sexta-feira, 27 de maio de 2011

"Passos firmes, decididos"


Ela anda em direção à praia. Seus passos são firmes e decididos. Não é bonita, nem feia. Um rosto daqueles que a gente vê e nem percebe.O corpo é magro em contraste com os seios fartos. As pernas são compirdas, os cabelos soltos. Ela anda em direção á praia...  Os olhos, grandes e vazios,olham só para frente e guiam automaticamente os sesu passos.

Por que eu, Meu Deus?
Porque logo comigo?

As mãos crispadas apertam o papel, na testa, gota de suor dão um brilho saltado ao reflexo do sol. Ela chega a praia, atravessa a areia e atinge o mar. Olha em volta, ninguém. Joga o papel na água, leva as mãos à cabeça tentando prender o cabelo num gesto mecânico e sem própostio. Olha mais uma vez em volta e, sem qualquer hesitação mergulha em direção ao ignorado.


Fred Nabhan- poeta, e ex- integrante do  grupo "O Tablado", é meu aluno na Oficina em Tatui. O texto é fruto de um exercício proposto em aula,  releitura de "As bailarinas do Teatro São João" de Paulo Setúbal.   Parabéns, Fred. ADOREI!!!!  “O TABLADO” contribuiu para a formação de toda uma geração de atores, diretores, figurinistas, cenógrafos, iluminadores e músicos do teatro carioca.
ver rmais:

quinta-feira, 19 de maio de 2011

da série: Tenho um amigo que disse que eu


Tenho um parafuso a menos. Na hora fiquei tão feliz, mas tão feliz que abri aquele sorrisão. Ele até se assustou. Expliquei: — sempre tive comigo que eram muitos. Ele riu e disse que não, imagine. Isso é tudo da tua cabeça. Na hora fiquei séria, mas tão seria que franzi a testa. Ele até se assustou. Mas nem perdi tempo explicando. É claro que é da minha cabeça. Vai ser de quem? Se sou eu quem está dizendo. Amigo é amigo e a gente releva, mas cada um viu.

Já um outro amigo disse que não é nada disso. É que provavelmente eu pertença ao grupo dos DDA. Olhei-o dos pés à cabeça. Mas nem ousei sorrir, muito menos ficar séria. Fiquei entre indiferente e curiosa. Uma oscilação de sentimentos tomou conta de mim. Ele percebeu e com todo cuidado que lhe é peculiar começou a tecer algumas explicações. É médico e dos bons. Entregou-me uma folha com várias perguntas. Dias depois respondi e fiquei toda satisfeita. Iidentifiquei-me apenas com cinco das oitena e cinco. Iupiiiii gritei pra ele no telefone que gentilmente perguntou: — as cinco últimas, é? Não entendi bem esse “é”? Só depois de me orientar para algumas práticas relaxantes é que completou: — irremediavelmente uma DDA e em plena ascensão. Mas como sei que ele é também um grande brincalhão, relevei.

Já um outro amigo desses que chegam sorrateiramente, olhando lá no fundo dos olhos da gente, e devagarzinho começam a conversar como quem conta um conto, uma história de antigamente. Como quem fala do rio e a gente sente toda a umidade em volta, como quem fala das árvores e logo a gente se vê saboreando uma goiaba, um pêssgo ou uma fruta qualquer. Ou de um pássaro e a gente ganha asas. Delicadamente me disse que não é nem uma coisa nem outra. Não é falta de parafuso, ou DDA, ou TOC, ou o nome que se queira dar. Mas simplesmente um viver que não conhece outra forma a não ser a do sentir o que verdadeiramente sente. E, ainda por todos os poros, imensamente.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

"Como num transe"

Pablo Picasso 

É preciso desligar-se do mundo dos objetos, do convívio com as pessoas, do corre-corre cotidiano. Momento de puro prazer em que o nosso corpo pede um ausentar-se de tudo e de todos. A mim, esse momento apoderou-se do meu corpo como num transe, e tornou-se uma necessidade constante. Feito pássaro livre, em seu vôo matinal, adentro lentamente no mundo da linguagem. Busco na harmonia, no jogo das palavras construir meus personagens, minhas histórias, meus poemas.

