segunda-feira, 1 de abril de 2013

Meu pai sabia. Nietzsche e... também




Meu pai dizia: “mentira tem perna curta”. Eu, então, com meus oitos anos, na época, arregalava meus olhos negros, brilhantes e o ouvia em silêncio.   E, claro, obedecia-o à risca. Em partes por medo de ficar manquitola, pois via beleza em minhas pernas longas. E, em muito, porque eu admirava o velho com sua larga sabedoria. Depois, veio a adolescência com sua fase de complexos. As pernas deixaram de ser bela e o corpo era problema. Além da negação de alguns ensinamentos familiares. Tudo tão natural e importante de vivenciar nessa fase da vida. Demorou um tempo. Tempo de sofrimento, mas passou. 

O que me lembro com grande alegria é de que se, por um lado, escolhi outros valores para minha vida, por outro, muitos dos valores, os quais ele me ensinou perduram até hoje. É o caso em relação à mentira; que ele completava dizendo: “não se deve fazer uso dela, não.” Nem das chamadas brancas, que além de não existirem, são puro preconceito. Onde já se viu mentira ter cor? E com sua voz rouca, serena, olhava fundo nos meus olhos e me questionava — porque não preta, azul, verde, amarela. Tem que ser branca? Essa coisa sempre o intrigou. Meu pai era um homem de uma curiosidade visceral. De um gosto pela justiça e liberdade sem fim. Cresci assim ao seu lado e quando parti em busca do meu caminho, novamente a questão da mentira estava presente.

Minha geração, nem todos, lutou pela verdade e fomos confundidos como jovens rebeldes, loucos, hippies, irreverentes. Sofremos na própria carne o preconceito e os equívocos de uma sociedade conservadora.  Minha ojeriza pela mentira vem daí. Uma questão política. Consciência de que a mentira, como outras afecções, constitui nosso ser. Mas que, geração após geração, busca extirpá-la. Ensinam seus filhos a lutar pelo aprimoramento. Senão, ainda estaríamos na caverna, da qual nos fala Platão.  Ou ainda, como nos ensina Nietzsche: “Em Crepúsculo dos Ídolos” — dentro da narrativa “História de um erro” — “O mundo verdadeiro uma fábula”. E, Santo Agostinho, na abertura de seu “De Mendacio ou Contra mendacium”; e Kant, Arendt... E tantos outros...
E meu saudoso pai, que entre cores e questionamentos, ensinou-me como é bom ser verdadeiro.