sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Medo da eternidade


                                                                 

Clarice Lispector

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.Quando eu era pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o   mesmo   dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.Afinal, minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:- Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida  inteira. - Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.- Não acaba nunca, e pronto. Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para  fazê-la durar mais. Eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara me dar conta.Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.- E agora que é que eu faço? – Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.-Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. 

A menos que você perca, eu já perdi vários.Perder a eternidade? Nunca.O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamos-nos para a escola.- Acabou-se o docinho. E agora?- Agora mastigue para sempre.Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.- Olha só o que me aconteceu! – Disse eu em fingido espanto e tristeza. -Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!- Já lhe disse – repetiu minha irmã – que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

LISPERTOR, Clarice. Medo da eternidade, In: A descoberta do mundo, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984, p. 446-8.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

da série: Fração de segundos


Era só uma questão, como dizem os economistas, de saber administrar. E sendo assim ela seguiu à risca, mas não se tratava das contas a pagar não. E muito menos de administrar o tempo, como dizem poeticamente  os espiritualistas: - Há um tempo para plantar e outro para colher.  Era somente uma questão de colocar em primeiro lugar seu desejo.

Desejo de viver, de dar vazão a sua sensibilidade frente a um mundo rotineiro em demasia. Por que ,então, essa indecisão se tudo conspirava? Da janela aberta, onde ele a esperava com um risinho maroto, ao vinho sobre a mesa. E foi assim, numa fração de segundos, que ela livre, feito pássaro em seu voo matinal, correu para os beijos daquele que tanto a desejava.


sábado, 27 de outubro de 2012

Quis acordá-la, mas não.


Desço a rua tranquilamente. Olho o relógio. Seis horas.  Rua deserta escuto o farfalhar de meus passos sobre o chão, cadenciado passo, dança e música misturadas ao silêncio existente. Na mente nenhum pensamento ordenado ocorre. Trajeto feito todos os dias, hábito enraizado, é só seguir em frente. Em alguns dias a atenção volta-se para o andar, em outros para a respiração, há ainda aqueles dias em que se fixa nos cheiros, nos aromas das casas, nos lixos tombados, no latido do cão e finalmente no gato fugindo sorrateiramente.

Feito a pássaro livre em seu voo matinal, ela muda rapidamente. O que determina essa atenção? Nenhuma escolha prévia. Nada. Somente o olhar e o sentir. Distância encantatória entre as coisas e o homem. Foi numa dessas manhãs, que inexplicavelmente e numa fração de segundos passei do sentir ao pensar. Um único pensamento tomou conta de todo o meu ser. Perdi a tranquilidade, o silêncio, a música, a dança, o chão. À medida que caminhava percebi que seria impossível viver sem resolver tamanho tormento. Pessoa de extremos voltei para casa. Olhei teu corpo na cama, passei-lhe suavemente as mãos pelos cabelos negros. Quis acordá-la, mas não. Para quê? Sobre o móvel deixei-lhe a chave.



sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Dígrafo




DÍGRAFO
Rubem Alves

Uma das minhas alegrias são as cartas que recebo das crianças. Escrevem-me a propósito de meus livros infantis. Alegro-me sabendo que esses livros, além de dar prazer fazem as crianças pensar. As crianças me entendem. Meu filósofo mais querido, Nietzsche, escrevia para adultos eruditos, e eles não o entendiam. Desanimado com a estupidez dos adultos, ele escreveu: "Gosto de me assentar aqui, onde as crianças brincam ao lado da parede em ruínas, entre espinhos e papoulas vermelhas. Para as crianças, sou ainda um sábio; e também para os espinhos e as papoulas vermelhas". Os adultos não o entendiam porque ele escrevia como criança. Pois eu recebi carta de um menininho. Não vou revelar o nome dele para não comprometê-lo perante a professora. Li a cartinha dele tantas vezes que já a sei de cor. Transcrevo: "Prezado Rubem (...). Li o seu livro 'O Patinho que Não Aprendeu a Voar'. Eu gostei, porque aprendi que liberdade é fazer o que se quer muito mesmo. Escreva para min. E eu tenho uma professora demais. Com todos os livros que a gente lê, ela manda fazer ditados, encontrar palavras com dígrafo, encontro consonantal e encontro vocálico".

