sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Vou-me embora pra Helix -NGC 2685...sem medo



Vou- me embora
Vou- me embora
o poeta disse:
em pasárgada
sou amigo do rei
montarei em burro brabo
subirei no pau de sebo
tomarei banhos de mar
....
poeta maior perdoa-me
é que a existência não é
mais uma aventura
não há histórias
pra acordar os homens
e adormecer as crianças
e o rei está morto

vou- me embora
vou- me embora
pra NGC 2685
e lá, 650 anos luz da Terra.
entre nuvens de poeira e gases
pular,correr, rodopiar
voltar a ser menino
envolvido em estrelas
sem medo (os)
o grande olho?
é só um cilindro
e eu? apenas um homem

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Se eu não olhasse...

...se eu não tivesse do mundo a apreensão pelo olhar, só o aprendesse pelo tato, pelos ouvidos, pelo olfato, pelo gosto, se eu só o aprendesse assim, que noção eu teria, por exemplo, da manhã? O que seria a manhã, o amanhecer, o dia, e o entardecer, a noite? Que visão teria eu dessa realidade, se eu não apreendesse o mundo pelo olhar? A textura, a corporeidade das coisas, dos objetos, é diferente se eu apenas os tocar com os dedos. Mas quando eu olho, a riqueza que a minha percepção recebe do olhar é uma coisa incomparável com relação à que os outros sentidos me permitem aprender.
Então me parece que a construção do mundo humano deve muito ao fato de que o homem vê a realidade, de que ele aprende a realidade inclusive e principalmente pelo olhar. Ele é quase a base do conhecimento. Mas se o olhar tem essa importância, é verdade também que eu aprendo pelo olhar elementos que pertencem a outros sentidos, e os outros sentidos aprendem coisas que pertencem ao campo do olhar.
Por que é que eu digo “som agudo”? Agudo é uma impressão tátil. Ou “era um som áspero”. Áspero é tátil. “Era um som escuro”, escuro é visual .”Era uma voz doce ,é gustativo. F.Gullar
Merleau Ponty diz: “Os sentidos se traduzem uns aos outros sem precisar intérprete”.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O olhar – ver e falar

Raras vezes, despertam atenção as palavras de nosso cotidiano. Falamos em amor à primeira vista, sem que nos preocupe havermos, assim atribuídos poder mágico aos olhos, poder em que acreditamos (alguns) se falarmos em mau olhado. Aceitamos discordâncias dizendo que cada qual tem direito ao seu ponto de vista ou à sua perspectiva, sem causar-nos estranheza o crermos que a origem das opiniões dependa do lugar de onde vemos as coisas e sem que nos detenha a palavra “perspectiva”.
Se pretendemos assegurar que algo é efetivamente verdadeiro, dizemos ser “evidente’ e “sem sombra de dúvida”, porém não indagamos por que teríamos feito a verdade equivalente à visão perfeita, já que não pensamos com os olhos, nem por que teríamos associado “dúvida e sombra”, associação que transparece quando enfatizamos nossa certeza com um “mas é claro”.
Se desejamos expressar agrado e espanto, exclamamos: “ é espetacular”, “é fenomenal”.
No entanto, não nos demoramos a pensar de onde viriam as palavras espetáculo e fenômeno, nem porque esta última é tão curiosa, pois o cientista ao falar em fenômenos da natureza, refere-se a regularidades naturais enquanto, no cotidiano, reservamos seu uso para o que é excepcional. Também não nós parece curioso falar em “investigação” para designar tanto a atividade do cientista quanto a do policial e não nos indagamos se ambos teriam algo a ver com um olhar que espia, espreita e espiona. Aliás, não nos surpreende usarmos a expressão “ter (ou não ter) algo a ver” ao pretendermos afirmar (ou negar) relações entre coisas, pessoas ou fatos.
Pouca atenção prestamos à relação que espontaneamente fazemos entre“ ver e falar” quando, acautelando alguém , dizemos: “veja o que diz”.
Assim como, não nos demoramos na relação entre “ver e escutar” quando, em vez de “escute”, dizemos “olhe aqui”.
Relações que estabelecemos quando chamamos aos profetas, “videntes”, sem indagarmos por que ouviriam vendo, nem por que mensagens e prodígios sagrados tendem a procurar nossos olhos, de onde vem a palavra milagre? , nem porque nossa persuasão seria obtida privilegiadamente pelo ver, não foi essa a exigência de são Tomé?
Falamos em visão de mundo.... falamos em revisão...
Porque cremos nas palavras e nelas cremos porque cremos em nossos olhos: cremos que as coisas e os outros existem porque os vemos e que os vemos porque existem. (Chaui,M.)
Somos, pois, espontaneamente realistas.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009







