quinta-feira, 21 de abril de 2011

da série: Tenho um amigo que disse que eu

 
Faço parte desse grupo de pessoas de temperamentos desensofridos, e apesar de ter comentado comigo, em uma outra oportunidade, essa sua teoria me fiz de rogada só pelo prazer em ouvi-lo. Ele, então, não perdeu a oportunidade e entusiasticamente discursou: — Veja bem, cara amiga, há no mundo somente dois tipos de pessoas: — os de temperamentos desensofridos, os quais estão sempre prontos a zombar vão da pilhéria à bofetada com a rapidez de um salto, mas ao mesmo tempo conservam o bom humor; e os de temperamentos sofridos totalmente sem humor, carregam o mundo nas costas.

Já um outro amigo disse que a dor é a condição sine qua non para subirmos os degraus da evolução espiritual, mas que em mim a dor virou pura ventania. Concordei porque gosto mesmo de olhar minhas mazelas não como ventania que gela o corpo, mas feito palito de fósforo aceso. Fogo rápido. Queima somente quando seguramos tempo demais. E aproveitei da oportunidade já que meu amigo, o criador da teoria, me olhava como quem espera uma resposta. Aí não me fiz de rogada, não. E arrematei: — não se chega ao grupo dos desensofridos sem o muito sofrer.

Já um outro amigo com a serenidade dos que sabe que a dor queima feito fogo, mas que também gela feito ventania, trouxe na sua prosa a beleza da poesia e disse que, quer pertença ao grupo dos sofridos ou desensofridos, como eu amanheço e anoiteço no mundo das palavras nada disso importa. Dor, alegria, fogo, ventania tudo vira fantasia. Concordei porque, como ele, acredito no poder da palavra transformando nossas vidas. Ele conhecedor do que vai fundo em mim riu um risinho de quem sabe a dor que provocaria sua partida.

sábado, 16 de abril de 2011

O HOMEM QUE COMIA PALAVRAS

O Homem Que Comia Palavras
O Homem Que Comia
O Homem Que
O Homem

O

Godiva

Dionísio era o seu nome. Nome de deus grego amante de festas e orgias. Mas este Dionísio da história era diferente. Avesso a qualquer agrupamento humano, solitário, só tinha uma mania que o distinguia dos comuns mortais: comia palavras.
Foi assim desde criança, quando começou a falar. No início, comia sílabas, depois passou a devorar vocábulos inteiros.
“– Qual o seu nome, menino?”
E ele respondia:
“– Dio.”
“– Dio? Que lindo!”
Na escola, ele levava o dicionário na lancheira. Enquanto a criançada, no recreio, se empanturrava de sorvete e hot-dog, ele simplesmente abria os seus verbetes preferidos no livrinho e comia com os olhos: “Pão-de-ló. S. m. [............], Chocolate. S. m. [............], Orchata. S. f. [............]. Huuummm!!!”
Assim, fazendo dos olhos parte do seu sistema digestivo, devorava o que melhor lhe apetecia.
Os pais o levaram a psicólogos, que logo identificaram sua estranha doença como “verbofagia crônica irreversível”.
Sim, o seu mal não tinha cura, pois, para o tratamento era necessário isolá-lo de livros, jornais e de qualquer material ou objeto que apresentasse palavras impressas. Ou seja, uma missão impossível.
Dessa maneira, Dionísio foi crescendo à sua moda, escolhendo sua alimentação nos cardápios dos melhores restaurantes da cidade. Ele entrava, pedia ao maître o menu e se deliciava com um refinado “canard aux oranges”, um “einsbein”ou um prosaico “beef steak”. Dionísio era um autêntico verbofágico poliglota, um fenômeno de paranormalidade glutônica multinacional.
Essa sua curiosa peculiaridade e seu modo conciso de falar fizeram de Dionísio um verdadeiro deus: Dio.
Como já dizia a bíblia, no princípio era o verbo. E o verbo, a palavra, o signo escrito, era o combustível vital desse estranho ser.
Aos 33 anos, Dio já havia experimentado todas as iguarias de todos os povos da terra. Um gourmand completo, pós-graduado em gastronomia e nutricionismo virtual. Era consultado por especialistas, que o procuravam para conhecer a receita de pratos exóticos, da Conchinchina ao Afeganistão. Ele respondia por escrito, pois era a única forma através da qual conseguia se comunicar.
Nessa altura da vida, Dionísio começou a evitar leituras de qualquer espécie e iniciou um processo auto-destrutivo. Fez greve de palavras e, consequentemente, greve de fome.
Primeiro, perdeu peso. Depois, os cabelos. E, sem usar mais caneta e papel ou computador, isolou-se do mundo.
Bastaram alguns dias para que de sua boca saíssem apenas duas sílabas, pronunciadas num sopro: “Di-o”!
Nas vésperas de sua morte, balbuciava incessantemente: “Io, Io, Io”...
Até que, já agonizando, emitiu o mantra dos mantras, o som vazio, circular, redondo e perfeito: “O”.
Arregalou os olhos e descansou em paz.

