Não devia andar da maneira como ando na rua, que ontem ele me viu na avenida próximo aos Bancos, mexeu comigo e eu nem olhei, mas como posso ouvir alguém me chamar naquele inferno que é a avenida, ele é que não devia ficar chamando as pessoas, vai que a pessoa se distraia ouvindo o próprio nome, pronto, pode até acontecer um acidente.
Tenho um outro amigo que disse que eu sou assim mesmo, parece que vivo no mundo da lua. Ele disse que é louco pra saber o que eu penso quando estou andando pelas avenidas.
Não sei, respondi. Depende muito, mas acredito que é o que todo mundo pensa enquanto caminha na avenida, com todos esses carros pra lá e pra cá, sempre um prédio em construção, a gente sendo obrigado a desviar o tempo todo, quase andar na rua mesmo, tamanha confusão de cimento, pedras e pás.
Mas ele insistiu: Como assim o que todo mundo pensa? Nos depósitos a fazer, nos saques, nas contas a pagar ou nos carros bonitos que passam?
Claro que não respondi:
O obvio, não é?
E se um carro nos atropela, ou ainda se lá do alto daquele prédio caí uma pedra na nossa cabeça. Pronto.
Tudo que sonhamos acaba numa fração de segundos, as discussões que tivemos no dia anterior, a festa que programamos ir ao fim de semana, o abraço que recusamos, só pra darmos uma de durão... Ele arregalou uns olhos que eu nunca tinha visto, e gaguejando disse:
Você não é normal. O que será que ele quis dizer com:
Você não é normal? Eu acho que ele não conhece o prazer que dá pensar , nessas coisas simples. Ele é uma máquina e, com esses olhos arregalados então, parece mesmo uma máquina. Vou desligar esse cara.
Mas, é claro, que todas as pessoas pensam sobre isso, não necessariamente na avenida, indo de um Banco a outro, mas em algum momento da vida todo mundo já pensou:
E se eu morro agora?
Tenho uma amiga, que disse que eu sou luz, que todos somos luz, espíritos em evolução, e que não devemos ficar pensando nessas bobagens, que faz muito mal pra saúde.
O que será que ela quis dizer com:
_Faz muito mal à saúde.
Coitado do Platão, e daqueles caras que pensaram....pensaram, claro que não em pedras caindo, ainda que se tratasse de caverna, mas na escuridão do não pensar, da sombra da casa, da luz que ofusca, na ignorância de se tentar ser igual.
Tenho um amigo, grande amigo, desses que falam com a delicadeza do muito pensar, ele disse que devemos, sim, andar nas avenidas como quem enxerga girassóis, como quem vive no mundo da lua, mesmo que um carro...uma pedra...tudo é mesmo numa fração de segundos...um pensar.