domingo, 30 de maio de 2010

"Doces palavras"


 Por que sou escritor
 Santiago Ribeiro
Sentimentos florescendo dentro mim me levam a inútil tentativa de querer adocicar mais a minha vida. Palavras de amor solto sozinhas ao vento, há alguém que possa escutá-las? Provavelmente não! E com o decorrer dos dias tristes e cinzas não é possível perceber sequer um sussurro de amor... Talvez amar não seja a saída, talvez seja simplesmente como um óculos que melhora a nossa visão de vida. Crio romances justamente por não conseguir viver um de verdade, dessa forma as minhas histórias conseguem amenizar a minha solidão. A alma de um escritor é tão atribulada de emoções que é necessário anestesiá-los, e a minha fonte inesgotável de anestesia são as palavras, doces palavras, que tento colocar para fora do meu imprestável coração.
 Santiago Ribeiro
sorocabano
artista plástico e escritor

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quinta-feira, 27 de maio de 2010

Panela no Fogo

No mundo do pensamento
capítulo IV

Essa era outra coisa que eu achava errada. E se de repente eu entendo melhor, só por que sou mais nova não posso? Mãe tinha cada uma.
Dona Dagmar era a professora, mas será que ela estava sempre certa? Ela falava tão bonito, eu ficava como que encantada ouvindo o som das palavras que saiam pausadamente de sua boca parecendo mais uma melodia. Música aos meus ouvidos quando ela dizia:
─Liléia, você aprende muito rápido.
Engraçado eu penso o tempo todo. Será que as outras pessoas também? Não concordo muito com D. Dagmar não, isso da gente é que faz a nossa sorte.
E tem alguém que ia escolher sofrer? Vai me dizer que o povo dali não sofria. Fartava tudo nem distração a gente tinha. Faltava. Dona Dagmar vivia me corrigindo.
Lembro-me que uma vez veio um teatro ficou pouco. Uns dias. Mas foram os dias mais felizes da minha vida. Só de escutar os poemas, olhar para os olhos brilhantes dos atores. Quanta alegria quando na escola a diretora perguntou o que tínhamos gostado, eu imediatamente comecei a repetir o poema.
─No meio do caminho tinha uma pedra
─Tinha uma pedra no meio do caminho
Que coisa essa pedra no caminho. E eu que sempre gostei de catar as pedrinhas que encontrava quando criança, quando ouvi o moço do teatro senti que não eram as mesmas pedrinhas que existiam no meu caminho.
Eram outras pedras, e que alegria ao saber que podiam ser outras as pedras, outros os caminhos.
Dona Dagmar estava certa mesmo. São muitos os caminhos que podemos trilhar. Eu fiquei no sítio mesmo. E não fiz outro caminho. Terminei a escola continuei estudando, estudando,lendo, lendo. Como disse Dona Dagmar realmente aprendi rápido e também passei a falar bonito.
Mas ainda trago dentro de mim aquela menina que não sabia falar direito, que imaginava coisas, que espionava o pai na plantação.
Já pensou se ele fosse mesmo plantado, feito a uma flor, era só regar e pronto ele estaria aqui cheio de vida. Que bobagem.
Contadas assim essas coisas parecem pitorescas e nada mais, parecem só recordações de uma velha que abre uma gaveta à procura de uma foto, uma estória, uma lembrança qualquer, como que querendo preencher seus dias. Mas não.
Elas são as minhas maiores riquezas, marcas da minha personalidade.
Meu caminho no mundo do pensamento.

