quinta-feira, 30 de setembro de 2010

LITERATURA


                  
  
                                               


  
                 


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

"Dãodão e Zé pelonga"


Voltou para casa no finalzinho da tarde, já escuro. Entrou pela porta dos fundos, bem devagarinho, com cautela. Não queria que mãe o visse. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar. Choro baixinho, soluço seco, engolido. Como doía, vergonha e tristeza. O calção todo sujo de barro, camiseta manchada, as vozes em sua mente, os xingamentos ganhando força na medida em que revia cada cena. Quando querem meninos são cruéis. Menino franzino, solitário, Dãodão ia passando em revista cada ato falho, cada oportunidade perdida. Sabia dos erros cometidos. Evitá-los. De que jeito? Nessas horas só uma imagem apaziguava seu coração, a figura do avô sentado em sua cadeira de balanço, pra frente, pra trás, num ritmo suave, a conversa mansa. Vô era amoroso, homem bom, sempre pronto a escutar, a contar estórias. Falava da vida difícil de menino, de gente grande sempre pronta a interromper brincadeiras tão sérias, a dar ordens sem precisão. Gente esquisita. Na época do plantio, meninos e meninas corriam cantando em meio ao campo. Só paravam mesmo no momento de colocar a semente na terra, tudo feito como numa festa. Um ritual quase religioso, não fosse a safadagem ao olhar as meninas, feito bicho cobiçando preza. Dãodão achava tudo tão natural. Vô abençoava a todos antes do plantio, seus olhos claros transmitiam tanta certeza, como se o fruto já estivesse ali. Mãe não. Mulher sofrida, só sabia obedecer ao pai, fazer tudo com presa, com medo. E pai só fazia ralhar. Dãodão gostava mesmo é de escutar o vô. Ria muito com as estórias que ele contava. Tinha a do Tibúrcio, que levara uma baita surra quando o pai o pegou escondidinho espionando Carmela se despir. Linda como a luz da lua. E vô dizia: -Qué coisa mai bunita qui vê muiê tirano ropa. Bem devagarzinho, o saiote iscurregando, as anca balançando, i a gente ficano loco. Dãodão ria, e vô falava: -Ri não muleque, muiê é coisa séria, é danação. Danação mesmo era o que Dãodão sentia agora, ali sozinho, sem a presença alegre do avô, sem suas estórias, sem seus conselhos. Tinha certeza que só vô iria acreditar que ele fez de tudo, correu, até driblou, mas não conseguiu. Mas vô tinha morrido, ou como dizia Tibéria: -Morreu não, ficou encantado lá no milharal. Dãodão não tinha medo. Medo mesmo, tinha do pai gritando todo dia: -Vai, treiná minino. Jogá bola, sê jogado, ficá rico, i imbora do Cariri. Fica aí falano suzinho, parece reza de nêga. E não é que era mesmo, quase uma oração, uma ladainha. Mal rompia a manhã, Dãodão abria a janela, e junto com o vento fresquinho elas chegavam. Como uma bola que um jogador passa ao outro, as palavras vinham rolando. E Dãodão lembrava-se novamente do avô, de sua voz rouca: -Dão, vem qui minino. Dão, vem. Vou ti insina fazê uma coisa linda que gira, gira como tudo nesse mundão. E naqueles fins de tarde sentados na varanda, ele e vô pegavam revistas, pauzinhos e o brinquedo ia surgindo. Dão, é ansim: ocê tira as foia da revista, enrola bem enroladinho, fica qui nem um canudinho. Faiz um montão, i dispôis vai culando nos pauzinho, dai sua peorra tá pronta. I é só rodá no chão. Ela roda, roda até cair. Dão olhava as revistas com seus olhos curiosos, olhava o formato de cada palavra e gostava do que via. Seus olhos brilhavam. Vô, homem sempre atento a tudo dizia: -Si preocupa não Dão. Um dia ocê vai pra escola e aprende as palavra, qui são bela cumo muiê. Cheia de força e mistério, iguar elas. Óia essa: “coração”, qui palavra qui faiz a gente pensa! Óie outra, que belezura: “pé”. I essa intão: “mão”. São tantas,qui enche essa vida doída da gente e dão uma alegria. Foi tomado por essa alegria sem explicação que Dãodão sentiu uma coisa esquentar dentro dele, bulir com ele. A lembrança da peorra, as palavras do vô ganhando força tomaram conta de seu corpo, franzino, e ele sentiu-se como um gigante. Tomado por esse mistério enxugou os olhos, abriu o guarda-roupa. De soslaio viu a peorra guardada. Pegou uma camisa limpinha, trocou o calção sujo de barro, as mãos já seguravam a bola. Abriu a porta do quarto e correu, correu, correu. Só parou quando chegou ao campinho. Os meninos a olharem para ele. Zé Pelonga com um sorriso maroto. A desforra chegara. Dãodão colocou a bola no chão, deu o primeiro chute, a partida recomeçava. Foi uma passa-passa, um corre-corre, olho no olho. O amigo Zé Pelonga fez o passe. De frente pro gol, Dãodão chutou. A bola entrou lentamente, girando, girando: Goooooooooooool. Golaaaaaaaaço.Uma mistura de alegria e tristeza naquele fim de tarde. Vô tinha razão, as palavras têm força e mistério. E tudo gira no mundo .Foi de goleada, vô.