Minha alegria inicial foi interrompida por um estremecimento de horror: eu não sei o que é dígrafo! Meu Deus! Ele, um menininho de 9 anos, já sabe. E eu não. O dígrafo tem de ser coisa muito importante, essencial, para ter sido incluído no currículo de um menininho de 9 anos. Com certeza, é preciso Conhecê-lo para ser iniciado nos prazeres da leitura, a única coisa que importa.E eu não sabia disso. Não sei o que é dígrafo. Duvido da minha competência literária. E certo que Guimarães Rosa, Adélia Prado e Manoel de Barros, ao escrever, tinham de ter sempre presente na consciência a importância dos dígrafos. E o pior: recusei-me a saber o que é dígrafo quando uma professora tentou salvar-me da minha ignorância. Meu pensamento é poético. Recusa-se a nadar em linha reta. Dança, deleita-se em analogias. Apareceu-me logo uma analogia de natureza sexual, provocada, provocada por Roland Barthes, que liga a escritura ao erotismo: o texto como objeto de prazer, cujo manual de delícias, seu "Kama Sutra", há de ser aprendido. O par de amantes está abraçado, corpos e almas incendiados pelo desejo. A mão do amante desliza vagarosamente pela pele lisa da amada. Mas ele, professor de anatomia, em virtude dos seus saberes científicos e dos seus hábitos, em vez de ir recitando docemente textos do 'Cântico dos Cânticos' ou poemas eróticos de Drumond, não pode resistir à compulsão de enunciar os nomes científicos dos músculos do corpo da amada. Assim termina uma noite que poderia ter sido uma noite de amor. A ciência triunfa - e ele não errou nem um nome -, mas o amor fracassa. Pois é isso que acontece naquela aula em que as crianças aprendem não os prazeres do texto, mas os nomes anatômicos de sua gramática. Há uma razão para isso: o prazer da leitura de um texto não pode ser avaliado. É coisa subjetiva. Não é científico. Mas dígrafos, en-contros consonantais e vocálicos, sim. A professora, coitada, não é culpada. Ela sabe que sua função é cumprir ordens que vem de cima, dos especialistas. Há um programa a seguir. Ela obedece. Já nem se atreve a pensar.

Wittgenstein diz que o sentido de uma palavra é o uso que dela se faz. Quais os usos possíveis da palavra "dígrafo"? Não serve para erotizar o texto. Não torna o texto mais saboroso nem aumenta a gula literária do aluno. O texto não fica mais claro quando seus dígrafos são grifados. Tentei imaginar uma conversa inteligente em que a palavra "dígrafo" entrasse. Não consegui formular uma única frase humana. Quando eu estudei, acho que o termo "dígrafos' ainda não havia sido inventado por algum gramático. Mas os infinitamente variados nomes da análise sintática já existiam. A inventividade dos gramáticos não tem fim! Estudei muito a analise sintática. Sofri tanto que, naquele tempo, escrevi num relatório para o colégio em que estudei, o Andrews, no Rio, que eu queria ser engenheiro; eu era bom em matemática, mas não gostava das coisas da língua. A análise sintática me ensinou a ter raiva da literatura. Só muito mais tarde, depois de esquecer tudo o que aprendera na análise sintática, aprendi as delícias da língua. Aí, parei de falar os nomes anatômicos dos músculos da amada. Lia e me entregava ao puro gozo de ler. Acho que as escolas terão realizado sua missão se forem capazes de desenvolver nos alunos o prazer da leitura. Ele é o pressuposto de tudo mais. Quem ama ler tem nas mãos as chaves do mundo. Mas o que vejo acontecendo é o contrário. São raríssimos os casos de amor à leitura desenvolvido nas aulas de estudo formal da língua.

Paul Goodman, controvertido pensador norte-americano, diz: "Nunca soube de nenhum método para ensinar literatura que não terminasse por matá-la. Parece que a sobrevivência do gosto pela literatura tem dependido de milagres aleatórios, que estão ficando cada vez menos freqüentes.Vendem-se, nas livrarias, livros com resumos das obras literárias que caem nos vestibulares. Quem aprende resumos de obras para passar no vestibular aprende mais que isso: aprende a odiar a literatura. Esta, como o corpo da pessoa amada, não é objeto de conhecimentos científicos; é objeto de prazer.Sonho com o dia em que as crianças que lêem meus livrinhos não terão de grifar dígrafos e em que o conhecimento das obras literárias não será objeto de exames vestibulares: os livros serão lidos pelo simples prazer da leitura.