FIM

 

terça-feira, 25 de maio de 2010

Panela no Fogo

Mãe Leo
capítulo III

Gostava tanto de contar estórias, que em algumas partes, nas mais tristes seus olhos enchiam-se de lágrimas , e sem nenhum pudor ela deixava que escorressem pela face e só depois quando aparecia um fato alegre dava uma risada deliciosa e delicadamente passava as mãos pelo rosto. Acho que ninguém notava essas coisas, eu é que gostava de atentar para esses detalhes. Sempre gostei. A mim parece que isso sim é que diz quem a gente é, os detalhes.
Na vila sempre comentaram a generosidade de Leôncia, era igualitária por natureza repugnava-se com as injustiças da sociedade ficava perplexa com a pobreza do povo. Era uma socialista, sem mesmo ter noção da realidade política, seu coração cheio de uma inquietude e nela o sentimento de igualdade era visceral.
Não é que numa noite apareceu por aquelas bandas um sujeito dizendo que procurava a filha que tinha fugido com um valentão. O povo curioso convidou o sujeito pra ficar.
Nhô Augusto até ofereceu um quartinho vazio da filha, que já tinha casado, vai daqui, vai dali o sujeito foi ficando o tempo passando, e nada dele sair a procura do valentão. Até que encontraram o sujeito morto, estirado no chão do quarto, sem nenhuma gotinha de sangue e com a mesma roupa que tinha chegado naquela noite tempos atrás. Paletó cinza claro com algumas manchas pretas, camisa de um branco amarelado, calça cinza escuro. Foi um corre-corre chamaram o doutor até Leôncia veio benzer, e quando abriu o paletó do homem deu um pulo pra trás lá estavam duas cruzes de madeira já envelhecidas, podre mesmo, enfiadas no peito do sujeito.
Até hoje fico sem saber se era mais uma das muitas estórias de mãe Leo, como era chamada pelo povo, ou aconteceu mesmo. Eles diziam que era obra do tinhoso, coisa do demo. Num creio. Só estórias daquela gente. E naquele tempo eu queria apenas ir-me embora, em busca de novos caminhos. Não queria passar a vida vendo vaca ruminar no pasto, ver o gado morrer sem poder fazer nada. Plantar, plantar e, às vezes, perder toda a plantação. Vida muito dura, vida triste aquela. Não queria ficar ouvindo crendices, histórias.
Queria fazer a minha história. Dona Dagmar dizia bem alto para todos os alunos ouvirem:
─ Somos nós que fazemos o nosso destino. Eu ficava quieta ruminando essa idéia. Mãe dizia que era pra gente não retrucar os mais velhos. Essa era outra coisa que eu ...

 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Panela no Fogo

A vida passou
Capítulo II

Às vezes, eu centrava meu olhar nela. Tia jacobina, mulher estranha naquele seu passinho miúdo chegando bem devagar com o cesto cheio de jabuticaba. Chegava sorria, sorriso cumprido, parecia que a boca não ia mais voltar no lugar, e sempre dizia:
-Como está passando Lileía?
- Ao que eu respondia sempre:
- Assim assim, tia. Vem menina, vem ajudar sua tia separar os frutos, que quero levar um pouco para Leôncia. A contra gosto eu ia, não sei se ela fingia ou se realmente não percebia minha má vontade. Era tão inteligente. Todos ali na vila diziam que era uma mulher cheia de sabedoria. Até hoje não entendi muito bem, se era tão sábia porque foi ficando naquela vidinha tão monótona, tão pobre.
Envelheceu ajudando mãe nos afazeres domésticos. Quando jovem deve ter sido muito bonita, ainda guardava no olhar algo de profundo, provocante mesmo, olhos azuis da cor do mar. Havia beleza em seu corpo, contornos perfeitos, ancas largas, seios volumosos, uma mulher ainda formosa apesar da idade. Mas a vida passou, e ela se acomodou.
Só de pensar eu ficava toda arrepiada. Um tremor percorria todo meu corpo, medo de que o mesmo se desse comigo. Não que eu não gostasse da vida do sítio, até gostava, mas não como eles.
Pai, mal amanhecia já estava em pé arrumando arreios, consertando cerca para o boi num fugir, depois ia lá para o milharal misturava-se com a plantação que não dava nem para saber o que era mato o que era ele. Parecia tudo uma coisa só. Estranho
Um dia, perdi o sono e fiquei espionando. Olhei lá na plantação, que susto de longe parecia que ele era plantado. Assim, como se os pés saíssem de dentro da terra, que bobagem, é que de longe tudo parece meio parado mesmo, imóvel. Igual os olhos de mãe no dia que os homens chegaram.
Já pensou um pai plantado. Não seria espanto nenhum para o povo dali. Acreditavam em tudo, principalmente nas estórias de Leôncia.
Leôncia contava tanta estória. Aquele lugar era misterioso mesmo, e ela passava os dias tricotando para os pobres, bordando colchas, rezando o terço.
Nas noites de luar sentávamos em volta da fogueira, e ela com sua voz rouca, com uma fala pausada ia contando os causos. Gostava tanto de contar estórias, que em algumas partes, nas mais tristes seus olhos enchiam-se de lágrimas, e sem nenhum pudor ela ...


