quarta-feira, 31 de março de 2010

“O saber do prazer, o prazer de saber”.


"você é seu corpo/ sua voz seu osso/ você é seu cheiro/ e o cheiro do outro/ o prazer do
beijo você é seu gozo/ o que vai morrer/ quando o corpo morra/ mas é também aquela
alegria (verso,melodia)/ que, intangível, adeja/ acima do que a morte beija"
Ferreira Gullar

Etimologicamente, erótico provém de erotikós (relativo ao amor) e deriva de Eros, o deus do amor dos gregos — Cupido entre os romanos. Mais tarde, a psicanálise transformou-o em símbolo da vida, do desejo, cuja energia é a libido, princípio da ação. Seu oposto é Tanatos, símbolo da morte, princípio da destruição.
Erotismo representa, assim, o resultado da conjunção entre erot (o) + ismo e significa, nos dicionários, paixão amorosa, amor lúbrico.
Mas os sentidos do termo erótico certamente não se esgotam no silêncio prolixo dos dicionários. Possui um conjunto de significados que se completam, às vezes se opõem, ou, dependendo do ponto de vista adotado, chegam a ser mutuamente exclusivos.
Freud, por exemplo, afirma que as sensações sexuais não se limitam às sensações genitais. A vida sexual é composta, segundo o autor, das sensações genitais e de processos psíquicos, tais como, esperança, temores, desejos e atrações, encantamentos e ternura, ansiedade e agressividade, etc.
A sexologia, com Reich, propôs uma revolução sexual calcada, dentre outras coisas, no princípio da auto-regulação do homem ao invés da submissão à moral social sempre repressiva nas sociedades autoritárias. Ia mais longe ainda, uma vez que colocava a orgasmoterapia como método indicado para a cura do ser humano reprimido, pressionado, alienado e sexualmente agressivo, além de defender a necessidade de este mesmo ser se abandonar ao “ritmo das pulsões biológicas”.
Ao contrário de Freud, que, até certo, ponto, via na repressão exercida pela moral social o resultado de uma necessidade para o controle efetivo dos instintos sexuais e a supressão da violência e da agressividade do ser humano, Reich, seu discípulo e crítico, defendia a tese de que “quem vive satisfeito não sente impulso para violentar” Por isso, também não necessita de uma moral para controlar tal impulso”.
Para Gilles Deleuze, em Lógica dos sentidos, “Eros é sonoro, e o instinto de morte, silêncio.” Roland Barthes a propósito do lugar do erótico no corpo, na cultura e na palavra, afirma, em “O prazer do texto” que nem a cultura nem a sua destruição são eróticas; a fenda entre ambas é que se torna erótica. Para ele, “o lugar mais erótico de um corpo não é o ponto em que o vestuário se entreabre (...); “a intermitência que é erótica: a da pele que cintila entre duas peças (..), entre duas margens (...); é essa a própria cintilação que seduz, ou ainda: a encenação de um aparecimento-desaparecimento. Sobre as condições em que uma palavra torna-se erótica diz: a palavra pode ser erótica sob duas condições opostas, igualmente excessivas: se for repetida a todo o custo, ou pelo contrário se for inesperada, suculenta pela sua novidade.
Erotismo e Literatura - Jesus A. Durigan- ED.AT. 1985
pesquisa/sueliaduan

segunda-feira, 29 de março de 2010

Ele gostava por demais...


... “O braço de Soropita esbarrava num dos alforjes; estava bem abotoado, afivelado em seguro. Ali dentro, trazia para a mulher o presente que a ele mais prazia: um sabonete cheiroso, sabonete fino, cor-de-rosa. Do cheiro, mesmo, de Doralda, ele gostava por demais, um cheiro que ao breve lembrava sassafrás, a rosa mogorim e palha de milho; e que se pegava, só assim, no lençol, no vestido, nos travesseiros. Seu pescoço cheirava a menino novo. Ela punha casca-boa e manjericão-miúdo na roupa lavada, para exalar, e gastava vidro de perfume. Soropita achava que tanto perfume não devia de se pôr, desfazia o próprio da frescura. Mas ele gostava de se lembrar, devagarinho, que estava trazendo o sabonete. Doralda, ainda mal enxugada do banho, deitada no meio da cama. Doralda nunca o contrariava, queria que ele gostasse mesmo de seu cheiro: Sou uma mulher, Bem, sua mulherzinha... A cada palavra dela, seu coração se saía.”