sábado, 18 de setembro de 2010

Seria uma Ópera.


Eu poderia tecer longos comentários sobre sua figura, a começar pelo seu porte perfeito, músculos definidos e belos, andar altivo, passos firmes sobre a rua pedregosa. Depois, lentamente, me deleitar observando a textura da sua pele, ou ainda rir das suas mãos soltas a tremer de frio, naquela tarde de julho.
Poderia falar sem nenhuma dificuldade do seu olhar límpido e sereno a transmitir uma infinita ternura, e do perfume que exalava de seus cabelos caídos sobre os ombros. Da sua alegria ao escutar as maritacas naquele fim de tarde, ou ainda do seu sorriso largo ao olhar no céu o barrilete, que o menino alegremente empinava. Essas e outras tantas coisas poderia eu falar, mas nenhuma palavra, nenhum verso, nenhuma poesia seriam suficientes para descrever tua figura infinitamente amada. E se eu tivesse o dom da musica, tua figura serviria tão somente de ponto de partida.
E se eu me dispusesse a cantar, tua figura seria uma ópera a preencher a minha vida.

 

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

da série: Tenho um amigo que disse que eu:


Preciso modificar alguns hábitos, ou melhor, arrancar todos eles, os quais delicadamente nomeou de síndrome “habimort”, ou seja, “hábitos que matam”. Foi como me explicou e segundo ele, para o meu próprio crescimento interior. Fiquei ali parada sem saber se ria ou chorava em ver o seu empenho em me convencer. Não que eu não busque mudanças. Sei que são saudáveis. Mas as coisas não são tão simples assim. É depois todos temos hábitos. Como dizia minha sábia, avó: — Tem coisa mio di bão não, bicho di custume.
Já um outro amigo diz que não tem jeito mesmo, quando arrancamos um hábito outro devagarzinho vai se formando, e que temos que estar alertas o tempo todo. Ruminando essas idéias fico a pensar: — mais pra que mudar se logo outro vai se enraizar. O jeito, então, é ficar com o velho que, pelo menos, já conheço.
Aí um outro amigo não agüentou e disse que não é nada disso que essa coisa tão simples, mesmice, nos incomoda muito, nos deixa amargurados. E é preciso extirpá-la com um método que ele nomeou de “ou vai ou racha”. E consiste em todo dia ter algo novo para fazer. Como, por exemplo, inventar uma receita de bolo que não precise ir ao forno ou um bordado que não use linhas ou uma visita a alguém que não se conhece ou... Arregalei uns olhos dado ao inusitado da situação que ele pediu desculpas e disse que nossa conversa era um hábito que precisava extirpar. Cada um, um: — pensei. Mas é bom amigo. Fiquei sabendo que logo vai receber alta ou vai ou racha, maldade minha esse pensamento. Fazer o quê e a força do hábito.
Eu já estava quase desistindo de querer entender quando apareceu meu velho amigo, amigo maior, desses que ficam enraizados no nosso coração. E ele disse, daquele seu jeito habitual de dizer as coisas: — que quando menos se espera, quando a hora chega e o nosso coração transborda ,ele, sabe que precisa de novas aventuras, novas vivências. E o que é velho, o que fica ali nos incomodando e nos tornando amargurados vai embora como num passe de mágica. Não deu nem tempo de arregalar meus olhos. E, ele já veio logo se explicando, conhecedor de meus pequenos hábitos, mas que essa mágica é a gente mesmo quem faz. E é muito simples não precisa de método, nem nomes, nem nada.
Só é preciso aprender a olhar para dentro de si. E escolher a cada dia o que se quer, como se quer, para que se quer, e permitir-se o espanto consigo e com o outro.



sábado, 11 de setembro de 2010

"O desejo de liberdade"


