Entro no beco como quem caminha por uma imensa avenida e, perplexo depara-se com um girassol.
Não há girassóis nas avenidas, não há becos sem melancolia.
Há um marasmo, uma lentidão nos movimentos, uma falta de energia, uma desocupação tardia.
Há homens parados nas portas dos bares, há crianças descalças pelas ruelas com suas bolinhas de vidro, sonhos quebrados. Mulheres com suas panelas. Algumas vazias.
Um aroma de tabaco, fumaça e comida.
Longe do beco há movimento, ocupação.
Um homem sem trabalho é como uma árvore sem fruto, um corpo sem alma. Um dia vou ter uma profissão.
É um sonho que acalento desde menino, quando via meu avô com suas ferramentas, seu sorriso largo, a inventar coisas. Vô era homem sábio, quieto, não conversava muito.
Gostava mesmo era de contar causos, histórias. Algumas vezes cheguei a sentir medo das suas crenças, suas rezas. Coisas de menino da cidade.
Ele percebia e me acalmava. É só uma história, Dão Dão, falava com seu jeito carinhoso, e mudando de assunto dizia:
_ ocê sabe, minino, qui gente tem qui gostá du qui faiz, anssim trabaia cum gostu.
Eu sorria. E ele pegava o serrote delicadamente. Encostava-se à madeira e começava a trabalhar. Quase um ritual. Parecia até que ia tocar um instrumento, assim como um violino. Sabe que o som parecia mesmo uma melodia.
Eu fechava meus olhos e, ali sentado no banquinho ficava a me embalar com o ritmo do serrote na madeira. Imaginando o dia em que eu, com minha oficina faria muitos, muitos, muitos trabalhos.
No meu sonho de menino via meu nome em letras bem grandes:
Marcenaria do Dão Dão
Como diziam os vizinhos meu avô era um artesão de mão cheia. Ele era um criador, dizia minha mãe.
E eu, no meu entendimento de criança, pensava, meu avô é Deus. Esse pensamento deixava-me feliz, alegre mesmo, saber que a gente pode trabalhar e criar coisas. Ser Deus.
O tempo passou, meu avô morreu e, a marcenaria foi só um sonho. Não aprendi a ser um criador, um fazedor como ele falava.
Entro no beco como todos os dias, no finalzinho da tarde o sol...
Volto da cidade. Trago comigo a alegria contagiante da ocupação, do vai -e -vêm das pessoas, das lojas, das oficinas, do burburinho dos cafés, dos homens engravatados, das mulheres elegantes, dos restaurantes com seus aromas.
Tabaco, fumaça e comida.
Trago comigo o sonho de menino de ser um criador, um fazedor de mão cheia.