sexta-feira, 1 de julho de 2016

da série: Tenho um amigo que disse que eu...




Não deveria fazer essa cara de “poxa vida” sempre que estou triste. Tentei explicar que ele estava totalmente equivocado. Eu não estava triste não. É que jamais passa pela minha cabeça fazer caras e bocas. E, se ele estava me vendo assim era fruto da sua própria imaginação ou então ele mesmo é quem faz uso desses artifícios para chamar a atenção. Não tive nem tempo de completar a frase. Quando dei por mim ele tinha desaparecido. Vai ver ficou bravo. E o que eu posso fazer se é a mais pura verdade. Meu olhar e o formato da minha boca passam mesmo essa impressão, o da tristeza. Um quê de melancolia.

 Já outro amigo riu muito ao saber dessa história e me aconselhou a usar lápis para contornar os olhos e um bom batom vermelho. Esse recurso, disse-me, daria um brilho todo especial ao meu rosto. E eu lá quero ter um brilho que não seja o meu mesmo. Não que eu não use maquiagem. Uso, claro, sou vaidosa sim. Mas com a intenção de brilhar? Por favor. Essas coisas são de dentro mesmo, falamos em uníssono eu e outro amigo que adentrava todo feliz na conversa. E foi logo completando: minha cara, esse teu ar de melancolia é você por inteiro, como o meu é esse ar de bonachão. O que seria de nós se não fosse essa singularidade? É verdade mesmo, respondi. E numa fração de segundos revi rostos de pessoas que mal conheço e constatei o quanto nos enganamos ao julgar um olhar, um sorriso, um rosto mais tenso, uma ruga, um andar, um falar. 

 Já outro amigo, amigo de cabeceira, mas nem por isso distante, com seus belos textos e um bigode ímpar me ensina que é impossível mesmo nossas expressões faciais, corporais, atestarem todo o sentir. Que não nos apercebemos nem da tristeza nem da alegria que vai dentro de cada um. Porque tudo é muito dentro. No recôndito do ser. E mesmo as palavras ditas chegam-nos de tal maneira que somos sempre remetidos a nós mesmos e a nossa visão de mundo. Na hora me deu um vazio e até fiz uma cara de “poxa vida”, mas seus ensinamentos, frase a frase, página a página falaram mais alto. Nada há a fazer. É da vida, é do homem. E nisso reside toda a beleza.