Carta enviada ao SATED -SP. Sábado, 29 de agosto de 2010.
AO
SATED -SP
ATT: Diretoria,

Acredito no sindicato e na força e poder político que ele tem em prol da classe por ele representada. E também defendo a regularização da profissão, pois só vejo vantagens e benefícios nela. Mas também acredito nas soluções negociadas. No ocorrido em relação ao festival de teatro de Sorocaba, havia uma negociação sendo mediada entre nossa representação local e um membro da diretoria da ATS sobre a questão da regularização dos participantes e embora com objeções estava caminhando a contento. Com a intervenção do SATED-SP as coisas acabaram tomando o rumo que tomou e o conseqüente cancelamento do festival pela prefeitura.
Eu contava poder participar do Festival com o espetáculo O Ébrio e já estava com tudo pronto, faltando apenas duas Autorizações de Trabalho já em andamento. Foi frustrante não realizar essa apresentação. Sobretudo ouvir as opiniões da Ângela Barros (jurada e amiga antiga) Penso que nossa intervenção deva ser sempre fomentadora. Isso me faz lembrar Cacilda Becker como presidente do Sindicato dos Artistas abrindo teatros fechados pela policia militar, ou Lélia Abramo sempre mais à esquerda e usando essa força política em prol da classe. Como disse no discurso de posse na Câmara de Sorocaba em março. Acredito, repito na profissionalização e nos benefícios que ela engloba. Mas se a classe não quer, fazer o que? Paciência. Não vou impor a profissionalização à fórceps, ou como dizia Figueiredo: Vou fazer a democracia, nem que para isso eu tenha que prender e arrebentar” Conheci pessoas muito boas e muito bem intencionadas nessa curta aventura sindical. Berta Zemmel, que prazer ouvi-la e só nela já vão mais de 50 anos de teatro.Celso Curi, que maravilha foi revê-lo no sindicato. E embora agindo com amparo da lei se estabeleceu aqui nesse episódio o mesmo conflito que Sófocles tão bem expõe em Antígone. Há uma lei que foi descumprida por Antígone, mas até que ponto essa lei é justa. A tragédia Antígone discute o conflito entre o Direito Natural – o Direito considerado pelos antigos como sendo de origem divina e aceito ipso facto como costumeiro – e o Direito que toma forma jurídica nas leis estabelecidas pelo governante, tradicionalmente denominado Direito Positivo. Houve nessa questão do festival o mesmo conflito entre Direito Positivo – a lei e o direito natural de se realizar o festival. Penso que dentro do Sindicato eu poderia fazer mais pela cidade, como foi minha participação na comissão do Proac deste ano, que findou com 4 espetáculos de Sorocaba e talvez ano que vem isso pudesse ser ainda maior. Quiçá dobrar esse número, porque não? Enfim, acabou. Acredito que talvez isso possa servir para o próprio SATED como auto critica afim de rever alguns procedimentos operacionais mais rígidos e até que ponto eles trazem benefícios ou prejuízo a própria imagem do Sindicato.

Mario Persico- é autor, ator e diretor, e há seis anos coordena o Núcleo de Artes Cênicas da Fundec - Fundação de Desenvolvimento Cultural de Sorocaba, onde também atua como professor desde 2001


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O desejo de liberdade


Representar é um ato natural

Sempre gostei de participar do teatro amador. Por anos, no Teatro Estudantil, no Teatro do Sesi, no Teatro Universitário, depois em muitos outros momentos. Artista amador é um direito. Artista profissional é um direito. Particularmente prefiro ser do teatro amador. O que houve, e todos percebemos, foi um abuso de poder. Comentei isso em outra situação: lutamos tanto para acabar com a ditadura e trazermos o diálogo de volta e o que vemos é opressão. Há direitos inalienáveis do ser humano: o direito de ser e de existir; o de desempenhar, com liberdade, os próprios papéis; o livre arbítrio. Lei que destrói, ninguém precisa dela.Representar é um ato natural e, por isso, um dos mais completos. O teatro engloba todas as artes. Como profissionalizar o sonho? Como profissionalizar a liberdade? Como profissionalizar a arte? Dinheiro? Pra quê? Pra quem? "Liberdade, liberdade, abre as asa sobre nós".
Sonhos não são vendidos no mercado. Representar é um ato de vida. Direitos: ser amador ou ser profissional. Escolha de cada artista.