Alimento das minhas noites. Regozijo de meus dias. Prazer dos prazeres. E no silêncio reinante onde o único barulho existente é o ronronar de gatos, que se abre um vasto mundo de sonhos e fantasias, e meus dedos correm sobre o teclado.

Estou em Paris e numa fração de segundo já no Haiti, choro com o menino baleado na calçada e rio com o palhaço que a cidade contratou. Beijo loucamente um grande amor na praça iluminada com neón, e em outro capítulo à despedida iminente faz escuro o dia mais radiante. Sou previsível, sou dissimulada, sou Capitu, sou Pagu. Sou todas e nenhuma. Há em mim todas as dores do mundo. Mas também todos os risos. Uso palavras que outros usaram, narrativas de outros tempos. Fadas e reis, príncipes e princesas, heróis e vilões. Histórias antigas, modernas, contemporâneas povoam minha mente.

Verso e prosa. É  Camões, é Pessoa, é Machado, é Baudelaire. Tantos. Mestres da palavra. Fonte de minha inspiração.  A noite vai alta, o vinho é doce e no exercício o oficio de escrever.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Risos de vingança

A bailarina- Edgar Degas

Um acontecimento que lhe parecia surreal. Sua vontade era esgueirar-se pelas ruas rindo alto, alto demais que nem a reconhecessem por tamanha ousadia, ou desrespeito - como era mais provável que denominassem. A rainha Dona Mana, em vida, detestara Dona Carlota Joaquina. Dona Carlota por sua vez, detestara a rainha. Não se toleraram nunca. E agora, eis que ela olhava a velha louca no caixão, aquela a quem tanto xingou em seus pensamentos e para quem, pela primeira vez, gostaria de sorrir sinceramente, um sorriso de vitória, de alívio, de prazer! Mas infelizmente não podia. Não naquele momento.

Contendo sua falta de sofrimento, ela volta a si e fita a Senhora Viscondessa do Real Agrado e Dona Margarida Sofia de Castello Branco, ambas velando com fundos respeitos o corpo real. Com ar sombrio ela pensa que essas são umas bajuladoras sem porquê. Mal sabem os maus bocados, infortúnios e desconfortos que passara por conta da doida. Se soubessem, matraqueariam com ela sobre a alegria daquele dia.

Ela encara novamente o corpo como enamorada por tal momento, e vê tudo aquilo, aqueles lutos, aqueles cortesões fúnebres, aqueles coches recobertos de crepe. Fechava os olhos e se perdia no próprio entusiasmo. Ao se recompor voltava à pasmaceira do decorrer do velório como que abduzida, sem saber ao certo de onde e para onde voltara.

Acabado o funeral, foi se deitar como uma criança que conseguiu o que queria. Feliz como jamais imaginaria sentir-se com o fardo de ser casada com Dom João VI. E um som invade sua paz tirando-lhe a paciência:
-“Qui est-lá?”
- Sou eu!
-Dona Maria?
- E então o que pensas? Levanta-te bigoduda, já não te suporto sã, qual com essa cara de aparição!
E Maria, a louca, ria alto, alto demais para que Carlota Joaquina conseguisse se recompor da própria desventura quando abrupta e palpitante ela acorda levantando o dorso para encarar a realidade. Mais feliz do que quando foi dormir passou a gargalhar. Passado o frenesi, Carlota encara o nada com um meio sorriso e desabafa:
-Velha louca! Bigoduda são tuas partes!

Patrícia Milão- estágiária de Jornalismo - e minha aluna  na Oficina de Literatura em Tatui  "Do Romance de Paulo Setúbal aos minicontos- Exercício proposto uma releitura do conto "A bailarina do Teatro São João" de Paulo Sétubal-  "Belissimo trabalho, Patrícia. É uma alegria  postá-lo.

sábado, 7 de maio de 2011

da série: Tenho um amigo que disse que eu


Deveria pensar mais a respeito do assunto, já que também sou mãe. E que é no parque de diversões que podemos saber quem realmente tem esse dom. O dom de ser mãe. Na hora não quis contrariá-lo, ele estava tão empolgado em sua fala que deixei passar. Não deveria. Acabou indo embora todo sorridente. Com aquele sorriso, fruto de quem pensa que sabe e não sabe. Não que eu saiba tudo,ao contrário, mas, pelo menos não fico rindo à toa.

