Meu pai dizia: “mentira tem perna curta”. Eu, então, com
meus oitos anos, na época, arregalava meus olhos negros, brilhantes e o ouvia
em silêncio. E, claro, obedecia-o à
risca. Em partes por medo de ficar manquitola, pois via beleza em minhas pernas
longas. E, em muito, porque eu admirava o velho com sua larga sabedoria. Depois,
veio a adolescência com sua fase de complexos. As pernas deixaram de ser bela e
o corpo era problema. Além da negação de alguns ensinamentos familiares. Tudo
tão natural e importante de vivenciar nessa fase da vida. Demorou um tempo.
Tempo de sofrimento, mas passou.
O que me lembro com grande alegria é de que se, por
um lado, escolhi outros valores para minha vida, por outro, muitos dos valores,
os quais ele me ensinou perduram até hoje. É o caso em relação à mentira; que
ele completava dizendo: “não se deve fazer uso dela, não.” Nem das chamadas
brancas, que além de não existirem, são puro preconceito. Onde já se viu
mentira ter cor? E com sua voz rouca, serena, olhava fundo nos meus olhos e me
questionava — porque não preta, azul, verde, amarela. Tem que ser branca? Essa
coisa sempre o intrigou. Meu pai era um homem de uma curiosidade visceral. De
um gosto pela justiça e liberdade sem fim. Cresci assim ao seu lado e quando
parti em busca do meu caminho, novamente a questão da mentira estava presente.
Minha geração, nem todos, lutou pela verdade e fomos
confundidos como jovens rebeldes, loucos, hippies, irreverentes. Sofremos na
própria carne o preconceito e os equívocos de uma sociedade conservadora. Minha ojeriza pela mentira vem daí. Uma
questão política. Consciência de que a mentira, como outras afecções, constitui
nosso ser. Mas que, geração após geração, busca extirpá-la. Ensinam seus filhos
a lutar pelo aprimoramento. Senão, ainda estaríamos na caverna, da qual nos
fala Platão. Ou ainda, como nos ensina
Nietzsche: “Em Crepúsculo dos Ídolos” — dentro da narrativa “História de um
erro” — “O mundo verdadeiro uma fábula”. E, Santo Agostinho, na abertura de seu
“De Mendacio ou Contra mendacium”; e Kant, Arendt... E tantos outros...
E meu saudoso pai, que entre cores e questionamentos,
ensinou-me como é bom ser verdadeiro.