sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

da série: Tenho um amigo que disse que eu:



 Mudo feito sertanejo em épocas de seca. A princípio, pensei que ele se referia à cor dos meus cabelos, já que faz tempo não mudo de cidade, de casa. E até perguntei: —  Você gostou da cor atual? Ele arregalou os olhos e sorrindo disse: — Não é nada disso, me refiro ao seu modo de pensar, da sua visão de mundo. Eu dei aquele sorrisinho que você, leitor, já conhece e não mudou nadica de nada. Começa no cantinho esquerdo da boca e mal parece um riso, é mais um mexer de lábios mesmo. Sorriso perceptível para poucos, raros eu diria. Gente que gosta de matutar, observar, silenciar.

Já um outro amigo diz que não se trata de nada disso não, e que a vida da pessoa é assim mesmo.Uns permanecem sempre os mesmos. E não querem mudanças, a não ser àquelas pequeninas. Coisas do viver diário.  Crescem na mesma cidade, mantém os mesmos amigos da infância e até acrescentam alguns outros. Mas estão sempre nos mesmos lugares. E para esses a vida é assim mesmo, apenas um suceder de dias.  Já outros traçam outras experiências, são inquietos por natureza, ávidos por viver intensamente, e nos dão a impressão de que cada dia é um novo dia na vida deles.

Já um outro amigo, amigo maior, desses que sempre tem algo a nos dizer e sabedor que a vida é feita de prosa e poesia diz que não se trata de uma simples mudança. E sim de aprimoramento. E visão de mundo tem a ver não só com novas experiências, mas principalmente com incorporar ao nosso viver diário aquilo que lemos nos bons livros. E, com sua voz doce e rouca, leu para mim:

“uma leitura que nos põe em estado de perda, que desconforta, faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem, com a vida”.  Roland Barthes.

E completou: — aí sim, minha amiga, podemos nomear de mudança, pois se dá por inteiro. Eu sorri, mas dessa vez um sorriso escancarado.


BARTHES, Roland. O prazer do texto. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

DESAPRENDENDO A LIÇÃO




DESAPRENDENDO A LIÇÃO
Affonso Romano de Sant’anna

“Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. Esta frase de Roland Barthes é instigante. Desmistifica a prática usual do ensino. Por isto, ele continua seu pensamento afirmando que é preciso “desaprender”, "deixar trabalhar o imprevisível” até que surja a chamada “sapiência”, uma sensação de “nenhum poder, um pouco de saber”, mas com “o maior sabor possível”. E num seminário em Paris, praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro na classe não tivesse tema pré-determinado. O desejo inconsciente do saber é que deveria aflorar o tema. Ali os alunos deveriam não apenas desejar saber, mas saber desejar.

Desejar o saber é uma primeira etapa, mas saber desejar é refinada atitude. Entre um e outro vai a distância do canibal ao gourmet.Como derivação das colocações de Barthes se poderia dizer: o professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender. Assim o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor ensinou. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isto, ensina também o que não quer, algo de que não se dá conta e passa silenciosamente pelos gestos e paredes da sala. É, aliás, a mesma história que se dá com o texto. O autor se propõe a dizer uma coisa, mas o leitor constrói sua leitura segundo suas carências e iluminações. Por isto se equivocou Jacques Derridá ao dizer que o texto escrito segue livre sem paternidade, enquanto o discurso oral é tutelado pelo orador. O orador também não controla seu discurso, pelo simples fato de estar presente.

A palavra ao ser pronunciada já não nos pertence. O orador é falado pelo seu discurso. Fala-se o que se pensa que se sabe, ouve-se o que se pensa que foi pronunciado. O sentido é construído a muitas vozes e ouvidos, harmonicamente. Tinha razão o polifônico Sócrates: “A verdade não está com os homens, mas entre os homens”. Repitamos a frase de Barthes: “Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. E adicionemos o seguinte raciocínio: em geral pensa-se que o professor é aquele que “fala”, que preenche com seu encachoeirado discurso uma aula de 50 minutos ou um seminário de três horas. Este é um conceito de ensino como uma atividade “oracular” da parte do mestre, que se complementa numa passividade “auricular” da parte do aluno.

Contudo, assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode ostentar apenas ansiedade. O conhecimento pode se instalar no entreato. O silêncio também fala. É isto que se aprende durante as ditaduras. E, por outro lado, durante as democracias se aprende que o discurso nem sempre diz. Portanto, à audácia de desaprender o aprendido soma-se a astúcia do silêncio. No princípio era o Verbo. A construção do silêncio exige muitas palavras. O escritor, por exemplo, constrói uma casa de palavras para ouvir seu silêncio interior. Comecei falando em Barthes. E aquela frase inicial dele remete não só para a questão do “saber” e do “sabor”, mas do “saber” e do “poder”. Na verdade enriquece-se o saber combatendo-se o poder que ele aparenta. E uma forma de incrementar o poder é o “perder”. Assim, o melhor professor seria aquele que não detém o poder e nem o saber, mas que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma forma de ganhar e o saber é recomeçar.

E para terminar, nada melhor que uma frase de outro desconstrutor de verdades, que é Guimarães Rosa: “Mestre não é quem ensina, mas aquele que, de repente, aprende”.



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Insólito viver

Performance- Movimento Butô-Poesia Hacai
Salto 2012


Dança pássar guerreiro.
Voa e sonha.
Homem livre
Dança que sua pena, pele, é poesia.
Palavra texto.
Sagrado corpo.
Nu
Linha a linha.
Registro do verso.
Marcas do tempo.
Tempo do homem.
Do corpo.
Da poesia.
Deuses
Demônios
Sons
Silêncios
Esse insólito viver.


Obs: Poesia Haicai construída sempre com tres versos ( na poesia Insólito viver -os tres primeiros) O restante dos versos escrevi para atender a performance.