o olho que me olha
olha com medo
olha, entreolha,reolha
o olho que me olha
olha com desdém
olha por olhar
o olho que me olha
olha sem ver
olha sem perceber
que sou eu quem olha
olhos que não vêem
espelho de minha imagem

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O homem, esse esquecedor-

Se perguntássemos à milenar tradição do pensamento pelos fundamentos filosóficos da educação, os antigos dar-nos-iam esta sentença - tão simples - para meditar: "O homem é um ser que esquece"!
No Ocidente, já entre os gregos (de Hesíodo a Aristóteles, de Safo a Platão), encontramos constantemente um extraordinário papel dado à memória (por vezes personificada em Mnemosyne), na antropologia e na educação.
Um dos pontos altos dessa tradição dá-se com o poeta grego Píndaro. Seu Hino a Zeus - um poema que é, ao mesmo tempo, um tratado de educação - parece apresentar todas as características de uma das maiores obras-primas de todos os tempos.
A cena descrita por Píndaro é clara: Zeus resolve intervir no caos. Toda a confusão e deformidade vai, então, dando lugar à harmonia e à ordem: kosmos. E quando, finalmente, o mundo atinge seu estado de perfeição (estreando a terra, os rios, os animais, o homem...), Zeus oferece um banquete para mostrar aos demais deuses - atônitos ante tanta beleza - a sua criação...
Mas, para surpresa geral, um dos imortais pede a palavra e aponta a Zeus um grave e inesperado defeito: estão faltando criaturas que louvem e reconheçam a grandeza divina desse mundo...
...Pois o homem é um ser que esquece! O homem, saiu mal feito, mal acabado, ele tende ao embotamento, à insensibilidade... ao esquecimento!
É a partir dessa constatação - dessa trágica constatação de nossa condição ontológica (também ela, hoje, esquecida...) - que se edifica toda a educação ocidental.
Claro que ao afirmar o caráter esquecidiço do homem, não estamos dizendo que ele se esqueça de tudo, mas, principalmente - e é até uma constatação de ordem empírica - do essencial. Pois, na verdade, o homem lembra-se de muitas coisas: naturalmente, ele, "criatura trivial" (como diz Guimarães Rosa), não se esquece da data do depósito bancário, não se esquece de comprar sua revista predileta, da final do campeonato, nem das comezinhas realidades que compõem nosso rotineiro quotidiano. Esquece-se, sim, da sabedoria do coração, do caráter sagrado do mundo e do homem...
Na língua árabe, a palavra para designar o ser humano é Insan. (Insan - deriva do verbo nassa/yansa, esquecer -) e significa: aquele que esquece.
No Alcorão Deus se apresenta - em contraposição ao homem - como "Aquele que não esquece", e o mesmo acontece na tradição judaica. L.J. Lauand
Cabe aqui uma observação sobre a linguagem. Em diversas línguas, o lembrar, o memorizar está associado (não só...) a um processo intelectual, mas ao coração: saber de memória é, em inglês, by heart; em francês, par coeur; e esquecer-se de alguém, em italiano, é scordarsi, sair do coração... Lembramos - sabemos de cor - o que está em nosso coração.
Tomás de Aquino, o grande pensador do Ocidente, explica, agudamente, a razão profunda do lembrar e do esquecer: ele faz a ligação entre amar e lembrar: inesquecível é o que amamos!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Tributo à Maria Ivone- sú