Rubem Alves- educador,escritor, psicanalista,é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

da série: Tenho um amigo que disse que eu:


Preciso modificar alguns hábitos ou melhor  arrancar todos eles, os quais delicadamente nomeou de síndrome “habimort”, ou seja, hábitos que matam. Foi como me explicou e, segundo ele para o meu próprio crescimento interior. Fiquei ali parada sem saber se ria ou chorava em ver o seu empenho em me convencer. Não que eu não busque mudanças. Sei que são saudáveis.  Mas as coisas não são tão simples assim. E depois todos temos hábitos. Como dizia minha sábia avó: — Tem coisa mio di bão não, bicho di custume.

Já um outro amigo diz que não tem jeito mesmo e que, quando arrancamos um hábito outro devagarzinho vai se formando,  temos que estar alertas o tempo todo. Ruminando essas ideias fico a pensar: —  pra que mudar se logo outro vai se enraizar. O jeito, então, é ficar com o velho que, pelo menos, já conheço.

Aí um outro amigo não aguentou e disse que não é nada disso, que essa coisa tão simples  chamada  de mesmice nos incomoda muito, nos deixa amargurados. E é preciso extirpá-la com um método que ele nomeou de “ou vai ou racha”. E que consiste em todo dia ter algo novo para fazer. Como, por exemplo, inventar uma receita de bolo que não precise ir ao forno ou um bordado que não use linhas ou uma visita a alguém que não se conhece ou... Arregalei uns olhos dado ao inusitado da situação que ele pediu desculpas e disse que nossa conversa era um hábito que precisava extirpar. Cada um, um — pensei.  Mas é bom amigo. Fiquei sabendo que logo vai receber alta. Ou vai ou racha maldade minha esse pensamento. Fazer o que e a força do hábito. 

Eu já estava quase desistindo de querer entender quando apareceu meu velho amigo, amigo maior, desses que ficam enraizados no nosso coração. E ele disse daquele seu jeito habitual de dizer coisas: — que quando menos se espera, quando a hora chega e o nosso coração transborda, ele sabe que  precisa de  novas aventuras, novas vivências. E o que é velho, o que fica ali nos incomodando e nos tornando amargurados vai embora como num passe de mágica. Não deu nem tempo de arregalar meus olhos. E, ele já veio logo se explicando, conhecedor de meus pequenos hábitos, mas que essa mágica é a gente mesmo quem faz. E é muito simples não precisa de método, nem nomes, nem nada. Só é preciso aprender a olhar para dentro de si. E escolher a cada dia o que se quer, como se quer, para que se quer, e  permitir-se o espanto consigo e com o outro. 


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

TÒ THAUMÁZEIN Flechas Laocoon


Se conseguires tirar os olhos dos olhos desse menino e prestares atenção à sua orelha esquerda, verás ali um pequeno aparelho de surdez. Este menino genuinamente espantado ouve sons pela primeira vez em sua vida. E tu, tu te espantas com o quê? Que espécie de som arregala os teus olhos? Os olhos de quem abrem os teus ouvidos? Que contrariedade congela o teu pescoço? Que buraco aberto interrompe os teus passos? Que touro enfurecido te faz saltar um muro? Com que tipo de toque os teus pêlos se eriçam? Que dor fecha a tua garganta? Que cena abre o teu sorriso? Que admiração te faz pensar? "Pois este estado é o mais próprio do filósofo: o admirar-se; com efeito, não há outro princípio da filosofia que não este”, diz o Sócrates platônico no Teeteto. Mas o que era o thaûma para os gregos? O que era o admirar-se, tò thaumázein?

Segundo Vernant, no mito o thâuma é o maravilhoso, o assombro, mas com a filosofia "a admiração se faz questionamento, interrogação". Será mesmo? Serão estanques admiração e interrogação? Interrogo-te assombrada, Vernant. Como pode o ser humano ser um sem interrogação? Como pode o filósofo ser um sem admiração? E que tanto de espanto ou de medo ou de susto carrega consigo o thaumázein? Admirar-se, espantar-se, surpreender-se, maravilhar-se. Étonner, do latim extonare, ser atingido por uma tempestade, ser surpreendido, perturbar, amedrontar, mas também maravilhar-se, ficar impressionado diante deste espetáculo. Amaze: surpreender fortemente, encher de admiração. Stupire: espantar, surpreender, maravilhar. Mas, então, admirar-se e espantar-se são sinônimos e thaumázein é misto de gozo e de medo? Mas quem é capaz de admiração na massiva sociedade de imagens em ação? Quem, sem imaginação, é capaz de se assombrar com uma situação? Quem tem coragem de ver tudo novo de novo e não perder a razão?