sábado, 22 de maio de 2010

"Panela no Fogo" (Em IV capítulos)

Na distância do Tempo

Capítulo I

Vivi toda a infância e um pouco da juventude no sítio ajudando pai na plantação, dividindo o tempo entre as tarefas da escola e a colheita. Se na época tudo era enfado, hoje na distância do tempo é saudade e solidão.
O sítio de pai, o banco de pedra na entrada da casa maior, o som das folhas das árvores, o ritual diário de mãe com seus afazeres domésticos, os olhos de desânimo e fadiga de tia Jacobina, na sua velhice, são lembranças do passado em meio as casas brancas, lojas e barulhos que surgiram aos poucos. E que aos poucos foram transformando a paisagem, as pessoas, o nosso viver.
Lembro-me do cesto de frutas sobre a mesa, das ordens dadas por tia Jacobina. Sinto ainda o cheirinho gostoso da terra e a voz doce de mãe:
- A panela tá nu fogu? Fogu baixo, sinão queima tudinhu.
Eu ficava parada, caneca na mão olhando lá longe o campo, a plantação, o milharal. Até esquecia do fogo. Quantas vezes a comida queimou perdeu-se tudo. Mãe ficava uma onça brigava com pai, reclamava da troca gostava mesmo do fogão à lenha.
Pai foi cansando de cortar madeira cansando de tudo. Mesmo sem precisão mãe sempre pedia, gostava de ver os pedaços alinhados num canto tudo arrumadinho. Nu seu divido lugar, como costumava dizer.
Olhos brilhantes, sorriso largo, mulher forte, decidida assim era mãe. Quando os homens chegaram pra derrubar a casa ela foi à única que ficou ali parada. Com a enxada na mão não derrubou uma lágrima nem precisava. Era só olhar no seu rosto e ver a tamanha tristeza.
Os cabelos escorridos pretos, os olhos fundos parados pareciam mais um retrato desses que a gente vê na parede das escolas, uma coisa assim sem vida. Quando a saudade aperta sinto seu cheiro misturado à comida.
Tempo de doces, manjares, compotas, tempo de gula de fartura de alegria, festança. Mas, às vezes, eu também perdia a noção de tempo, se é que se pode dizer que ali o tempo passava. È claro que passava, aliás, como tudo, mas tinha um outro ritmo.
Os passos da gente dali eram miúdos uma coisa difícil de explicar, assim apertadinho, pisando leve como quem não quer machucar a terra. Para tia Jacobina assim como para mim, o passar era lento, doído, sofrido mesmo. Ás vezes, eu centrava meu olhar nela. Tia jacobina, mulher estranha naquele...


quinta-feira, 20 de maio de 2010

“Meu sangue iluminou-se"


Ariano Suassuna:
Um perfil bibliográfico/Adriana Victor, Juliana Lins
Editora Jorge Zahar, 2007

