segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ah! Esse Guimarães...

Quanto mais ando, querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago...foi o que pensei na ocasião. De pensar assim me desvalendo. Eu tinha culpa de tudo, na minha vida, e não sabia como não ter. Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo; que, quando notei que estava com dor-de-cabeça, e achei que por certo a tristeza vinha era daquilo, isso até me serviu de bom consolo. E eu nem sabia mais o montante que queria, nem aonde eu extenso ia.




segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"Se você parar para pensar"


Na correria do dia-a-dia, o urgente não vem deixando tempo para o importante. Essa constatação, carregada de estranha obviedade, obriga-nos quase a tratar como uma circunstância paralela e eventual aquela que deve ser considerada a marca humana por excelência: a capacidade de reflexão e consciência. Aliás, em alguns momentos, as pessoas usam até uma advertência (quando querem afirmar que algo não vai bem ou está errado): "Se você parar para pensar..." Por que parar para pensar? Será tão difícil pensar enquanto continua fazendo outras coisas ou, melhor ainda, seria possível fazer sem pensar e, num determinado momento, ter de parar? Ora, pensar é uma atitude contínua, e não um evento episódico! Não é preciso parar – nem se deve fazê-lo – sob pena de romper com nossa liberdade consciente. Isso, de certa forma, retoma uma séria brincadeira feita pelo escritor francês Anatole France (Nobel de Literatura em1921, um mestre da ironia e do ceticismo) quando dizia: "O pensamento é uma doença peculiar de certos indivíduos, que, a propagar-se, em breve acabaria com a espécie".Talvez "pensar mais" não levasse necessariamente ao"término da espécie", mas, com muita probabilidade,dificultaria a presença daqueles no mundo dos negócios e da comunicação que só entendem e tratam as pessoas como consumidores vorazes e insanos. Talvez um "pensar mais” nos levasse a gritar que basta de tantos imperativos. Compre!Olhe! Veja!Faça! Leia! Sinta! E a vontade própria e o desejo em contornos? E (ainda lembra?) a liberdade de decidir, escolher, optar, aderir? Será um basta do corpo e da mente que não mais agüentam tantas medicinas, tantas dietas compulsórias, tantas ordens da moda e admoestações da mídia; corpo e mente que carecem cada dia mais, de horas de sono complementares, horas de lazer suplementares e horas de sossego regulamentares, quase esgotados na capacidade de persistir, combater e evitar o amortecimento dos sentidos e dos sonhos pessoais e sinceros. Essa demora em "pensar mais", esse retardamento da reflexão como uma atitude continuada e deliberada, vem produzindo um fenômeno quase coletivo: mais e mais pessoas querendo desistir, largar tudo com vontade imensa de sumir, na ânsia demudar de vida, transformar-se, livrando-se das pequenas situações que as torturam que as amarguram que as esvaem. Vêm à tona impulsos de romper as amarras da civilidade e partir, céleres, em direção ao incerto, ao sedutor repouso oferecido pela irracionalidade e pela inconseqüência. Desejo "grandão" de experimentar o famoso “primeiro a gente enlouquece e, depois, vê como é que fica...” Cansaço imenso de um grande sertão com diminutas veredas?Quando o inglês (nascido na Índia) George Orwell, no final dos anos 40 do século passado, publicou a obra "1984" - uma assustadora utopia negativa quanto ao futuro das sociedades, nas quais não haveria liberdade, individualidade e privacidade –, despontou no Ocidente um disfarçado e ansiado consenso (apoiado em uma simulada expectativa):tudo aquilo que ele colocara no livro jamais poderia acontecer nem se relacionava com o porvir do mundo capitalista. No entanto a macabra história sobre uma sociedade totalitária vai além de fatos abstratos e atinge hoje, em cheio, o terreno da “mercadolatria". Orwell disse que, numa sociedade como a que prenunciou, "o crime de pensar não implica a morte, crime de pensar é a própria morte”. Pouco importa, dado que ser humano é ser capaz de dizer "não" ao que parece não ter alternativa. Apesar dos constrangimentos e da tentativa de seqüestro da nossa subjetividade, pensar não é, de fato, crime e, por isso, claro,não se deve parar.

CORTELLA, Mário Sérgio. Se você parar para pensar. Folha de São Paulo, 24 de maio de 2001. Folha Equilíbrio, p.15

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"E criar, a grande redenção".