 Quem é presente o suficiente para não se esconder nas imagens do passado e se assombrar mais uma vez como pela primeira vez? Mas como posso me assombrar novamente com um terremoto ou com a fome ou com a guerra ou com uma epidemia se nem mesmo me lembro se um dia me espantei com tais situações? Além disso, se o menino da foto tirar seu aparelho de surdez, não se assombrará novamente com o silêncio, pois apesar de agora vívido, é silêncio já vivido. Então, que aparelho de surdez preciso instalar em minha alma para ouvir o som do mundo como quando nasci? Mas não existe tal aparelho, tu me afirmas, sem assombro e sem questionamento. Mas câmera fotográfica há. E como achas que se sentiu o fotógrafo que conseguiu enxergar e apreender o momento acima? Assombrar-me-ia se um dia soubesse que ele ou ela não se assombrou. Boa foto é questão de foco.

Tudo é uma questão de leitura, já disse eu nesta mesma coluna. Repito, à luz da iluminada Simone Weil: o mundo é o que lemos e lemos o que queremos. E digo agora: se está difícil ler de outro modo a realidade, sempre podes mudar algumas coisas de lugar. Não basta que mudes os móveis, muda as tuas próprias partes e com teus pedaços monta um ser atônito, como escreve o Poeta Manoel de Barros. E montando um ser atônito, montas um ser poético. Afinal, “a poesia nasce do espanto”, afirma Ferreira Gullar. Também o amor nasce do espanto. Portanto, se alguém te disser: _Não te espantes com meu amor. Não obedeça. Espanta-te com o pedaço de ti que é amado! Deixa-te espantar, inocente e interrogativamente. Espanta-te com a gratuidade! E quando vires alguém pular sete ondas no dia 1º de janeiro, espanta-te também com a sua parte de fé que se multiplica sete vezes sete, ano após ano. Por falar em fé, será que quando o Cristo afirma que o reino dos céus é das crianças, quer dizer, na verdade, que o reino dos céus é acessível àqueles que têm capacidade de thaumázein? Será que o thaumázein é arkhé, é princípio, não apenas da filosofia e da poesia, mas também da fé? Será que milagre não é senão o som velho do mundo velho a ressoar como se fosse o primeiro acorde de um mundo nascente? Milagre é conseguir ler a ordem por trás da necessidade? Então a foto acima revela um milagre?

O milagre do menino surdo que ouve pela primeira vez um som que a nossos ouvidos nada mais é que uma música antiga em um disco arranhado tocando em uma vitrola herdada dos antepassados? Um sem número de perguntas e nenhuma resposta. Somente assombros e interrogações.

dana paulinelli



domingo, 29 de julho de 2012

De Paris a Bom Jesus de Pirapora





É de não acreditar mesmo, mas ao mesmo tempo é muito comum. Acontece com todas  as pessoas, todos os dias, para não dizer todo instante. A umas mais, outras menos. Mas ninguém reclama também reclamar a quem. De Paris a Bom Jesus de Pirapora não há escape. Criança, jovem, velho, rico, pobre. A justiça existe. E a distribuição pode não ser igual, mas pelo menos todos experimentam. Basta estar vivo. É o imprevisto, a surpresa, o inesperado. Eu estava hiper ansiosa, finalmente a editora tinha um parecer. Já era alguma coisa, muita coisa, isso depois de trozentos e-mails, intermediações, depois de muito quazquazquaz, revisões, anotações etc.etc.etc. Levantei afobadíssima, um clic e pronto. Pronto nada. O trabalho de anos, anos, e anos, e que num pau do computador, perdeu-se. Não deu pra recuperar foram as palavras do técnico, e, assim tranquilamente: — aquela pasta que a senhora falou:  já era.

A senhora num custuma fazer backup? Por que será que as pessoas escolhem o pior momento com perguntinhas. Pois é, respondi pausadamente e completei com a maior delicadeza: — Sempre deixo pra depois, isso aqui também não é uma empresa não é? Arrematei. Ele não deixou por menos, mas é sempre bom e canja e caldo de galinha não faz mal a ninguém. Ai maldito ditado popular, tão certo. A saída foi levar o original, única cópia, 318 páginas. Levei. Qual era a minha sina aquele dia? Naquele dia eu dei mole pro azar ou o nome que se queira dar a isso tudo: mandinga, urucubaca, carma, catiça de Maria negrinha, praga de parteira, coisa do tinhoso. Por que não há outra explicação “pru sucedidu” como diz o caboclo. Ao virar a esquina aquele pacote caiu com tudo na única poça d’água da rua. Choveu só ali  pelo jeito.Quem colocou essa poça aqui, gritei. Já em quase delírio. Quase?