Já um outro amigo falou que não é nada disso, que para nos conhecermos, ou conhecermos o outro é preciso silêncio e observação. Coisas impossíveis nos parques de hoje, com esses brinquedos velozes e barulhentos. Concordei, em parte, mesmo porque, acho tão pouco só silêncio e observação em se tratando de nos conhecermos. Imagine, então, conhecer o outro. É preciso mais disse um outro amigo, e nesse momento fechei meus olhos voltei à minha infância ao lado de minha mãe no parque de diversão. Senti o perfume que exalava de seus belos cabelos negros e a força do olhar que sempre teve sobre mim. Naquela época era sim possível saber quem e como eram as mães só pelo jeito como brincavam no silêncio reinante da balança, com seus movimentos de ir e vir, da barca puxada por cordas, do chapéu mexicano com suas voltas vertiginosas. Algumas empurram os filhos como que se através da balança eles realmente pudessem ir embora pra sempre ou a barca afundasse imaginariamente num mar de águas profundas. Eu felizmente sorria ao ver a alegria de minha mãe correndo comigo para aproveitarmos todos os brinquedos. Mesmo sem saber o que era dom, aquela mulher vivia sua maternidade com todas as forças, talvez porque vivesse todas as outras coisas da vida com a mesma intensidade. Não era só minha mãe no parque. Ali estava uma pessoa inteira. Uma mulher com vida própria, sabedora de seus desejos mais simples,consciente de que na vida é preciso escolher.

Já um outro amigo, amigo de cabeceira, conhecedor dos mistérios que nos envolve, diz:─  “Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes”.

Mãe, pai, filho, avô, tio... O que importa? Só precisamos mesmo, como canta o poeta, sermos inteiros.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Dentro do peito - A língua portuguesa-


Uma palavra veemente, e ao mesmo tempo suave, que muitas vezes ouvi quando menina: — leitura. Ler tornou-se, assim, algo constante em minha vida. A princípio somente uma maneira deliciosa de afastar-me de tudo e de todos. Mas como o tempo tornou-se uma necessidade vital. Ler, então, era o meu maior prazer.

Passava horas e horas na biblioteca, ou mesmo no fundo do quintal embaixo da velha mangueira com o livro que, às vezes, chegava a cair das minhas mãos tamanho o cansaço. Acordava assustada com minha mãe que sorrindo fechava o livro. E eu seguia cambaleando para dentro de casa a sonhar como o final da história.

Ouvi também muitas e muitas vezes comentários, preocupações carinhosas de alguns vizinhos sobre essa difícil escolha:- ficar só. Difícil para eles que não tinham descoberto, ainda, a riqueza contida nas páginas de um livro. E, hoje na distância do tempo constato que silêncio e solidão foram determinantes na minha vida. Uma área mágica que trago guardado dentro do peito.

E nessa quietude vivo uma grande emoção, uma festa, um quase ritual orgíaco sentido em cada verso do poema, em cada conto, romance, crônica de escritores fabulosos dessa belíssima língua que tanto me encanta: — a língua portuguesa.
 
 
 

domingo, 1 de maio de 2011

Dança - A vida que pulsa

É noite. A dança acontece. O pensamento se vai. No ar, os tambores, a voz, a paixão, a música a sedução. O burburinho das conversas aos poucos se dilui. O salão, como num passe de mágica, ganha dimensões espetaculares.

E, meu corpo desliza leve sobre a pista feito à bailarina de que fala Mallarmé: — Ela não dança, é uma metáfora onde o movimento se dá a ver.Semelhante à bailarina do poeta, então, também me deixo ver e sou toda movimento. Sou toda sentimento, toda alegria nos requebros e remeleijos do quadril, no balançar das mãos, no arrastar dos pés.

A noite vai alta o corpo cansa, mas quer continuar e num quase ritual gira, gira, gira em puro delírio. Delírio da dança, beleza de ser um corpo entre tantos outros corpos que, em pleno movimento sente a vida que pulsa e pulsando vive.