Nossa cultura não nos incentiva a lutar, mas a chorar, a nos vitimar. Valorizamos e protegemos os fracos ao mesmo tempo criticamos os ousados, criativos. Consideramos o trabalho uma penalidade, e nosso sonho maior é sempre descansar. Mas a vida é sempre o resultado de uma luta. O fim da luta é a morte. E criar, a grande redenção. Para Nietzsche criar, mais do que um gesto individual, é um processo de integração e participação na vida. A vida cria em suas constantes transformações, em seu eterno jogo de vida e morte. Ao homem cabe dizer sim ou não a este processo, isto o define como homem. Ao dizer sim ao que os gregos chamavam de devir, o vir-a-ser constante das coisas, o homem se vê inserido em um processo que necessariamente leva à criação. Criar é suportar as contradições e intensidades da vida no corpo, é transformar em signo este movimento excessivo que é viver.

A PALAVRA

é uma roupa que a gente veste
uns gostam de palavra curtas
outros usam roupa em excesso
existem os que jogam palavra fora
pior são os que usam em desalinho
cores brigando,substantivo em luta
alguns usam palavra rara
poucos ostentam palavras caras
tem quem nunca troca
tem quem usa a dos outros
a maioria não sabe o que veste
alguns sabem e fingem que não
uns nunca usam a roupa certa para a ocasião
tem os que se ajeitam bem com pouca peça
outros se enrolam em um vocabulário de muitas
eu adoro usar palavra limpa
tem gente que estraga tudo que usa
com quais palavra você se despe?
Viviane Mosé

Viviane Mosé - É psicóloga e psicanalista-Mestra e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro

sábado, 4 de dezembro de 2010

Talvez seja, e daí?


À medida que caminhava percebeu que seria impossível levar toda aquela bagagem. Distante do embarque e sem ninguém para ajudá-la tomou rapidamente uma decisão. Era uma pessoa de movimentos rápidos, porém de imensa serenidade na execução deles. O que lhe conferira imensa graciosidade.
Assim, soltou no chão o baú maior, a bolsa foi escorregando naturalmente sem que precisasse fazer o mínimo esforço. Sentou-se totalmente à vontade na esperança que um táxi, ou  uns momentos de descanso fossem suficientes para continuar a trajetória.
E, passados alguns minutos uma impaciência, coisa rara em sua vida, começou a tomar conta de sua mente. A sensação era péssima. Procurou na bolsa os óculos e não achou. Só pra ajudar  tinha esquecido.
E do que ia adiantar, agora, estar com eles. Por acaso estou cega, conjecturou? Ou será que pretendo aqui no meio do nada ler? Era só o que faltava. Diabos, por que é que na pior das situações me vem esses pensamentos: ler, colocar óculos, comer chocolate, vai ver é assim com todo mundo. Talvez seja. E daí? O que isso ajuda?
Nossa já é noite. Agora sim vou precisar dos malditos óculos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quis acordá-la, mas não.


Desço a rua tranqüilo. Olho o relógio. Seis horas. À rua deserta escuto o farfalhar de meus passos sobre o chão, cadenciado passo, dança e música misturadas ao silêncio existente. Na mente nenhum pensamento ordenado ocorre. Trajeto feito todos os dias, hábito enraizado, é só seguir em frente.
Em alguns dias a atenção volta-se para o andar, em outros para a respiração, há ainda aqueles dias em que se fixa nos cheiros, nos aromas das casas, nos lixos tombados, no latido do cão, e finalmente no gato fugindo sorrateiramente.
Feito a pássaro livre em seu vôo matinal, ela muda rapidamente. O que determina essa atenção? Nenhuma escolha prévia. Nada.
Somente o olhar e o sentir. Distância encantatória entre as coisas e o homem. Foi numa dessas manhãs, que inexplicavelmente e numa fração de segundos passei do sentir ao pensar. Um único pensamento tomou conta de todo o meu ser. Perdi a tranqüilidade, o silêncio, a música, a dança, o chão. À medida que caminhava percebi que seria impossível viver sem resolver tamanho tormento. Pessoa de extremos voltei para casa. Olhei teu corpo na cama, passei-lhe suavemente as mãos pelos cabelos negros. Quis acordá-la, mas não. Para quê? Sobre o móvel deixei-lhe a chave.