Qual o mistério em tudo isso? O que está por trás? Nada, nadica. Só o viver. Será? Tenho um amigo que diz que é a dinâmica da gente. E que é só perceber qual é a sua  e daí eliminar essa repetição de coisas que acontece na nossa vida. Fácil assim di-nâ-mi-ca. Minha vontade era meter-lhe um soco. Mas me contive. Afinal, eu que lhe contei toda a história dias depois. Há também os psicólogos de plantão para dizer: — coisa da infância ou algo não resolvido na sua sexualidade e que gera essas situações de autossabotagem. Sabotagem? Cada uma. Há também a turma da espiritualidade. Uma amiga,quando lhe contei disse: que talvez eu não me ache merecedora de viver situações alegres. Caramba! Mais essa agora. Então eu gosto de sofrer?  Meus amigos! Sei não. É porque gosto muito deles. Mas não se salva um. Ô cambada de malucos. No fundo, no fundo eu sempre soube que de Paris a Bom Jesus de Pirapora... Pobres, ricos, jovens... Acontece com todos, todos os dias... Esse mistério do viver que nos traz o bom e o ruim... E que tanto um como outro passam. Só não acho justo. Tenho uma amiga que falou que justiça...


domingo, 10 de junho de 2012

da série: "Fração de segundos"



Não era bem  encontro. Não no sentido que  essa palavra, com o tempo, transformou -se. Ou melhor que nós, seres desejosos de amor e carinho, atribuímos: - romântica. Mas isso não vem ao caso. A verdade é que ela tinha por hábito, fosse um encontro de trabalho ou amoroso, apresentar-se de maneira impecável. Era uma mulher extravagante e em sua elegância singular não havia espaço para  preocupações comum às outras mulheres. 

Como, por exemplo, se o sapato combinava com o tom do vestido ou se o chapéu era adequado para a ocasião. E firme em seu passo seguia ao encontro. Foi nessa noite, e numa fração de segundos, com um chapéu a esconder-lhe todo o rosto, que um pensamento incomum passou-lhe pela mente: Seria esse um encontro amoroso? Talvez. Não conteve o riso e coração acelerado apertou os passos. Era no fundo uma mulher romântica.



segunda-feira, 7 de maio de 2012


Tributo a Mantovani
 Inesquecível é o que amamos!

Em diversas línguas, o lembrar, o memorizar está associado não já (ou não só...) a um processo intelectual, mas ao coração: saber de memória é, em inglês, by heart; em francês, par coeur; e esquecer-se de alguém, em italiano, é scordarsi, sair do coração...
Lembramos - sabemos de cor - o que está em nosso coração. Tomás de Aquino, o grande pensador do Ocidente, explica, agudamente, a razão profunda do lembrar e do esquecer: ele faz a ligação entre amar e lembrar: inesquecível é o que amamos!



quarta-feira, 11 de abril de 2012

Passos de um bolero


Estava eu recostada em um banco da velha pracinha, quando deparei com aquele sujeito vindo em minha direção. A princípio, como era de se esperar senti um calafrio percorrer todo o meu corpo. Numa mistura de medo e autodefesa cheguei a pensar que o sujeito sentia o mesmo, já que, a rua estava deserta e só nos dois nos encontrávamos ali. Mas à medida que ele se aproximava esse pensamento se dissipou, pois apesar de caminhar com passos firmes possuía uma leveza digna de bailarinos. 

E, quem sabe, fosse mesmo. E aproveitava o vazio das ruas para passos de uma coreografia imaginária. Só isso mesmo e nada demais. Mas de repente parou bruscamente. Ajeitou o chapéu. Enfiou as mãos no bolso do paletó. E olhou-me nos olhos. Novamente os calafrios e tive a exata sensação de desmaio. Cheguei a enxergar um revólver entre seus dedos. Então ele veio calmamente em minha direção e com uma voz rouca perguntou: — o amigo tem fogo?  Eu aliviado disse: — Não fumo, companheiro. Senti o peso da sua mão e o frio da lâmina adentrou no meu peito, enquanto ele  sorria  improvisando passos de um bolero.



sexta-feira, 30 de março de 2012

Sorriso Amarelo


O risco a que me permiti desde cedo foi, ou melhor, foram todos. E, aos desavisados, digo que não me refiro a nenhum ato inconsequente, nenhuma loucura juvenil. Não que essas não estivessem presentes. Mas, todas tão pueris: — uma aula cabulada, um beijo roubado no escurinho do cinema, pequenas mentirinhas, às quais, minha mãe nomeava de mentiras brancas.  Dizia assim, pois elas não faziam mal a ninguém.

