sábado, 2 de novembro de 2013

da série: Tenho um amigo que disse que eu...

 
Não deveria fazer essa cara de “poxa vida” sempre que estou triste. Tentei explicar que ele estava totalmente equivocado. Eu não estava triste não. É que jamais passa pela minha cabeça fazer caras e bocas. E, se ele estava me vendo assim era fruto da sua própria imaginação ou então ele mesmo é quem faz uso desses artifícios para chamar a atenção. Não tive nem tempo de completar a frase. Quando dei por mim ele tinha desaparecido. Vai ver ficou bravo. E o que eu posso fazer se é a mais pura verdade. Meu olhar e o formato da minha boca passam mesmo essa impressão, o da tristeza. Um quê de melancolia.

Já outro amigo riu muito ao saber dessa história e me aconselhou a usar lápis para contornar os olhos e um bom batom vermelho. Esse recurso, disse-me, daria um brilho todo especial ao meu rosto. E eu lá quero ter um brilho que não seja o meu mesmo. Não que eu não use maquiagem. Uso, claro, sou vaidosa sim. Mas com a intenção de brilhar? Por favor.

Essas coisas vêm de dentro mesmo, falamos em uníssono eu e outro amigo que adentrava todo feliz na conversa. E foi logo completando: minha cara, esse teu ar de melancolia é você por inteiro, como o meu é esse ar de bonachão. O que seria de nós se não fosse essa singularidade? É verdade mesmo, respondi.  E numa fração de segundos revi rostos de pessoas que mal conheço e constatei o quanto nos enganamos ao julgar um olhar, um sorriso, um rosto mais tenso, uma ruga, um andar, um falar.

Já outro amigo, amigo de cabeceira, mas nem por isso distante, com seus belos textos e um bigode ímpar me ensina que é impossível mesmo nossas expressões faciais, corporais, atestarem todo o sentir. Que não nos apercebemos nem da tristeza nem da alegria que vai dentro de cada um. Porque tudo é muito dentro. No recôndito do ser. E mesmo as palavras ditas chegam-nos de tal maneira que somos sempre remetidos a nós mesmos e a nossa visão de mundo. Na hora me deu um vazio e até fiz uma cara de “poxa vida”, mas seus ensinamentos, frase a frase, página a página falaram mais alto. Nada há a fazer. É da vida, é do homem. E nisso reside toda a beleza.
 

sábado, 5 de outubro de 2013

Coração acelerado aperto o passo.


À medida que eu caminhava o silêncio era cortado apenas pelo farfalhar dos meus passos sobre folhas secas caídas ao chão. Fração de segundos, e lá estava eu praticamente sozinho naquele imenso parque abandonado. Coração acelerado aperto o passo. O suor já começou a escorrer. Um tremor percorre todo meu corpo já molhado. Olho o relógio quase meia noite. E me pergunto: — por que sempre acabo cedendo aos caprichos de Helena e vou ficando, ficando...À bem da verdade gosto de escutá-la. Há algo em sua voz e no jeito entusiasmado de contar coisas das mais corriqueiras do cotidiano. Uma voz doce, suave, que adentra aos meus ouvidos e me leva para longe.E ainda que sua casa seja distante da minha, um lugar retirado da cidade com poucas moradias, iluminação fraca, construções abandonadas, terrenos vazios, sempre encontro algum morador vindo do trabalho. Esse fato me apazigua. Porque medo é medo. E não há ser vivente, nesse mundo, que não se aperreie como diz o caboclo.Só que nessa noite, e não creio que seja pelo avanço da hora, não havia um ser vivente caminhando. Exceto eu. Se é que posso dizer que caminhava, pois era quase um arrasto tamanho o medo que me invadia. 

Nessas horas, penso que há de se ter firmeza e perceber que o medo provoca um jogo de nervos. E que às vezes exageramos, com nossos pensamentos, à sensação do perigo.Na realidade são quase medos, quase anseios, quase destemperos, quase pesadelos, fruto de um mundo violento em que vivemos e que nos incita a pensar no pior. Mas sobretudo porque temos medo da morte. A morte do nosso corpo e fim da nossa identidade singular.O medo que tudo abarca que nos paralisa. Mas o fato é que eu não podia e nem queria caminhar trêmulo, respiração ofegante, feito um menino diante de um monstro imaginário.E ainda restava muito chão pela frente, mas para meu alívio a imagem de Helena se formou em minha frente. Linda como a lua. Seus olhos negros profundos olhavam-me longamente. Seu sorriso escancarado, seu corpo perfeito. Tive a sensação que se esticasse o braço poderia tocá-la.

