é dar o programa e não sentir o que os meus alunos estão sentindo.
De que vale o conhecimento sem compaixão? Todas as atrocidades que caracterizam os nossos tempos foram feitas com a cumplicidade do conhecimento científico. Parece que a inteligência dos maus é mais poderosa que a inteligência dos bons.
Sabemos como ensinar saberes. Há muita ciência escrita sobre isso. Mas não me lembro de nenhum texto pedagógico que se proponha a ensinar a compaixão. Talvez o livrinho de Janucz Korczak Como amar uma criança. Mas Korczak é uma exceção. Ele sabia que para se ensinar algo a uma criança é preciso amá-la primeiro. Korczak era um romântico... Por isso o amo...
Lemos estórias para as crianças e para nós mesmos não só para ensinar a língua, mas para ensinar a compaixão.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

odalisca andróide

..improviso mundos molhados,
aciono gametas guardados...
eu sou a transmutação de alguma
coisa eletrônica

sábado, 4 de abril de 2009

que hora era aquela?

lembro de um natal.
levantei, o café pronto,
mas não gosto de natal.
o cesto,
o menino Jesus,
os reis magos andando, andando...
a estrela.

vai ver ,
não gosto é de caminhar

é, é isso sim , sabe aquela pressão:
caminhar é bom pra saúde,
usar o tênis adequado,
o design, combinar cores,
criar um estilo: (vai que encontre alguém)
canso antes mesmo de sair,
daí também não vou.

tenho uma amiga que diz que
não se deve ficar reclamando,
que chega um dia, que a gente não faz mais nada,
nesse lugar – o lugar de não fazer nada,
é só alegria,
paz, flores, jardins.
e é eterno.

vai ver ,
não gosto é do eterno.

é, é isso sim ,sabe aquela dor no peito.
Canso só de pensar no sem fim.

o cesto
o menino Jesus,
os reis magos
a estrela
a eternidade.

mas não é que, justo naquela tarde, a confusão foi geral.
o barulho das patas dos cavalos no paralelepípedo,
a rua fechada, os soldados,
os meninos correndo,
os papéis voando.

Não era hora de cesto
Não era hora de menino Jesus
Não era hora de reis magos
Que hora era aquela?

quarta-feira, 1 de abril de 2009

muitos outros

gosto de pensar
um pensamento bobo:
eu aqui descendo essa rua
vejo uma árvore.
a garotinha, lá no Nepal, vê uma outra
que, talvez não seja tão outra, mesmo não sendo a mesma
Azerbaijão, Canadá, Japão
todos os olhos não olham na mesma direção

gosto de pensar um pensamento, mas esse já não acho tão bobo
enquanto, no meu prato:
arroz e feijão ( poucos comem salmão)
em muitos outros: o prato está vazio.
não é o mesmo prato: o cheio , o pouco, o vazio, mas
talvez não seja outro, mesmo não sendo o mesmo.
só é muito, só é pouco, só é vazio
Vazio meu coração fica com esse pensamento
ora bobo, ora não.