E, como nessa época, ainda que houvesse preconceito racial, não era comum associar certas palavras ao negro. Seu uso era geral.  Minha avó costumava dizer: — hoje amanheci com o coração negro, e todos sabiam que não era nenhuma alusão pejorativa.  As cores, na nossa família, sempre estiveram presentes para falar dos sentimentos. Minha tia falava em verde de raiva. Meu avô em roxo beslicão. Acredito que só eu mesma optei pelas palavras para demonstrar minha perplexidade diante de um mundo conservador.

Mas, o risco ao qual me refiro foram as difíceis decisões tomadas, as escolhas feitas frente ao que me chegou.  Um olhar afiado e um coração inquietante. E a certeza de que o preço a pagar seria imenso.  Nada que meu ser não estivesse disposto a aceitar. Viver sempre foi para mim um ato de assumir quem somos e como somos. O que queremos e como queremos. Um gesto de humildade para dizer não, quando muitos dizem sim às conveniências e ao engodo. Pois, como dizia meu pai, em tardes como aquelas,  repletas de cores, de prosa e de poesia, não se deve viver com um sorriso amarelo estampado no rosto.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O pó do tempo



Esperou por tanto tempo, eu diria que a vida toda, por aquele momento. Um momento que nunca chegou, não da forma como sonhara.  Mas de um jeito ou de outro chegou.  E quando ele chegou uma dor invadiu-lhe o peito. Parecia até que suas suspeitas confirmavam: — Não era para ser.

Com olhos vagos, distantes e um silêncio sepulcral ele nem notou sua presença. Tornou-se  uma desconhecida, uma passante.   E ali, bem à frente a estradinha poeirenta parecia um convite. Uma lágrima, e ato contínuo lembrou-se de outros caminhos, outras estradas, outros convites. Mas em nenhuma seus pés quiseram adentrar.

Na memória as juras de amor, as declarações escolhidas a dedo em poetas novos e antigos. “Foste a altura que me abençoou e te tornaste o abismo que me devorou...” Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”. Hoje, na memória restaram somente o pó da estrada, o pó do tempo, versos e nada mais.

terça-feira, 13 de março de 2012

da série: Fração de segundos

Eram nove horas, estava eu recostada em um banco da velha pracinha a ponto de desistir dessa busca incessante, quando deparei com aquele sujeito miúdo bem na minha frente e a encarar-me. A princípio pensei em se tratar de algum morador do bairro em sua caminhada noturna.  Mas não. Após duas ou três palavras ditas, com uma voz rouca, o sujeito foi logo se abrindo e eu soube que se tratava do zelador de um prédio pequeno na rua detrás. Não pensei duas vezes e à queima-roupa perguntei:  -você deve saber se há algum apartamento vazio por lá? Com uns olhos entre o desconfiado e a intimidação o sujeito também me respondeu de sopetão: - não há não.


Houve um silêncio sepulcral, fração de segundos, que me pareceram intermináveis.  E com uma voz mais rouca ainda disse:- O que há mesmo é o velho casarão, vazio há anos. Dei um pulo do banco e só faltei agarrar o sujeito pelo colarinho, mas poderia ser mal interpretada, e me contive, no momento não estava interessada em sexo e muito menos com um tipo daqueles. O que eu queria mesmo era um lugar sossegado e longe de todos, morar por um tempo até a poeira baixar como dizia meu pai. Conversa vai, conversa vem mais meia dúzia de palavras e o sujeito resolveu me levar para conhecer o casarão. 