"Noites do Sertão" Guimarães Rosa-
título no blog sueliaduan

domingo, 28 de março de 2010

Onde está ele?



O mistério das coisas, o mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece ao menos para mostrar-nos que não é mistério?
Que sabe o rio disso?
Que sabe a árvore?


E eu, que não sou mais do que eles, que sei eu disso?
E sempre que eu olho para as coisas e penso no que os homens pensam delas, eu dou risada.
Eu dou risada como um regato sua fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum.


É mais estranho do que todas as estranhezas, do que os sonhos de todos os poetas e o pensamento de todos os filósofos,
que as coisas sejam o que realmente parecem ser e não haja nada que compreender.
Sim, sim, heis, heis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos,
as coisas não tem significação, tem existência.

Fernando Pessoa
título no blog: sueliaduan

quinta-feira, 25 de março de 2010

"Um homem e uma mulher"


PONTO

O mundo é feito de pontos. São muitos se forem pontos de vista. Poucos se forem pontos estratégicos. Muito úmidos se forem pontos de chuva. O mais gostoso é ponto de encontro, mas às vezes desencontra.

Ou pontos de luz, um homem e uma mulher nus. Todos são pontos. O caminho entre dois uma reta. Uma linha. Um caminho que caminha sozinho. Fim da linha. Ou do fio. Fio da meada é na conversa.

Conversas são feitas de pontos de enfoque. O palco também. Amores são pontos em comum. Os pontos são um.


Livro: Cupido:Cuspido, Escarrado-
 Estrela Ruiz Leminski.

título no blog-sueliaduan 

terça-feira, 23 de março de 2010

As bonecas: o jogo do seu olhar.


"Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão.

Essa foi sempre a área mágica da minha vida.
Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar".

Cecília Meireles
título no blog sueliaduan


Lucidez e Loucura


Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos.

Eu caminho, desequilibrada, em cima de uma linha tênue entre a lucidez e a loucura.

O que tenho de mais obscuro, é o que me ilumina.

E a minha lucidez é que é perigosa."

Clarice Lispector

título no blog- sueliaduan

domingo, 21 de março de 2010

Poesia Poesia Poesia! Sempre!

by danapaulinelli -Imaginário Poético

A POESIA
Onde está
a poesia? Indaga-se
por toda parte. E a poesia
vai à esquina comprar jornal.
Cientistas esquartejam Púchkin e Baudelaire.
Exegetas desmontam a máquina da linguagem.
A poesia ri.
Baixa-se uma portaria: é proibido
misturar o poema com Ipanema.
O poeta depõe no inquérito:
meu poema é puro, flor
sem haste, juro!
Não tem passado nem futuro.
Não sabe a fel nem sabe a mel:
é de papel.
Não é como a açucena
que efêmera
passa.
E não está sujeito a traça
pois tem a proteção do inseticida.
Creia,
o meu poema está infenso à vida.
Claro, a vida é suja, a vida é dura.
E sobretudo insegura:
"Suspeito de atividades subversivas foi detido ontem
o poeta Casimiro de Abreu".
'A Fábrica de Fiação Gamboa abriu falência e deixou
sem emprego uma centena de operários".
"A adúltera Rosa Gonçalves, depondo na 3ª Vara de Família,
afirmou descaradamente: "Traí ele, sim. O amor acaba, seu juiz".
O anel que tu me deste
era vidro e se quebrou
o amor que tu me tinhas
era pouco e se acabou
Era pouco? era muito?
Era uma fome azul e navalha
uma vertigem de cabelos dentes
cheiros que traspassam o metal
e me impedem de viver ainda
Era pouco? Era louco,
um mergulho
no fundo de tua seda aberta em flor embaixo
onde eu morria
Branca e verde
branca e verde
branca branca branca branca
E agora
recostada no divã da sala
depois de tudo
a poesia ri de mim
Ih, é preciso arrumar a casa
que Audrey vai chegar
É preciso preparar o jantar
É preciso ir buscar o menino no colégio
lavar a roupa limpar a vidraça
O amor
(era muito? era pouco?
era calmo? era louco?
passa
A infância
passa
a ambulância
passa
Só não passa, Ingrácia,
a tua grácia!
E pensar que nunca mais a terei
real e efêmera (na penumbra da tarde)
como a primavera.
E pensar
que ela também vai se juntar
ao esqueleto das noites estreladas
e dos perfumes
que dentro de mim gravitam
feito pó
(e um dia, claro,
ao acender um cigarro
talvez se deflagre com o fogo do fósforo
seu sorriso
entre meus dedos. E só).
Poesia - deter a vida com palavras?
Não - libertá-la,
fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po-
esia - falar
o dia
acendê-lo do pó
abri-lo
como carne em cada sílaba, de-
flagrá-lo
como bala em cada não
como arma em cada mão
E súbito da calçada sobe
e explode
junto ao meu rosto o pás-
saro? o pás-
?
Como chamá-lo? Pombo? Bomba? Prombo? Como?
Ele
bicava o chão há pouco
era um pombo mas
súbito explode
em ajas brulhos zules bulha zalas
e foge!
como chamá-lo? Pombo? Não:
poesia
paixão
revolução