Elizabete Leite: professora de Inglês, moradora de Tatui. Atualmente minha aluna na Oficina de Literatura (em Tatui). Adorável perguntou-me "se leva jeito para escrever contos/crônicas...", preciso responder :o)

domingo, 10 de abril de 2011

Do homem cordial à sinuca de bico.


Às vezes, muitas, ficamos numa sinuca de bico, saia justa mesmo. E somos cordiais, aqui vale lembrar "O homem cordial', um capítulo da obra "Raízes do Brasil", de Sérgio buarque de Holanda, onde o tema é belíssimamente tratado , certeiro, e não há como discordar. Perfeito.
E se a prática é a da cordialidade seremos taxados ,com toda razão, de coniventes com o que ai está, hipócritas, manipuladores...

E se optamos, corajosamente, pela franqueza, pelo embate, pelo esclarecimento do que entendemos, do que está acontecendo conosco , ou com o nosso entorno seremos taxados de  problématicos, mal amados, um caso a parte, um sujeito suspeitíssimo. Bipolar, tão na moda. Carente, solitário.  Um louco!

O que nos resta?  Um fechar- se em si mesmo? Um sorrisinho amarelo? Um tapinha nas costas. Alguns, a maioria,  com certeza seguiram esse caminho. Não diria mais fácil, talvez mais elegante, mais apropriado, mais lucrativo, mais... sempre mais.   Eu me contento com menos, bem menos :  - um elegante e sonoro va à merda, meu caro. Um preço que  sempre estive disposta a pagar.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

da série: Tenho um amigo que disse que eu


Que eu não meço as palavras. Medir, medir, eu meço sim. O que esse amigo não sabe é que não há uma medida e nem por isso uma desmedida. Cada momento exige de nós uma medida, completei. Ele me olhou dos pés à cabeça numa atitude de quem quer medir forças. E vi no seu olhar o espanto dos que acreditam que é possível usar a mesma medida para tudo. Medir, medir, eu meço sim. E essa hora exigia uma medida dita em alto e bom tom. Caro amigo que merda é essa que está a me dizer.

Já um outro amigo diante desse fato disse que não é nada disso. A verdade é que sou muito exigente comigo e com as palavras. Como se um coisa estivesse separada da outra, eu disse. E isso com um risinho já velho conhecido de todos, mas que não chega a ser irônico apenas provocativo. Sou, e a medida de exigência é a mesma para mim e para com o outro. Mas a maioria das pessoas não gosta dessa exigência. É sempre uma para si e outra para o outro.

Já um outro amigo disse que isso acontece porque tudo é sem medida, imensurável, relativo. Hum! Essa é daquelas certezas feitas às pressas totalmente sem medida, descabível. É claro que não só podemos como medimos o tempo todo. Mas será que ele pensou que eu me referia às pessoas. Dei uma medida nele que sem jeito saiu à francesa, mas não era minha intenção, não. Amigo a gente gosta de qualquer jeito mesmo quando não concordamos.

Já um outro amigo desses que sabe a exata medida das coisas. Disse que cada um gosta a sua maneira. Gosta muito, largo infinito, mas também pequeno e raso. E que eu não precisava ficar triste, não. Se meu amigo foi embora só porque não concordei com suas palavras é porque essa era a medida dele. E completou: — É que para nós, diferentemente da maioria, pessoas e palavras são uma coisa só.

Medir, medir eu meço sim, e fecho com o grande poeta ... “e começo aqui e meço aqui este começo e recomeço e remeço e arremesso e aqui me meço quando se vive sob a espécie da viagem...”