De repente sua imagem sumiu da mesma forma inesperada como apareceu, e novamente o medo me dominou. Uma coruja ou um pássaro, não sei, piou. Mau agouro diriam os místicos. Apertei ainda mais meu passo bambeante e avistei quase lá no final do parque um vulto.A princípio, como era de se esperar senti um calafrio. Numa mistura de medo e autodefesa cheguei a pensar que o sujeito, o vulto, sentia o mesmo, já que, a rua estava deserta e só nos dois nos encontrávamos ali.Mas à medida que ele se aproximava esse pensamento se dissipou, pois apesar de caminhar com passos firmes possuía uma leveza digna de bailarinos. Foi quando percebi o corpo perfeito. Era Helena. Sorri e fui ao seu encontro. Ela também veio calmamente em minha direção, e já próxima a mim sussurrou: —Com medo meu querido?A pergunta me deixou atônito, não pela pergunta em si, pois tanto Helena quanto eu tínhamos a convicção de ser o medo algo inerente ao ser humano. Sem saber o que responder, dado o inusitado da situação, enfiei a mão no bolso do paletó peguei o lenço e enxuguei o rosto lentamente me escondendo dos olhos de Helena. Quando levantei a cabeça ela não estava mais ali. Acordei dias depois no hospital com Helena ao meu lado. E ainda hoje me pergunto: — meu medo criou toda essa situação? Que outra explicação haveria para me convencer já que não sou um místico e nem um menino com seus monstros. 

domingo, 12 de maio de 2013

da série: Tenho um amigo que disse que eu:





Deveria pensar mais a respeito do assunto já que eu também sou mãe. E que é no parque de diversões que podemos saber quem realmente tem esse dom. O dom de ser mãe. Na hora não quis contrariá-lo, ele estava tão empolgado em sua fala que deixei passar. Não deveria. Acabou indo embora todo sorridente. Com aquele sorriso fruto de quem pensa que sabe e não sabe. Não que eu saiba tudo,ao contrário, mas, pelo menos não fico rindo à toa.

Já outro amigo falou que não é nada disso. E que para nos conhecermos ou conhecermos o outro é preciso silêncio e observação. Coisas impossíveis nos parques de hoje com esses brinquedos velozes e barulhentos. Concordei, em parte, mesmo porque, acho tão pouco só silêncio e observação em se tratando de nos conhecermos. Imagine, então, conhecer o outro.

É preciso mais, muito, muito mais disse outro amigo. E nesse momento fechei meus olhos. Voltei à minha infância ao lado de minha mãe no parque de diversão. Senti o perfume que exalava de seus belos cabelos negros e a força do olhar que sempre teve sobre mim. Naquela época era sim possível saber quem e como eram as mães só pelo jeito como brincavam no silêncio reinante da balança, com seus movimentos de ir e vir, da barca puxada por cordas, do chapéu mexicano com suas voltas vertiginosas. Algumas empurram os filhos como que se através da balança eles realmente pudessem ir embora pra sempre ou a barca afundasse imaginariamente num mar de águas profundas.

Eu felizmente sorria ao ver a alegria de minha mãe correndo comigo para aproveitarmos todos os brinquedos. Mesmo sem saber o que era dom, aquela mulher vivia sua maternidade com todas as forças, talvez porque vivesse todas as outras coisas da vida com a mesma intensidade. Não era só a minha mãe no parque. Ali estava uma pessoa inteira. Uma mulher com vida própria, sabedora de seus desejos mais simples, consciente de que na vida é preciso escolher.

Já outro amigo, amigo de cabeceira, conhecedor dos mistérios que nos envolve, diz:─  “Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes”. 

Mãe, pai, filho, avô, tio... O que importa? Só precisamos mesmo, como canta o poeta, sermos inteiros.


sábado, 11 de maio de 2013

"O ato de parir"



O ato de parir me fez mãe. Entre erros e acertos; mamadeiras e papinhas, segui confiante. E com uma única certeza: a de que ser mãe era não me afastar, em demasia, de mim. Entre amigos, bares, palco, prosa, poesia, trabalhos, eu, com uma energia vinda de não sei onde. Dos deuses, da palavra, da poesia? Provavelmente. Ajudava meus filhos em suas tarefas escolares, contava-lhes estórias, declamava poesias, improvisava cenas teatrais, só para ver o brilho de seus olhos e um sorriso se abrindo lentamente, e, em muitos fins de tarde, também brincávamos de roda, esconde-esconde e tantas outras brincadeiras deliciosas daquela época.  Muito passou. Muito se passou. Novos amigos, novos amores. Segui. E, em todos os momentos, a preciosa presença deles: meus filhos. Mas, em momento algum dei exclusividade. Assim, maturaram. E hoje estão aí: criativos, críticos, decididos, alegres, escolhendo seus caminhos entre erros e acertos. Numa constante troca comigo. E eu só posso, neste dia das mães, como em todos os outros dias, agradecer-lhes por serem quem são e como são. 