Saudações culturais.
Myrna Ely Atalla Senise da Silva

ACADEMIA SOROCABANA DE LETRAS  Cadeira nº- 3 -Patrono: João Guimarães Rosa
Acadêmica- Myrna Ely Atalla Senise da Silva

terça-feira, 7 de setembro de 2010

"O desejo de liberdade ... ".


Confraria dos Artistas de Sorocaba
Diante de uma terrível tempestade que assola os meios artísticos na atual situação de Sorocaba, com todas suas chuvas de mágoas, ventos de desgosto e trovoadas de ódio, e perante de tais elementos se nos perguntassem quais sentimentos nos dominam neste instante em que acompanhamos estarrecidos esta borrasca, principiado por tal SATED, nós diríamos que são da vergonha e da revolta, e por que não medo, já que toda tempestade trás piores prejuízos. Portanto eu, Santiago Ribeiro, venho por meio desta carta e representando toda a classe dos artistas plásticos de Sorocaba, notificar nosso repúdio e indignação contra esta verdadeira prostituição da arte que infelizmente vem contaminando com a ditadura da censura todos os meios artísticos locais.
Um dia eu aprendi que de ma forma geral, a palavra "liberdade" significa a condição de um indivíduo não ser submetido ao domínio de outro e, por isso, pleno poder sobre si mesmo e sobre seus atos. O desejo de liberdade é um sentimento profundamente arraigado no ser humano. Situações como: a escolha da profissão, o casamento e ter o compromisso político ou religioso, fazem o homem enfrentar a si mesmo e exigem dele uma decisão responsável quanto a seu próprio futuro.....

O Teatro assim como toda arte pictórica, musical e rítmico é a essência vital do oficio da paixão pela liberdade de expressar-se. É o Teatro uma forma de arte cuja especificidade a torna insubstituível como registro, difusão e reflexão do imaginário de um povo.....

A atual política oficial, que rege as manifestações e os profissionais do Teatro, transfere aresponsabilidade do fomento à produção cultural para a iniciativa privada, mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em meros intermediários de negócios, e assim vão usurpando valores financeiros à queima-roupa, sob a coivara de ameaças, impondo suas garras sujas ao direito do artista em exercer sua profissão legal. Notamos que a aparente quantidade de eventos faz supor uma efervescência, mas, na verdade, disfarça a miséria dos investimentos culturais de curto e longo prazo que visem à qualidade da produção artística. Hoje, a política oficial deixou a Cultura restrita ao mero comércio das famosas DRTs e entretenimentos de “metsos”. ...

Vergonha! Uma vergonha que um profissional ou amador seja punido por prezar pela sua liberdade de expressão e prime pelo dever cumprido. É uma vergonha que as pessoas sérias sejam afastadas e censuradas. É uma vergonha e uma revolta imaginar um dia que nós dormiremos ao som de aplausos, mas que acordamos no dia seguinte sob o estigma de criminosos e formadores de quadrilha. É uma vergonha que o capitalismo selvagem continue arrebatando nossos artistas e expurgando-lhes a democracia de fato. Vergonha! SATED! Democracia! “Liberdade ao Artista”!...
               Santiago Ribeiro
Presidente da Confraria dos Artistas Plásticos de Sorocaba

Optei por postar, aqui, no Blog- TRECHOS DA CARTA -sueliaduan

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Você está em análise?

   
Você está em análise? Etâ perguntinha difícil de responder; vejamos. Primeiro não, basta você dizer que vai a um psicanalista bem titulado, tantas vezes por semana. O carteiro do analista também vai lá com freqüência e nem por isso está em análise. Ficou conhecida a história de um paciente que após um bom tempo diz a "seu analista" que está chegando ao fim de seu trabalho. Este lhe responde: - "Engano seu, penso que o senhor está prestes a começar". Entrar em análise é mudar de posição subjetiva: a pessoa para de referir suas queixas às cenas atuais de seu cotidiano e passa a se entender em uma "Outra Cena", como dizia Freud. Isso é difícil de conseguir, pois a realidade sempre alivia o comprometimento de cada um em seu mal-estar, razão pela qual muitas pessoas adoram viver um inferno de vida. Se quisermos traduzir em conceito, entrar em análise é sair de uma moral dos costumes e instalar na ética do desejo.
Segundo, há que se conhecer a diferença entre Psicanálise e o mar de psicoterapias que são oferecidas. Se até para o profissional, nem sempre é clara, imagine para o leigo. O termo "Psicanálise" adquiriu certo valor de mercado e acaba sendo o cobertor genérico de corpos disciplinares muito diferentes, o mais das vezes, opostos. Em síntese, praticamente todas as psicoterapias seguem o modelo da ética médica: um se queixa, o outro trata; um não sabe, o outro sabe; um é paciente, o outro é atuante. Arrisquemos uma definição: no fundamento do que se chama Psicanálise está sempre - sim - sempre responsabilizar o sofredor em seu sofrimento. Não culpar, atenção, responsabilizar e de uma responsabilidade muito diferente da responsabilidade jurídica, que se baseia na consciência dos fatos. Seria até engraçado que a prática do inconsciente exigisse a responsabilidade consciente. A responsabilidade em Psicanálise, contrariamente à jurídica, é a responsabilidade frente ao acaso e à surpresa. Não dá para ninguém se safar de uma situação dizendo: - "Ah, só se foi o meu inconsciente", como se ele fosse 'um moleque irresponsável que não tem nada a ver comigo'. A Psicanálise se define por sua ética, como queria Lacan, e a ética da Psicanálise é o avesso da ética médica, por conseguinte, das psicoterapias. Isso não quer dizer que uma coisa seja melhor que a outra, mas que é fundamental reconhecer as diferenças para que haja uma colaboração efetiva entre os campos clínicos e não mútuo borrão, como soe acontecer...."