Não era só o zelador do prédio, no caminho por ruelas escuras entre um susto e outro por conta dos muitos gatos, contou-me que era o único no bairro a ter uma cópia da chave e que durante todos esses anos a proprietária não apareceu mais. Suspeitava até de sua morte, mas era uma jovem senhora, quieta, andar vagaroso, sempre com livros nos braços, além de um chapéu preto que lhe dava um ar profundamente intrigante. Ao entrar no casarão um sentimento de pertencimento instalou-se dentro de mim, numa fração de segundos, veio-me à mente cenas vividas naquele espaço. Quando? Mas isso seria  apenas o começo de longas horas de inquietação.

sábado, 10 de março de 2012

“Vingança Adiada”


....Em seus violentos ataques à moral dominante de sua época, Nietzsche elegeu como alvo a figura do ressentido. O ressentido é o sujeito que padece de um ressentimento relacionado a alguém e que ele não conseguiu exteriorizar. Esse sentimento que não atingiu sua finalidade volta ao sujeito; daí o prefixo “re”, que junto com “sentimento”, forma a palavra ressentimento. Esse retorno se dá de forma negativa, pois o ressentido começa a fantasiar, a ruminar os pensamentos; com isso se afasta da realidade e se imobiliza. Todos nos temos afetos negativos,  na maioria das vezes julgamos prudente comunicá-los, seja porque avaliamos que estamos errados, seja porque avaliamos as razões daquele que nos causou um mal. 


Porém, em determinadas situações, o silêncio daquele que foi usurpado pode degenerar em ressentimento, e a principal característica do ressentido é ruminar esse acontecimento e planejar, por longo período , uma vingança.  Foi o que Nietzsche chamou de “Vingança Adiada”, pois, da mesma maneira que o ressentido foi incapaz de se defender no momento do agravo, ele será incapaz de consumar sua vingança.  Por isso, completa : - o ressentimento é uma característica dos “escravos”, isto é, daqueles que não afirmam sua vontade.

Filosofia do Cotidiano (trecho) Luciano Pereira-  mestrando em filosofia pela USP.


quarta-feira, 7 de março de 2012

Fêmea humana, uma linguagem.


Ninguém nasce mulher: torna-se.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana
assume no seio da sociedade; é o conjunto da sociedade que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.
Somente a mediação de outrem pode construir um indivíduo como um outro.
Simone de Beauvoir


Opressão do gênero, Opressão de Classe
Apesar das conquistas alcançadas, há muito a ser feito.

Sueli Aduan
A linguagem, como sabemos, tem papel fundamental na constituição das coisas. E quando o assunto é “sexual”, então, há diferenças marcantes na construção de como as coisas são escritas, ditas. “Cria-se assim, por conta dessa mesma linguagem: “um tipo de mulher” e, muito provavelmente, “um tipo de homem”, e como consequência, o preconceito”.

A partir daí, a defesa de papéis e de como devem viver homens e mulheres é uma questão também de poder. Para a mulher, ainda que muito tenha se conquistado, cria-se o lugar privado (lar/segurança/família); e para o homem, com sua total independência, a rua, a liberdade, o público. 

O que traz uma situação de mando, domínio, autonomia para ele; e total dependência, submissão para ela. Criam-se dicotomias: a mulher ideal (centrada na vida do marido, da casa, dos filhos) e todas as outras (libertinas devassas).  Esse equívoco na defesa dos papéis, seja pela sociedade como um todo ou por pequenas minorias, produz o macho com a prerrogativa do intelecto e a fêmea fechada em si, no próprio corpo que a define como mulher.


sexta-feira, 2 de março de 2012

da série: Tenho um amigo que disse que eu:



Não me emendo mesmo.  Na hora que ele disse, foi muito engraçado, pois me veio à mente um momento da minha infância, o qual minha mãe, sentada em uma banqueta, emendava retalhos, formando uma imensa colcha colorida. Era tão lindo de se ver; e eu, que ainda não sabia costurar, ficava horas e horas olhando todos aqueles quadradinhos.  Ela pacientemente me explicava que pra ficar bonito, era preciso escolher com muito cuidado as junções, combiná-los entre si, cores claras em contraste com cores escuras, estampadinhos ao lado de tecidos lisos. Meu amigo percebeu que eu estava longe, em puro estado de recordação, e se calou.

Já outro amigo, nem bem o outro se calou, disse: - é verdade, você não se apruma nem de muleta mesmo, pelo jeito ele queria é me tirar do estado de devaneio em que eu me encontrava. E com essa fala, não só conseguiu como me remeteu a outro momento da minha vida, quando meu avô, após uma queda do cavalo, foi obrigado a usar muletas. Eu ficava horas e horas olhando o jeito dele caminhar. Ele pacientemente me explicava que era preciso caminhar com cuidado, sem pressa e com muita firmeza nas mãos.  Esse amigo também percebeu minha ausência mental e, como é desses que gostam de atenção em tempo integral, foi saindo cabisbaixo. Eu até pensei em chamá-lo num gesto de bem querência.