Ferreira Gullar
 21/03- Dia Mundial da Poesia

da série: Tenho um amigo que disse que eu:



Preciso modificar alguns hábitos, ou melhor, arrancar todos eles, os quais delicadamente nomeou de síndrome “habimort”, ou seja, “hábitos que matam”. Foi como me explicou e segundo ele, para o meu próprio crescimento interior. Fiquei ali parada sem saber se ria ou chorava em ver o seu empenho em me convencer. Não que eu não busque mudanças. Sei que são saudáveis. Mas as coisas não são tão simples assim. É depois todos temos hábitos. Como dizia minha sábia avó: — Tem coisa mio di bão não, bicho di custume.
Já um outro amigo diz que não tem jeito mesmo, quando arrancamos um hábito outro devagarzinho vai se formando, e que temos que estar alerta o tempo todo. Ruminando essas idéias fico a pensar: — mais pra que mudar se logo outro vai se enraizar. O jeito, então, é ficar com o velho que, pelo menos, já conheço.
Aí um outro amigo não agüentou e disse que não é nada disso que essa coisa tão simples, mesmice, nos incomoda muito, nos deixa amargurados. E é preciso extirpá-la com um método que ele nomeou de “ou vai ou racha”. E consiste em todo dia ter algo novo para fazer. Como, por exemplo, inventar uma receita de bolo que não precisa ir ao forno ou um bordado que não usa linhas ou uma visita a alguém que não se conhece ou... Arregalei uns olhos dado ao inusitado da situação que ele pediu desculpas, e disse que nossa conversa era um hábito, portanto, precisava extirpar. Cada um, um: — pensei. Mas é bom amigo. Fiquei sabendo que logo vai receber alta ou vai ou racha, maldade minha esse pensamento. Fazer o quê e a força do hábito.
Eu já estava quase desistindo de querer entender quando apareceu meu velho amigo, amigo maior, desses que ficam enraizados no nosso coração. E ele disse, daquele seu jeito habitual de dizer as coisas: — que quando menos se espera, quando a hora chega e o nosso coração transborda ,ele, sabe que precisa de novas aventuras, novas vivências. E o que é velho, o que fica ali nos incomodando e nos tornando amargurados vai embora como num passe de mágica. Não deu nem tempo de arregalar meus olhos. E, ele já veio logo se explicando, conhecedor de meus pequenos hábitos, mas que essa mágica é a gente mesmo quem faz. E é muito simples não precisa de método, nem nomes, nem nada.
Só é preciso aprender a olhar para dentro de si. E escolher a cada dia o que se quer, como se quer, para que se quer, e permitir-se o espanto consigo e com o outro.

sexta-feira, 19 de março de 2010

A ARTE DE SER FELIZ


HOUVE um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.

HOUVE um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz.