... "Os anos de juventude, compartilhados entre a Arte e os amigos, não conseguiram apagar um tormento que parecia perseguir a vida de ariano: a morte do pai, uma marca de sofrimento jamais disfarçada ou aliviada. “A vida assim me aparecia: estranha e perigosa; uma estrada diante da qual meu sangue se crispara de uma vez para sempre, tornando-me tenso e cerrado entre os enigmas e as cilada do Mundo”, definiria Ariano.
Mas uma personagem mudou o rumo dessa prosa: “Meu sangue iluminou-se e a crispação desapareceu”. Ela era uma moça loura, de olhos claros, bonita demais. Chama-se Zélia. A primeira vez que notou aquele rapaz esguio, ele não reparou que havia chamado atenção. “Veja que desaforo. Mas é que ele era muito menina”.
Zélia tinha 13 anos quando viu Ariano, com 17, pela primeira vez. O episódio aconteceu dentro da sala de exibição, pouco antes do início da sessão de um filme português sobre o poeta Luís de Camões. A moça tinha ido até lá acompanhada das irmãs e reparou quando um rapaz foi passar de uma fileira para outra mais à frente e, em vez de dar a volta, passou por cima das cadeiras. Ela achou isso o máximo, “Imagine o juízo dos dois na época ─ tanto o juízo de quem pulou como o de quem achou bonito”, disse Ariano certa vez.
Alguém imaginaria que um encontro casual dentro de um cinema, uma atenção provocada pela atitude inusitada de um rapaz que pulou cadeiras da sala, gerasse tanto amor, por tanto tempo? “Ela é a grande figura da minha vida”, declararia Ariano muitas e muitas vezes. Mas o momento no Art Palácio serviu só para que Zélia jamais esquecesse o rapaz. Nada aconteceria imediatamente. Três anos depois, ele ia andando pela rua Nova, também no centro do Recife, quando aí já não pôde deixa de notar ‘aquela figura radiosa”. A moça, agora com 16 anos, não passaria desapercebida..
Os dois estavam em frente à igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, fato em que levaria Ariano a dizer, tempos depois:
“Tinha que ser mesmo com ajuda de Nossa Senhora”...
       "A mulher e o Reino Armorial"
(trecho do capítulo 2)

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terça-feira, 18 de maio de 2010

Poesia: "O nada que é Tudo"

“Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal  rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las..." O lutador" Carlos Drummond de Andrade

"Certa vez o escritor argentino Santiago Kovadlof narrou que era adolescente quando entrou na sala de aula um professor que começou dizendo: “Quero lhes comunicar que sou professor de filosofia. E que filosofia não serve para nada” Isso posto, diante da perplexidade dos alunos, acrescentou: ─ “Peço-lhes apenas alguns minutos de atenção que vou lhes explicar o que é o nada”. Ao final da aula, diz Kovadlof, o seu futuro estava decidido: seria professor de “nada”, ou seja, de filosofia. Pois com a poesia ocorre algo semelhante. Dizem que a poesia não serve para nada. E, no entanto...
Quando lhe disserem que a poesia não tem mais lugar nesse mundo dos diabos (porque no dos deuses sempre tem), não acredite. Quando lhe disserem que no planeta continuam erguendo muros para separarem homens e culturas, observe que a poesia ainda pode congregar vozes e esperanças. ...
Chomsky – esse cientista da linguagem narrou que um certo lingüista, assistindo a leitura de poemas em línguas que não conhecia, era capaz de dizer quais eram os melhores e piores poemas ...
Os editores dizem que poesia não vende, que poesia não rende, que ninguém compra poesia, que poesia não se negocia na bolsa e valores, então, Senhores do conselho de Sentença, dizei-me vós, por que cresce cada vez mais o número de poetas sobre a terra? Se poesia não serve para nada, e se “lutar com palavras é a luta mais vã, por que milhões de poetas recomeçam essa luta “mal rompe a manhã”?
Na verdade ,na verdade vos digo: há mais poetas hoje que ontem, e amanhã haverá mais poetas que hoje. E o caso da poesia é o mesmo da arte me geral. A poesia, como a arte, não morre nunca, porque mais que um gênero literário, é uma “função" da mente humana...".

