Na primeira parada deixou claro, feito à lua que iluminava aquelas viagens sem fim, que só é gente aquele que não careça de nada, que a tudo agradece ao nosso senhor Jesus Cristo e na dor enxerga a bondade divina. Sua voz doce é um canto de ninar aos ouvidos da mulher em que hoje me transformei. E trago comigo, como num cofre, cada uma dessas paradas.
Essa sempre foi a palavra de mãe:- descansar. Como se a gente pudesse tirar o cansaço do jeitinho que se tira um chinelo e deixa ao canto. Mãe acreditava nisso e dizia: — Ponhei meu zoio nu sem fim da mata e junto com o chero bão sinti um repio nu corpu. Não careçe de coisa mio não. Mas eu carecia. E o cansaço era só daquela vidinha mesmo. Eu gostava sim do cheiro do mato, da chuva e daquelas tarde de domingo, em que pai sentado na varanda contava histórias, e mãe sempre nos surpreendia com seus doces e manjares. A vida era assim tranqüila por demais.
E se tem coisa que trago desde minha meninice e o gosto pela aventura. Descobrir, conhecer, saber. Mãe nunca entendeu esse meu jeito, mas mulher amorosa que era sempre respeitou minhas escolhas. Em seu silêncio eu sentia carinho e aprovação, pois ela sabia: — a vida toda seria assim para mim. Na estrada, hoje, em meio às campânulas vermelhas, samambaias, avencas e o cheiro da terra molhada, sua imagem, seu canto doce seu silêncio misturaram-se as minhas alegrias.
Não careço de nada,por ora.