                                              

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Meu pai sabia. Nietzsche e... também




Meu pai dizia: “mentira tem perna curta”. Eu, então, com meus oitos anos, na época, arregalava meus olhos negros, brilhantes e o ouvia em silêncio.   E, claro, obedecia-o à risca. Em partes por medo de ficar manquitola, pois via beleza em minhas pernas longas. E, em muito, porque eu admirava o velho com sua larga sabedoria. Depois, veio a adolescência com sua fase de complexos. As pernas deixaram de ser bela e o corpo era problema. Além da negação de alguns ensinamentos familiares. Tudo tão natural e importante de vivenciar nessa fase da vida. Demorou um tempo. Tempo de sofrimento, mas passou. 

O que me lembro com grande alegria é de que se, por um lado, escolhi outros valores para minha vida, por outro, muitos dos valores, os quais ele me ensinou perduram até hoje. É o caso em relação à mentira; que ele completava dizendo: “não se deve fazer uso dela, não.” Nem das chamadas brancas, que além de não existirem, são puro preconceito. Onde já se viu mentira ter cor? E com sua voz rouca, serena, olhava fundo nos meus olhos e me questionava — porque não preta, azul, verde, amarela. Tem que ser branca? Essa coisa sempre o intrigou. Meu pai era um homem de uma curiosidade visceral. De um gosto pela justiça e liberdade sem fim. Cresci assim ao seu lado e quando parti em busca do meu caminho, novamente a questão da mentira estava presente.

Minha geração, nem todos, lutou pela verdade e fomos confundidos como jovens rebeldes, loucos, hippies, irreverentes. Sofremos na própria carne o preconceito e os equívocos de uma sociedade conservadora.  Minha ojeriza pela mentira vem daí. Uma questão política. Consciência de que a mentira, como outras afecções, constitui nosso ser. Mas que, geração após geração, busca extirpá-la. Ensinam seus filhos a lutar pelo aprimoramento. Senão, ainda estaríamos na caverna, da qual nos fala Platão.  Ou ainda, como nos ensina Nietzsche: “Em Crepúsculo dos Ídolos” — dentro da narrativa “História de um erro” — “O mundo verdadeiro uma fábula”. E, Santo Agostinho, na abertura de seu “De Mendacio ou Contra mendacium”; e Kant, Arendt... E tantos outros...
E meu saudoso pai, que entre cores e questionamentos, ensinou-me como é bom ser verdadeiro.


quinta-feira, 21 de março de 2013

O que existe, os poetas fundam -Hölderlim



A poesia está nas ruas, assim como nas coisas. A poesia está em gestos involuntários. Entre frases obscuras. Na parede das cozinhas. Nos anéis da seiva, no tenteio dos filhotes, nas asas que latejam. Nos resíduos dos amantes, misturados com estrelas. A poesia está nos restos dos dias. Nos silêncios. Pouco percebida, a poesia verte sua secreta alquimia: transfigurar os sinais de menos, as marcas da miséria, o rumor do que poderia ter sido. Resgatar a dança de esperanças perdidas, o frescor das bocas, as mãos em luta amante com a matéria do mundo. Água vital das origens e das utopias, e sede infinita, a poesia está em tudo. No entanto, em paradoxo: a poesia é raríssima. Dificílima. Poucas, raras vezes a poesia emerge da natureza das palavras e transforma-se em poemas. Poucas, raras vezes os verbos e os nomes se fazem a carne absoluta da poesia, som e sentido em unidade mágica que recria o real, inventando-o. Milhares e milhares de versos, para algumas palavras de poesia. Muitas toneladas de matéria-prima-para alguns gramas de poema (Maiakovski).

Necessidade vital: por que tão escassa?

Por um lado, o mistério da emergência do poema, seu nascimento não redutível à consciência lógica nem à intencionalidade do sujeito que poeta.Por outro lado, há poucos instantes possíveis para o florescimento da poesia na história cotidiana.É preciso conviver com os poemas. Andar com eles. Sonhar com seus signos. Ler, reler, não sei quantas vezes. Renascer com suas palavras vivas. Expor-se à sua permanente revolução da linguagem. Deixar-se seduzir por seus cantos.