Ensaio
Poesia:  "O nada que é Tudo" Affonso,Romano De Sant’ Anna
Revista Leitura nº. 11-/Dezembro 2003-
Esse texto, na integra, será usado na minha palestra Dia 20/05/2010
na Biblioteca de Sorocaba

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Clic! Paro o tempo

Clic!
Paro o tempo.
Fotógrafo. Olho a cidade.
Quem?

Quem enxerga através de meus olhos?
Eu?Eu matuto,
Eu mameluco,
Eu paranóico,
Eu paraibano,
 Eu sorocabano.

Eu cidadão do mundo,
Todo mundo?
Além da fronteira, da beira, da clareira.
A vida,
O tempo,
A cidade
.

sábado, 15 de maio de 2010

da série: Tenho um amigo que disse que eu:

Deveria pensar mais a respeito do assunto, já que também sou mãe. E que é no parque de diversões que podemos saber quem realmente tem esse dom. O dom de ser mãe. Na hora não quis contrariá-lo, ele estava tão empolgado em sua fala que deixei passar. Não deveria. Acabou indo embora todo sorridente, com aquele sorriso, fruto de quem pensa que sabe e não sabe. Não que eu saiba tudo,ao contrário, mas, pelo menos não fico rindo à toa.
Já um outro amigo falou que não é nada disso, que para nos conhecermos, ou conhecermos o outro é preciso silêncio e observação. Coisas impossíveis nos parques de hoje, com esses brinquedos velozes e barulhentos. Concordei, em parte, mesmo porque, acho tão pouco só silêncio e observação em se tratando de nos conhecermos. Imagine então conhecer o outro. É preciso mais, disse um outro amigo, e nesse momento fechei meus olhos, voltei a minha infância ao lado de minha mãe no parque de diversão. Senti o perfume que exalava de seus belos cabelos negros e a força do olhar que sempre teve sobre mim.
Naquela época era sim possível saber quem e como eram as mães só pelo jeito como brincavam no silêncio reinante da balança, com seus movimentos de ir e vir da barca puxada por cordas, do chapéu mexicano com suas voltas vertiginosas. Algumas empurram os filhos como que se através da balança eles realmente pudessem ir embora pra sempre ou a barca afundasse imaginariamente num mar de águas profundas.
Eu felizmente sorria ao ver a alegria de minha mãe correndo comigo para aproveitarmos todos os brinquedos, mesmo sem saber o que era dom, aquela mulher vivia sua maternidade com todas as forças, talvez porque vivesse todas as outras coisas da vida com a mesma intensidade. Não era só minha mãe no parque. Ali estava uma pessoa inteira.
Já um outro amigo, amigo de cabeceira, conhecedor dos mistérios que nos envolve, diz:─
“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui.Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes”.
Mãe, pai, filho, avô, tio... O que importa? Só precisamos mesmo, como canta o poeta, sermos inteiros.

terça-feira, 11 de maio de 2010

"Escrever e ser"

