O risco a que me permiti desde cedo foi, ou melhor, foram todos. E, aos desavisados, digo que não me refiro a nenhum ato inconsequente, nenhuma loucura juvenil. Não que essas não estivessem presentes. Mas, todas tão pueris: — uma aula cabulada, um beijo roubado no escurinho do cinema, pequenas mentirinhas, às quais, minha mãe nomeava de mentiras brancas. Dizia assim, pois elas não faziam mal a ninguém.
E, como nessa época, ainda que houvesse preconceito racial, não era comum associar certas palavras ao negro. Seu uso era geral. Minha avó costumava dizer: — hoje amanheci com o coração negro, e todos sabiam que não era nenhuma alusão pejorativa. As cores, na nossa família, sempre estiveram presentes para falar dos sentimentos. Minha tia falava em verde de raiva. Meu avô em roxo beslicão. Acredito que só eu mesma optei pelas palavras para demonstrar minha perplexidade diante de um mundo conservador.
Mas, o risco ao qual me refiro foram as difíceis decisões tomadas, as escolhas feitas frente ao que me chegou. Um olhar afiado e um coração inquietante. E a certeza de que o preço a pagar seria imenso. Nada que meu ser não estivesse disposto a aceitar. Viver sempre foi para mim um ato de assumir quem somos e como somos. O que queremos e como queremos. Um gesto de humildade para dizer não, quando muitos dizem sim às conveniências e ao engodo. Pois, como dizia meu pai, em tardes como aquelas, repletas de cores, de prosa e de poesia, não se deve viver com um sorriso amarelo estampado no rosto.