HOUVE um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

HOUVE um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

MAS, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

quinta-feira, 18 de março de 2010

O som e o silêncio


O som é presença e ausência, e está por menos que isso pareça,  permeado  de  silêncio.  Há tantos ou mais silêncios quanto sons no som, e por isso se pode dizer, com John Cage, que nenhum som teme o silêncio que o extingue. Mas também de maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio: mesmo quando não ouvimos os barulhos do mundo, fechados numa cabine à prova de som, ouvimos o barulhismo do nosso próprio corpo produtor/receptor de ruídos — refiro-me à experiência de John Cage, que se tornou a seu modo um marco na música contemporânea, e que diz que, isolados experimentalmente de todo ruído externo, escutamos no mínimo o som grave da nossa pulsação sanguínea e o agudo do nosso sistema nervoso

 

O som e o sentido -Uma outra história das músicas
José Miguel Wisnik
Título no blog: sueliaduan

terça-feira, 16 de março de 2010

A PALAVRA E O SILÊNCIO


A maior ou menor capacidade de nomear o mundo define a maior ou menor perplexidade e terror em relação ao mesmo. No momento em que as coisas são nomeadas, rotuladas, deixam de ser assustadoras e passam a fazer parte do conhecido, do familiar. O processo de apreensão do mundo pela palavra, contudo, tende a revestir a realidade com uma opacidade embrutecedora que anestesia a nossa percepção e nos induz a ver como óbvio, banal, algo que em sua essência é mágico e misterioso. Dentro desse universo, onde a palavra deixou de habitar o mais íntimo da alma humana e perdeu, para usar uma expressão de Guimarães Rosa, a sua condição de “porta para o infinito”, a literatura constitui um elemento de transcendência, um meio de quebrar os condicionamentos limitadores do cotidiano e (re)instaurar o sentido “místico” das coisas.
Júlio C.Bittencourt Gomes:


sábado, 13 de março de 2010

"Olhos de Poeta"


Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões _é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinícius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa _garrafa, prato, facão_ era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas _e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as tem na mão e olha devagar para elas".

Por isso _porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver_ eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro.
Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"

 Rubem Alves "Acomplicada arte de ver"
Titulo no blog- Olhos de poeta-sueliaduan

sexta-feira, 12 de março de 2010

UMA MULHER- NÓS MULHERES

A PERFEIÇÃO

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.

Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.

Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

poema-Clarice Lispector
Título no blog-sueliaduan

quarta-feira, 10 de março de 2010

É você quem decide

O cara faz um esforço desgraçado para ficar rico pra quê?
O sujeito quer ficar famoso pra quê?
O indivíduo malha, faz exercícios pra quê?
A verdade é que é a mulher o objetivo do homem.
Tudo o que eu quis dizer é que o homem vive em função de você.
Vive e pensa em você o dia inteiro, a vida inteira. Se você, mulher,
não existisse, o mundo não teria ido pra frente.
Homem algum iria fazer coisa alguma na vida para impressionar a um
outro homem, para conquistar um sujeito igual a ele, de bigode e tudo.
Um mundo só de homens seria o grande erro da criação. Já dizia a
velha frase que “atrás de todo homem bem-sucedido existe uma grande
mulher”. O dito está envelhecido. Hoje eu diria que “na frente de todo
homem bem-sucedido existe uma grande mulher”.
É você, mulher, quem impulsiona o mundo.
É você quem tem o poder, e não o homem. É você quem decide
a compra do apartamento, a cor do carro, o filme a ser visto,
o local das férias. Bendita a hora em que você saiu da cozinha e,
bem-sucedida, ficou na frente de todos os homens.
E, se você que está lendo isto aqui for um homem, tente imaginar
a sua vida sem nenhuma mulher. Aí na sua casa, onde você trabalha,
na rua.Só homens.Já pensou?
Um casamento sem noiva?
Um mundo sem sogras?
 Enfim, um mundo sem metas.

As Mulheres/Segundo Arnaldo Jabor
Título Sueli Aduan

terça-feira, 9 de março de 2010

"É preciso voltar os olhos ..."

 
   para a população feminina como a grande articuladora da paz.
A. Jabor

domingo, 7 de março de 2010

Só as mulheres podem ...


Por mim, acho que só as mulheres podem desarmar a sociedade, até porque elas são desarmadas pela própria natureza: nascem sem pênis, sem o poder fálico da penetração e do estupro, tão bem representado por pistolas, revólveres, flechas, espadas.