                                             articlelar                                                               
O que define o escritor é justamente a capacidade ─ ou pelo menos o esforço ─ de transformar em palavras a experiência autêntica do “verbo interior”, aquela fala muda que, segundo Sto. Tomás, vem do coração, compreendido em sua acepção simbólica de núcleo da consciência, de centro vivo da individualidade moral.
Na maior parte das pessoas, a expressão em palavras vem de um estrato mais superficial, verbalizando apenas aquilo que já veio meio pronto das recordações de conversas ouvidas ontem ou do noticiário matutino. O conversador ordinário troca palavras por palavras. O escritor transforma em palavra aquilo que ainda não é palavra e que já não é mais pura sensação corpórea: a forma inteligível apreendida in statu nascendi, na fonte mesma do conhecimento.
A tão louvada ou execrada ─ mas raramente compreendida ─individualidade do estilo provém exatamente disto: do caráter originário e autêntico do verbo interior transmutado em exterior.
Nesse sentido, um escritor nada “cria”, mas “encontra”; encontra dentro de si, em estado fugaz e nebuloso, uma idéia latente, que a conversão em palavra torna patente ─até para ele mesmo. Se algo o escritor inventa, é no sentido latino de invenire: descobrir.
Daí que, nele, a verbalização tenha aquele poder curativo e revigorante que o homem comum só vem a conhecer em raros momentos de descarga confessional. A verdadeira escrita literária é uma tomada de consciência, uma conquista de si ─ e é individual precisamente por isso e por nada mais.
                                         

domingo, 9 de maio de 2010

Qualquer um pode ser mãe

by Imaginário Poético

Para a psicanálise, o sentimento de “maternidade” é uma construção cultural.

Maria Rita diz que muitos podem ficar surpresos com a afirmação, mas do ponto de vista da criança “mãe é quem se encarrega até as últimas conseqüências da sobrevivência dela”. Portanto, “mãe” pode ser o pai, a avó ou qualquer um que a tenha encontrado abandonada.
Do ponto de vista da psicanálise, é uma construção cultural. Aquele amor puro, que vem espontaneamente, mas isso é consciente. Claro que você vai observar o macaco, o gato, seres adaptados à natureza. Os humanos são desadaptados, entre a natureza e nós, sempre tem linguagem. Cabrito, assim que nasce, sabe procurar a teta da cabra. E o bebê humano tem de ser conduzido ao seio. Também não é instintivo que a primeira coisa que a mulher deve fazer é levar o filho ao seio. Ela pode ficar beijando, ou pode sentir um estranhamento, como muita mãe sofre. Mas sofre porque a cultura diz que ela tem de sentir imenso amor.
A maternidade é fonte de felicidade, mas não a única. Vivemos um momento interessante, ao mesmo tempo cruel, com o máximo de apelos para a mulher (o homem também) ir para o mundo. O destino não é mais ser “a rainha do lar”. Mas estamos numa sociedade 99 por cento privatizada. Isso tem reflexo tremendo na vida, porque os filhos só têm um lugar onde estejam bem cuidados, o lar. A escola, para ser mais ou menos segura, também tem de ser privada. O mundo se oferece, mas se recusa a partilhar os cuidados com os filhos. Não podem brincar na praça, atravessar a rua.
A modernidade nos tirou tantas coisas, não? Tirou o amparo das comunidades, a doçura do mundo, um monte de ilusões. Mas abriu uma gama de possibilidades, única, na história da humanidade. Se a gente souber o que fazer com isso…


Maria Rita Kehl,
doutora em Psicanálise pela PUC-SP

Pesquisa sueliaduan

sábado, 8 de maio de 2010

Tributo a Mantovani - “Em toda nossa volta”

                                                                             
Era governado  pela física como todas as coisas vivas.
É fato científico que corações e relógios param a velocidade da luz quando a matéria vira energia
O coração do Mantovani chegou a esta velocidade às 7 horas do dia 08/05/2003 convertendo sua matéria em energia, em luz branca.
Embora não esteja entre nós está em toda nossa volta.