Artigo, na íntegra, publicado na Revista Psique - número 51

Jorge Forbes: é psicanalista e médico psiquiatra, em São Paulo.
É um dos principais introdutores do pensamento de Jacques Lacan no Brasil, de quem frequentou os seminários em Paris, de 1976 a 1981. Teve participação fundamental na criação da Escola Brasileira de Psicanálise, da qual foi o primeiro diretor-geral.
Preside o IPLA - Instituto da Psicanálise Lacaniana e o Projeto Análise

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Pensamento e Poesia

Heidegger, em sua “Carta sobre o Humanismo” (Questions III), diz que o “homo humanus”, além de ter um meio ambiente, como os demais seres vivos (que nele estão presos), é o único que, em sua humanidade, ex-iste — está exposto à clareira do ser”, livre para ter não um meio ambiente, mas um mundo. A convocação a pensar a Verdade do Ser, que este dirige ao homem, é o que o torna um homo humanus.
O pensamento, portanto, em seu ser verdadeiro, “não é nem teórico nem prático” —, não é nem episteme e techne, nem práxis: "Um tal pensamento não tem resultado. Não produz nenhum efeito. Satisfaz à sua essência no momento que é” O pensamento é, para Heidegger,um fazer. Mas um fazer que ultrapassa de imediato toda práxis. O pensamento é superior a qualquer ação e produção, não pela grandeza do que realiza ou pelos efeitos que produz, mas pela insignificância de sua realização que não tem resultado.
Em seu “Qu’appelle-t-on penser?” (O que se chama pensar?), Martin Heidegger afirma: “ Poesia e Pensamento não se limitam, jamais, a utilizar a linguagem, a pedir sua ajuda para declarar-se, mas Pensamento e Poesia são,em si, o falar inicial, essencial e, consequentemente, ao mesmo tempo, o falar último que a língua fala por intermédio do homem.”

Trecho- “As Três Graças” – nova contribuição ao estudo de Guimarães Rosa-
Heloisa Vilhena de Araújo. São Paulo- Mandarin, 2001
Título do post- sueliaduan

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"A arte de ouvir"


De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver juntos e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: "No princípio era o Verbo". Eu acrescento: "Antes do Verbo era o silêncio." É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim. Para ouvir as vozes do silêncio. Veja esse poema de Fernando Pessoa, dirigido a um poeta: "Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto o ouvi, ouvia uma outra voz como que vindo nos interstícios do brando encanto com que o teu canto vinha até nós. Ouvi-te e ouvia-a no mesmo tempo e diferentes, juntas a cantar. E a melodia que não havia se agora a lembro, faz-me chorar…" A magia do poema não está nas palavras do poeta. Está nos interstícios silenciosos que há entre as suas palavras. É nesse silêncio que se ouve a melodia que não havia. Aí a magia acontece: a melodia me faz chorar.

Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa para por não haver o que dizer tratamos logo de falar qualquer coisa, para por um fim no silêncio. Vez por outra tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos para o chão? Nada temos a falar. Esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Aí falamos sobre o tempo. Mas nós dois bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.

Os orientais entendem melhor do que nós. Se não me engano o nome do filme é "Aconteceu em Tóquio". Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras. A filosofia ocidental é obcecada pela questão do Ser. A filosofia oriental, pela questão do Vazio, do Nada. É no Vazio da jarra que se colocam flores..."

Rubem Alves