Ninguém lhes dá, na primeira infância, um fuzil de plástico, como fazem com os meninos, para fortalecer sua virilidade e violência. As mulheres detestam o sangue, até mesmo porque têm que derramá-lo na menstruação ou no parto. Odeiam as guerras, os exércitos regulares ou as gangues urbanas, porque lhes tiram os filhos de sua convivência e os colocam na marginalidade, na insegurança e na violência.

É preciso voltar os olhos para a população feminina como a grande articuladora da paz.

E para começar, queremos pregar o respeito ao corpo da mulher. Respeito às suas pernas que têm varizes porque carregam latas d’água e trouxas de roupa. Respeito aos seus seios que perderam a firmeza porque amamentaram seus filhos ao longo dos anos. Respeito ao seu dorso que engrossou, porque elas carregam o país nas costas.

São as mulheres que irão impor um adeus às armas, quando forem ouvidas e valorizadas e puderem fazer prevalecer a ternura de suas mentes e a doçura de seus corações.

Rita Lee- Título-Sueli Aduan

"Mulheres de Atenas"

"Mirem-se no exemplo Daquelas mulheres de Atenas Vivem pros seus maridos Orgulho e raça de Atenas Quando amadas se perfumam Se banham com leite, se arrumam Suas melenas
Quando fustigadas não choram Se ajoelham, pedem imploram Mais duras penas, cadenas"
Mulheres de Atenas -Chico Buarque


Devoragem
Assim vejo a mim:
perdida dentro de um homem,
sedenta de paixão e desejo.


Uma mulher,
nua e quente.
Com a boca molhada,
entreaberta para o beijo.
Corpo e movimento.
Pernas e pêlos


Assim vejo a mim:
perdida dentro de um homem,
mãos e seios,
pulsação e orgasmo.
Na voragem o amanhecer.

quinta-feira, 4 de março de 2010

da série: Tenho um amigo que disse que eu:


Deveria investir na minha felicidade que é uma obrigação optar pelo que gosto, ou não gosto. Como, com quem e onde quero viver e blábláblá..... Que para a felicidade ser completa preciso ter sempre alguém ao meu lado. Viver um grande amor. Na hora foi me dando um sono que mal consegui disfarçar. Se bem que nem pensei nessa possibilidade, não. Bocejei em alto e bom tom, mas ele nem se deu conta. Continuou com seu rosário de atitudes em prol da minha felicidade. A cada fala sua meu sono aumentava até que, quase num delírio, relembrei minha avó com seu discurso sobre a arte do bem viver. Dizia ela - que para  se conhecer uma pessoa é preciso comer, juntos, uma carga de sal.

E, com um sorriso maroto completava: isso leva anos e anos quase à vida toda, além de que se faz necessário, quando se quer uma boa relação de amor, ou de amizade, relevar muita coisa fazer vista grossa, mas desde que isso não lhe traga tristeza, não. Foi ai que me dei conta que esse meu amigo não entendia nada de felicidade. Que não dá para ser feliz sem levar em conta a felicidade do outro.

Já um outro amigo também resolveu discursar, e veio com uma conversa de que é logo no começo de uma amizade, ou de uma paixão que se deve deixar tudo muito claro e explicar direitinho quem você é como gosta de ser tratado e por aí. Como se as coisas acontecessem dessa maneira, mecanicamente, feito a um aparelho que é só apertar um botão e ele funciona. Gente é um pouquinho mais complicado. São muitos botões e, às vezes, alguns enguiçam, outros funcionam mais do que deveriam e tudo vira uma bagunça que nem a própria pessoa entende. Escutando esse meu amigo me dou conta, com certa tristeza, que ele não entende nada da arte do bem viver.

Mas amigo é amigo e a gente não deixa de lado a bem querência porque a bem da verdade, seja lá o que isso quer dizer, é somente nestes momentos de escuta que nos damos conta das nossas semelhanças.
Um outro amigo, amigo maior, de longa data diz que em suas andanças por esse mundão sem porteira, esse grande sertão - que o que nos apazigua é saber que todos, feito a meninos, desejamos somente sermos queridos.
 
 

terça-feira, 2 de março de 2010

Presença



É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...

É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.

É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...

E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mario Quintana