sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Caminhos trilhados


Tinha o hábito, gostava mesmo, de pensar na morte, mas isso não a incomodava, não a deprimia , ao contrário, aprendera há muito tempo atrás com um velho professor que pensar na morte era pensar na vida. Viver.  Isso também fazia muito, muito tempo, uma época em que os professores ainda ensinavam que o fundamental era... Ah! Pensou: — deixa pra lá. Gostava de deitar na rede, aquela brisa gostosa, e  na pausa da leitura ficar observando a morte de uma formiga, de uma aranha, de uma planta, um objeto quebrado. A transformação de tudo. E pensar na sua própria transformação. Da menina curiosa que tinha sido à mulher determinada que se transformou. Da jovem sonhadora à adulta realista, engajada, questionadora, provocadora.  Mas sabia, sentia, que jamais perdera a ternura  conquistada em muitos caminhos trilhados. Agora mais envelhecida e com um coração infinitamente jovem abria-se para um novo pensar. Uma quase brincadeira que fazia consigo mesma: — morte rápida dizia sorrindo. Morte súbita para tudo que entristece, paralisa, desalegra, contamina, petrifica, envenena...

sábado, 15 de janeiro de 2011

Sórdida convivência


Imagem: Sergio Cajado

Fitou-me por algum tempo em silêncio, antes que voltasse a falar. Derrepente, por mais absurdo que me parecesse, começou a gargalhar. Ria alto chamando a atenção de todos ao nosso redor. Eu por minha vez não resisti e esbocei um leve sorriso, com os olhos ávidos cravados nele conjeturava a possibilidade de uma simples faquinha em minha bolsa. Pensamento acalentado há tanto tempo, mas sempre adiado. Desejava não ter esse desejo, essa necessidade diária de dar um fim nessa onvivência sórdida, mesquinha, vil. No entanto, quando ele me olhava, feito um menino, eu me sentia toda iluminada. Comprendia que nascemos um para o outro, feitos sobre medida. Traiçoeiros e vulgares. Esquecia-me de nossos  rompantes, de nossa bôemia, de nossos amantes. E, toda amor esquecia-me também  da bolsa e  da possibilidade de uma simples faquinha. Sonhava com uma vida inteira  juntos,  e  nossa sórdida conviência como alimento necessário.  Olhei-o em silêncio. E, gargalhei! 

O ínico (1º parágrafo) desse texto postei no Tempus. Lá ganhou outro título e, claro, com a participação de outras  pessoas tornou-se  uma  outra narrativa.(Linda,por sinal.:o)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

da série: Tenho um amigo que disse que eu:

 
Sou muito exagerada nas coisas que faço, falo, vivo, observo... E, olhando com aquele ar de quem sabe do que está falando complementou: — ou é tudo ou é nada. Bem, não é bem assim, não. Respondi, com um sorrisinho que é quase imperceptível um leve movimento de lábios, é que dentro de mim tudo borbulha, exige, pulsa. Sou intensa. Quando rio, rio. Mas também quando choro, meu Deus, lembro uma carpideira. Ele riu, olhou bem fundo nos meus olhos, e, espantado com uma faceta que desconhecia concordou balançando a cabeça. Acho que ele nunca tinha me visto assim.
Já um outro amigo desses que não se espantam com nada foi logo dizendo: — que não é bom ser assim, não. Mas, coitado, ele nem deve tempo de explicar o porquê não seria bom. Um outro amigo desses que chegam sorrateiramente e ávido em participar foi logo falando: — Quem diz isso não sabe do que está falando, ou melhor, acredita que há um jeito bom para o sentir. E, entusiasmado com a própria fala, gesticulando muito continuou: — é preciso viver, sorrir, chorar, gritar, pular, correr. Hum! Amigo é amigo, não é? E a gente sabe que nessas horas a empolgação toma conta do sujeito.
Já um outro amigo, amigo maior, desses que sempre tem algo a nos dizer e sabedor que na poesia reside toda a verdade, delicadamente, declamou Fernando Pessoa:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Eu rindo chorei muito.