Imensa saudade
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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Tributo a Mantovani

Inesquecível é o que amamos!
Em diversas línguas, o lembrar, o memorizar está associado não já (ou não só...) a um processo intelectual, mas ao coração: saber de memória é, em inglês, by heart; em francês, par coeur; e esquecer-se de alguém, em italiano, é scordarsi, sair do coração...
Lembramos - sabemos de cor - o que está em nosso coração. Tomás de Aquino, o grande pensador do Ocidente, explica, agudamente, a razão profunda do lembrar e do esquecer: ele faz a ligação entre amar e lembrar: inesquecível é o que amamos!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tributo a Mantovani "Ombro a ombro"

O que deveríamos escrever na lápide, amigo? Que ali, no campo, não há nada?Que você caminha lado a lado conosco? Ombro a ombro. Cultuado pelo povo. Pelos jovens. Pelos amigos. Pela família. A força do espírito não se esvai. Não se extingue. A amizade perdura. Haroldo de Campos, morto também em 2003, bem o disse:

“aqui
jaz
solidão

aqui
jade
amizade.”

Até um dia, amigo. Ainda há muita relva. Continuemos a nossa caminhada, por favor.

“Perdoem-me
entrei em porta errada.
Dorme a lua em meus olhos embaçados.”
(Mantovani)
Myrna Atalla Senise
Imensa saudade
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terça-feira, 4 de maio de 2010

Tributo a Mantovani- "Escritos Ordinários- 2008"

No dia 26, sábado das 20 às 22h, na Fundec (Rua Brigadeiro Tobias, 73), durante a Semana do Escritor, seus amigos e admiradores promovem o lançamento do livro Escritos Ordinários, de sua autoria.
Com 174 páginas, 64 das quais em cores, em grande formato (270 x 210 mm), primorosamente impressas, é uma das obras mais requintadas entre aquelas produzidas com recursos da Linc (Lei nº 5736/1998, de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Sorocaba). Durante a Semana do Escritor será vendida ao preço promocional de R$ 20,00 o exemplar.
Escritos Ordinários divide-se em dois momentos: os poemas, na primeira parte e, na segunda parte, fotos sobre as obras artísticas (pinturas, desenhos, criações variadas) e atividades culturais de Mantovani. Abrindo a obra, temos comentários, análises, dados biográficos e sobre a importância do autor, na visão dos seus amigos.
Durante o lançamento acontecerão algumas performances e serão mostradas imagens de Mantovani e sua obra em vídeo e fotos.
Nascido em Laranjal Paulista, em 1950, e falecido em Sorocaba, em 2003, ele foi dramaturgo, ator, diretor de teatro, artista plástico, dançarino, animador cultural e poeta. Seu nome, em homenagens póstumas, foi dado ao Espaço Cultural do Sindicato dos Metalúrgicos e ao Teatro de Arena, anexo ao Teatro Municipal de Sorocaba.
Fonte/Geraldo Bonadio
Presidente da ASL

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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Tributo a Mantovani "Bem-vindo, Poeta"


O dragão que me queima é o mesmo que me salva” assim exprime Carlos Roberto Mantovani em “Redundâncias”.
A sua poesia e´um grande mural onde os flashes do cotidiano se sucedem em uma dinâmica própria, particular.

É um universo caracterizado pela observação e transformado, de meros fatos, em imagens altamente poéticas. A passagem do puro e ingênuo a profano e dramático é uma constante. O poeta transita facilmente nesses dois extremos, consciente das aberrações da vida, como também cônscio de sua atitude junto ao seu mundo.

Outras vezes é lírico, talvez para redimir a estranheza perante situações que desconhece. Nascido e vivido em cidade do interior, tem maior poder de dissecar seus personagens, pois os pequenos núcleos possuem a magia de manter coesos os fatos e de personalizá-los ainda mais.

É dessa vivência, quase fantasmagórica, que os personagens o visitam, fazendo parte do seu eu e, transformados em linguagem poética, renascem com imensa força. Resta saudar o poeta com boas-vindas e perguntar-lhe:-
     “Como vai?” Ele, então, responderá: -
     “Bem, apesar de mim”.

Porque o dragão que o queima é o mesmo que nos queima há séculos, vive entre nós e chama-se Poesia.
Bem-vindo, Poeta.
Os Editores
Maio/1984
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