Poderia ficar em casa e tecer um lindo bordado, e depois também poderia fazer um gostoso bolo e depois de um tempo, mais descansada, poderia molhar as plantas, brincar com os gatos, dar banho no cachorro e depois... E depois... Olhei-o no fundo dos olhos buscando entender qual o motivo, se é que existe um, dessas sugestões. Mas nada consegui. Vai ver esse meu amigo tem a capacidade de contrariar a máxima de que os olhos são a janela da alma. Não vi nada de alma nessas sugestões tão estapafúrdias.
Já um outro amigo, estudante de psicologia, desses que gostam de tudo explicadinho com os pingos nos seus devidos “is”. Veio com essa: é preciso conciliar os afazeres, diversificar, ser criativo e impostando a voz continuou todo seguro de si, ou seja, entre um bordado e outro, um bolo e outro deve-se visitar um museu, ler um bom livro, assistir um bom filme. Como se não fizéssemos isso e muito mais. Pronto, pensei com meus botões, está aí à chave da felicidade. Diversifica-se e tudo resolvido. Na hora fiquei com uma vontade imensa de sugerir um novo olhar sobre seus conceitos, mas pensei com meus botões: vai que ele se ofenda, e se tem uma coisa que aprendi e respeitar a ignorância alheia, já com a inteligência não precisamos ir com tanta cautela, não. E a boa discussão corre solta.
Já um outro amigo, esse sim, um questionador nato. Disse-me que somos feitos para o encontro, que é só no encontro com o outro que reside à possibilidade de nos conhecermos melhor, de aceitarmos nossos limites, reconhecermos nossas fraquezas, superarmos as nossas mazelas. E que na verdade seja homem, mulher, jovem, velho, criança não gostamos do automatismo no viver, mas que não basta pular de uma coisa para a outra, não. E brincalhão que só ele, sorridente, diz: não é porque descendemos do macaco que basta pular de um galho a outro. E calmo olhando fundo nos meus olhos completa: seres singulares que somos cada qual escolhe seu jeito de caminhar, mas nada sabemos de antemão e aí reside a beleza do viver. Enxergo no seu olhar à janela da alma, na sua voz serena a imensa sabedoria daqueles que sabem que a palavra está dentro de nós, que somos produtos da linguagem. Linguagem escrita no nosso corpo. Lugar dos nossos desejos.