a Maria?
a Maria era minha amiga
quando ela foi embora pra Parati
e São Paulo, que ainda, era o mundo todo
ficou pequenininha
do tamanho da nossa rua.
a Zapata, a Maria Antonia, a palavra,
o sonho.. enquanto ouvíamos Chico:
....apesar de você amanhã há de ser outro dia
eu pergunto a você .... quando o galo insistir em cantar...
...esse meu sofrimento vou cobrar com juro, juro
...todo esse amor reprimido, esse grito contido......
hoje que a Maria morreu,
e São Paulo ficou lá longe
e o amanhã nunca foi o outro dia
eu pergunto
e agora Maria?
que importa se um dia você achou que o mar era lindo,
se sonhou tocar violino
agora tudo findo
está completa
nada mais lhe falta.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Perguntaram-me
Sú:
Por que tanta ficção?
Na hora, confesso,fiquei sem ação.
Vindo embora e, aquele leve torpor passado.
putz, por que não lembrei...
Esbocei um sorriso...
Ah. O vinho.
Tua resposta, meu amigo,
Busco no velho Borges:
“O mal da ficção é que ela faz sentido demais.
A realidade nunca faz sentido".

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009


Radmila Zygouris, num belo texto acerca do estrangeiro nos alerta que o genocídio não ocorre entre os animais; ele é específico dos humanos, pois só é cometido quando apoiado num discurso.
Oxalá o nosso deixe de banalizar a violência!

Akira Kurosawa assim nos contou um de seus sonhos
O Túnel
O homem caminha e está para entrar num túnel quando de dentro dele surge um cachorro que o ameaça. Amedrontado, percorre o túnel e, ao sair, é surpreendido pela presença de um recruta. "Comandante, fui realmente morto em combate?" "Não acredito que tenha sido morto. Fui para casa. Comi os bolinhos de arroz de minha mãe." O comandante, surpreso e assustado, explica-lhe que ele fora ferido, tivera um sonho – com a casa dos pais, mas depois morrera em seus braços. O recruta aponta para a casa dos pais dizendo que eles o esperam. "Eu acredito mas, meus pais não acreditam que morri. Continuam esperando por mim." O Comandante se compadece mas sabe que só sob suas ordens ele pode se retirar. Ordena-lhe, então, que volte para o lugar de onde viera.
Vai seguir seu caminho quando surgem novos passos atrás dele. É todo o terceiro batalhão que se apresenta. "Terceiro batalhão retornando sem baixas". Todos vocês foram mortos em combate. Mandei-os para a morte. Eu poderia responsabilizar a estupidez da guerra. Mas não posso desculpar a minha negligência e incompetência... Sinto sua amargura e sofrimento. São chamados de heróis, mas morreram como cães.
Na guerra, no combate, não há lugar para sofrimento... Os fantasmas só desaparecem quando o comandante se re-apropria de sua função: "Terceiro Pelotão! Meia volta volver!". Mas o cão raivoso (que era como ele havia descrito a morte de seu pelotão) continua a atormentá-lo.
Questão crucial apontada por Kurosawa: como pode um soldado, um comandante, sobreviver à morte de seus parceiros já que os fantasmas dos que morreram dificilmente o deixarão sossegar? Como pode um filho morrer se seus pais ainda estão vivos e o esperam? A morte das crianças e dos jovens traz, além da dor que lhe é inerente, algo mais, também inaceitável: os filhos não morrem antes dos pais! É toda a possibilidade de esperança e de futuro que fica ameaçada.
Como sobrevivemos nós a um cotidiano tão ameaçador para a vida? Que custo isso nos traz? Estes que morrem nas ruas, nas chacinas, nos assaltos, não são nossos parceiros de guerra?