Foi quando avistei meu grande amigo, amigo de todas as horas, que só de olhar em meus olhos percebeu que eu tinha estado longe. E estive sim; nas reminiscências da aprendizagem junto à minha mãe e ao meu avô que, sem saber, ensinaram-me que é preciso escolher, sejam quadradinhos ou não, se queremos algo que nos encha a alma com beleza e harmonia; e que seguir em frente é uma questão somente de calma e firmeza.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Sobre a leitura e os livros

 
Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental, do mesmo modo que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a pena os traços que seu professor fizera a lápis. Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar.

É por isso que sentimos um alívio ao passamos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. No entanto, a nossa cabeça é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram, o que resta? Em conseqüência disso, quem lê muito e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar.
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Com isso não se chega à ruminação, mas é só por meio dela que nos apropriamos do que foi lido, assim como as refeições não nos alimentam quando comemos, e sim quando digerimos.

A arte de escrever- Arthur Schopenhauer- p.127  -Editora L&M- Porto Alegre-2005
Tradução: Pedro Süssekind

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

da série: Fração de segundos


Era aquele barulho de brocas e britadeiras, de manhã à noite, deixando os nervos à flor da pele. Ele acostumara-se com uma facilidade que, na época, eu sentia como pura provocação. Mal entrava no apartamento e já ligava o som. Cheguei mesmo a duvidar que gostasse de música. Quem em sã consciência teria esse comportamento? Às vezes eu ficava escondida, só observando suas atitudes, e foi justamente numa dessas observações, fração de segundos, que presenciei a cena mais absurda da minha vida: ele com uma voz quase em sussurro, uma nota de cinqüenta na mão, dizendo ao rapaz que acabara de entrar:  Amanhã, vê se capricha com as britadeiras. Ela está quase louca.


sábado, 14 de janeiro de 2012

da série: "Fração de segundos"


Quando chegou ele estava deitado na cama, imóvel, os olhos fixos no teto, as mãos sobre o estômago, calçava só um tênis, o outro jogado no chão todo sujo. Entrou com cuidado, com passos lentos. Já o imaginava em casa. Abriu a porta tentando fazer o menor barulho, conseguiu. Mas não pode conter as lágrimas que a imobilizam de qualquer atitude.

Ali parada, sem ser notada, relembrou outros momentos. Eram felizes. Um leve sorriso formou-se. Bons tempos pensou. Mas não soube explicar, a si mesma, porque em sua mente formava-se aquele pensamento. Feito um passe de mágica seu sorriso desapareceu, ato contínuo tentou sair dali, mas seus pés pareciam colados ao chão e seu corpo endurecido como uma estátua, somente as mãos mesmo obedeciam ao seu comando. Foi quando abriu a bolsa, fração de segundos, e disparou o revólver que atingiu o corpo inerte sobre a cama.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

da série: Tenho um amigo que disse que eu:

                                    

Diferentemente de muita gente que ele conhece não tenho por hábito programar, planejar, estabelecer metas, aliás, característica de todo ser humano sensato. E, é justamente isso que ele não compreende: — essa minha mania em querer ser diferente. Fiquei pasma com a observação. Primeiro, porque creio que ela é totalmente equivocada. Diferente do quê? De quem? Segundo, porque tenho lá sim minhas manias. Quem não tem? E terceiro: — Sensata. Planejo, estabeleço, impossível viver ao Deus dará, creio eu.

Já um outro amigo, não por solidariedade, mas por compreensão mesmo disse que entendeu perfeitamente à colocação do amigo incomum. E completou: — é esse teu jeito tranqüilo de ser que deixa essa impressão na gente. Novamente fiquei pasma. Primeiro, porque creio que ela é totalmente equivocada. Tranqüilo com o quê? Com quem? Segundo, o que tem a ver ser tranqüilo, não que eu não seja, com o fato do sujeito ter atitudes necessárias para o bem viver. E terceiro: — tranqüilidade e sensatez andam de mãos dadas, creio eu.

Já um outro amigo, conhecedor profundo da minha leveza frente à resolução das coisas , e com seu jeito poético de ser argumentou:— coisas de gente que mistura movimento e repouso; barulho e silêncio; amor e sexo; alegria e tristeza; vida e morte. Busca disciplina, métodos, faz planos, projetos... Sonha. E, vorazmente dedica-se a eles até a sua concretude, e depois busca outro... e outro... e outro, infinitamente.
Dessa vez não fiquei pasma.