À medida que eu caminhava o silêncio era
cortado apenas pelo farfalhar dos meus passos sobre folhas secas caídas ao
chão. Fração de segundos, e lá estava eu praticamente sozinho naquele imenso
parque abandonado. Coração acelerado aperto o passo. O suor
já começou a escorrer. Um tremor percorre todo meu corpo já molhado. Olho o
relógio quase meia noite. E me pergunto: — por que sempre acabo cedendo aos
caprichos de Helena e vou ficando, ficando...À bem da verdade gosto de escutá-la. Há
algo em sua voz e no jeito entusiasmado de contar coisas das mais corriqueiras
do cotidiano. Uma voz doce, suave, que adentra aos meus ouvidos e me leva para
longe.E ainda que sua casa seja distante da
minha, um lugar retirado da cidade com poucas moradias, iluminação fraca,
construções abandonadas, terrenos vazios, sempre encontro algum morador vindo
do trabalho. Esse fato me apazigua. Porque medo é medo. E não há ser vivente,
nesse mundo, que não se aperreie como diz o caboclo.Só que nessa noite, e não creio que seja
pelo avanço da hora, não havia um ser vivente caminhando. Exceto eu. Se é que
posso dizer que caminhava, pois era quase um arrasto tamanho o medo que me
invadia.
Nessas horas, penso que há de se ter firmeza e perceber que o medo
provoca um jogo de nervos. E que às vezes exageramos, com nossos pensamentos, à
sensação do perigo.Na realidade são quase medos, quase
anseios, quase destemperos, quase pesadelos, fruto de um mundo violento em que
vivemos e que nos incita a pensar no pior. Mas sobretudo porque temos medo da
morte. A morte do nosso corpo e fim da nossa identidade singular.O medo que tudo abarca que nos paralisa.
Mas o fato é que eu não podia e nem queria caminhar trêmulo, respiração
ofegante, feito um menino diante de um monstro imaginário.E ainda restava muito chão pela frente,
mas para meu alívio a imagem de Helena se formou em minha frente. Linda como a
lua. Seus olhos negros profundos olhavam-me longamente. Seu sorriso
escancarado, seu corpo perfeito. Tive a sensação que se esticasse o braço
poderia tocá-la.
De repente sua imagem sumiu da mesma
forma inesperada como apareceu, e novamente o medo me dominou. Uma coruja ou um
pássaro, não sei, piou. Mau agouro diriam os místicos. Apertei ainda mais meu
passo bambeante e avistei quase lá no final do parque um vulto.A princípio, como era de se esperar
senti um calafrio. Numa mistura de medo e autodefesa cheguei a pensar que o
sujeito, o vulto, sentia o mesmo, já que, a rua estava deserta e só nos dois nos
encontrávamos ali.Mas à medida que ele se aproximava esse
pensamento se dissipou, pois apesar de caminhar com passos firmes possuía uma
leveza digna de bailarinos. Foi quando percebi o corpo perfeito. Era Helena.
Sorri e fui ao seu encontro. Ela também veio calmamente em minha direção, e já
próxima a mim sussurrou: —Com medo meu querido?A pergunta me deixou atônito, não pela
pergunta em si, pois tanto Helena quanto eu tínhamos a convicção de ser o medo
algo inerente ao ser humano. Sem saber o que responder, dado o inusitado da
situação, enfiei a mão no bolso do paletó peguei o lenço e enxuguei o rosto
lentamente me escondendo dos olhos de Helena. Quando levantei a cabeça ela não
estava mais ali. Acordei dias depois no hospital com
Helena ao meu lado. E ainda hoje me pergunto: — meu medo criou toda essa
situação? Que outra explicação haveria para me convencer já que não sou um
místico e nem um menino com seus monstros.