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Fogo era Ontem sueliaduan

I num é que Dordélia perdeu. Não se conformou. Sentou-se ali mesmo no chão, e muito lentamente foi tirando os sapatos. Primeiro um, depois o outro, devagar, alheia a tudo. Como num ritual, desabotoou a fivelinha apertada dos sapatos de Marcelina.
Na memória, cada palavra da prima doía mais que ferro quente em gado marcado:
_ocê, sabe, né Delia, esse sapatinho branco é mágico, feito a rosa mogorim que a gente infeita tudo a casa i sem sabe como, tudo di ruim vai pra longe... trôce é muita sorte esse danadinho, era pôr nos pé, e tudo virava pro meu lado. Imprestu procê cum gosto.
_Marcelina, ocê credita im cada uma.
_Ocê que é uma descrente. Ocê nunca ficô cumo eu, perto de vô. Cuidei muito tempo dele, e apesar de toda trabaeira, foi é muito bão, aprendi por demais.
Aprendi a crê na vida, a te pacência, sabê esperá a hora certa das coisa. Vô sempre gostô de conta istória. As veis parava de falá, levantava aquele zoião, como querendo vê disconfiança i mim, mai nunca incontrô, sabia que eu era atenta as coisa do mundo, i tem muito que nóis num sabe.,àchu inté qui nem ele sabia.
Agora, ali sozinha, Dordélia também queria crer, pelo menos um pouco.
De repente pôs-se a chorar com tanta força, que nem sabia que tinha... chorou, chorou, chorou, seus olhos ficaram vermelhos , vermelhos como a terra em volta, vermelhos como o fogo.
O fogo que Guilhermano dizia sentir, que não se apagaria nunca. Eterno.
E pela primeira vez, Dordélia benzeu-se.
Por que confiou em Guilhermano? Como não confiar? Seu jeito doce, seus olhos claros, sua fala mansa, as juras de amor sussurrada aos seus ouvidos, os lábios a roçar-lhe o pescoço, os beijos ardentes, tudo tão forte, tão intenso que ela até ruborizava, ardia mesmo, um calor tão bom.
Ele gostava. Ela sabia. Não era mais uma menina.
Quanto mais sua pele ia ficando vermelha, mais ele a apertava, mais encostava seu corpo contra o dela, apertando-a contra a cerca.
Cerca que o pai fizera com tanto carinho. Por um momento sentiu-se culpada, como se tivesse traindo o pai.
A imagem da cerca vermelha, a casinha branca ao fundo, o pai gritando como o gado, a mãe ali parada na porta, fingindo cuidar das plantas da varanda, aumentavam ainda mais sua tristeza.
E tudo vinha à mente de Dordélia. Ela só queria entender.
_Mãe sabia, por que então acobertava? Não era muié fogosa, era até meio caladona, vivia dizendo:
- Muié tem qui si dá u respeitu, num tem tanta precisão de hóme.
_uai, pru que intão, ficava ali oiando. Será que era vuntade?
Vontade que Dordélia e Guilhermano tinham de sobra. Era só o olhar de um,cruzar o olhar do outro e pronto. Corriam lá pra cerca...
E agora o que ia ser da vida dela? E do filho que esperava? Guilhermano teria fugido, ficou com medo? Não. Não era possível. Ele mesmo falou na noite anterior:
-Delinha, tá tudu acertado cum o padre, ele vai lá pros lado do ribeirão, sabe donde qui é?
_sei sim, i já gostei da escoia do lugar. É tão lindo, Guilhermano, a gente vê os jequetibá, as perobeira e até caneleira. Que mata que belezura... Pena né, nóis não podê cunvida ninguém, tem portância, não, to é muito feliz, vou tá toda de branco, até os sapato.
Ele não veio. Ela sabia. Não era mais uma menina.
Nada é eterno, Dordélia se enganara.
Fogo era ontem.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Transitoriedade sueliaduan


Um homem passou ao meu lado
na noite barulhenta.
Era noite, em Londres, em Madagascar,
na América.
Era noite em mim.
Era encontro, um quase esbarrão,
era o choque,
era o não romântico,
era antes a crispação
de um desejo súbito.
Imperioso
Era o instantâneo erótico,
era o talvez, nunca.
Para onde iria fugidia beleza
Daquele olhar que me fez renascer?
Ousada toca de olhares anônimos.
Transitoriedade,
cidade,
noite.