HÖLDERLIN-  foi ignorado por  Goethe e exaltado por Nietzsche. Segundo Heidegger, foi um "poeta da poesia", pois acreditava que "o que permanece, fundam-no os poetas".



quinta-feira, 14 de março de 2013

da série: Tenho um amigo que disse que eu:



Ando nas ruas como se estivesse no ar, pisando nas nuvens. Não é aquele meu amigo que já comentei, aqui, várias vezes não. Ainda que ele também tenha falado algo semelhante, mas de lá pra cá mudei muito. Aliás, a gente muda com o tempo, ou melhor, a cada momento, a todo instante. Digo no voo do instante. Não que isso seja problema, creio eu. E também nada a ver com ser volúvel, inconstante, não ter opinião formada e por aí. E tenho um amigo, ou melhor, nunca nos conhecemos pessoalmente, mas eu o admiro tanto que, ouso chamá-lo de amigo, nas minhas noites de insônia são suas músicas que me tocam profundamente: — “eu prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre todas as coisas.”

Já outro amigo disse que não é nada disso — é que minha maneira de andar está envolta em um grande mistério e que isso fica impregnado no caminho por ando passo. Nossa que susto. Nunca pensei que o simples ato de andar pudesse provocar tanto. Mas provoca. E a bem da verdade, seja lá o que isso quer dizer, não concordo com esse amigo não, pois todos estamos envoltos em um grande mistério. Não só eu. 

É que cada pessoa tem seu jeito singular de caminhar. Uns mais rápidos apressados com seus infindáveis compromissos e envolvidos com o intenso movimento da cidade; outros com seu caminhar lento, compassado, feito eu, absortos com a paisagem com a beleza do movimento ou matutando algum pensamento, relembrando momentos.  E não é que nesse exato momento chegou meu velho e bom amigo que, todo prosa, foi logo dizendo: — caminho e caminhante o que importa mesmo e enxergar além do que se vê. Eu ri aquele meu rizinho que começa no cantinho... Você,caro leitor, por certo sabe. Esse mesmo.


segunda-feira, 11 de março de 2013

Convite


Grupo Trança de Teatro
Texto Sueli Aduan
Direção Rosana Kali






quinta-feira, 7 de março de 2013

Fêmea humana, uma linguagem



Ninguém nasce mulher: torna-se.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da sociedade que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.Somente a mediação de outrem pode construir um indivíduo como um outro.
Simone de Beauvoir


Opressão do gênero, Opressão de Classe
Apesar das conquistas alcançadas, há muito a ser feito.
Sueli Aduan

A linguagem, como sabemos, tem papel fundamental na constituição das coisas. E quando o assunto é “sexual”, então, há diferenças marcantes na construção de como as coisas são escritas, ditas. “Cria-se assim, por conta dessa mesma linguagem: “um tipo de mulher” e, muito provavelmente, “um tipo de homem”, e como consequência, o preconceito”.

A partir daí, a defesa de papéis e de como devem viver homens e mulheres é uma questão também de poder. Para a mulher, ainda que muito tenha se conquistado, cria-se o lugar privado (lar/segurança/família); e para o homem, com sua total independência, a rua, a liberdade, o público.

O que traz uma situação de mando, domínio, autonomia para ele; e total dependência, submissão para ela. Criam-se dicotomias: a mulher ideal (centrada na vida do marido, da casa, dos filhos) e todas as outras (libertinas devassas).  Esse equívoco na defesa dos papéis seja pela sociedade como um todo ou por pequenas minorias, produz o macho com a prerrogativa do intelecto e a fêmea fechada em si, no próprio corpo que a define como mulher.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

PROJETO ESPECIAL: “QUARUP PARA MANTOVANI”

Carlos Roberto Mantovani
O Quarup é um ritual. Ritual de homenagem aos mortos ilustres celebrado pelos povos indígenas da região do Xingu . Este projeto especial é um tributo a  Carlos Roberto Mantovani, artista multifacetado e personalidade cultural de Sorocaba. As atividades propostas irão revelar preciosidades de sua obra composta de incontáveis conexões artísticas que em *linguagem distintas trarão reverberações de sua arte à nova geração de artistas, criadores e interpretes.


WORKSHOP DE LITERATURA- 
Coordenação: Sueli Aduan
18 / 4 a 2 / 5 - quintas- feiras - 18h50 às 21h50
Publico alvo: interessados em literatura 
                                      Inscrições: 25 / 2 a 17 / 4  -
                                              Seleção: primeiros inscritos-
                                              20 vagas

SARAU:
ATO POÉTICO "O DRAGÃO QUE ME QUEIMA É O MESMO QUE ME SAVA"
9 / 5 - quinta-feira - 19h
Indicação livre
60 vagas

Partindo da leitura de poemas presentes nos livros "Escritos Ordinários" e Redundância" de Carlos Roberto Mantovani, o workshop propõe exercícios de escrita e interpretação, difundindo assim a poesia integrante da obra multifacetada de Mantovani, destacando a importância artística deste poeta  de Sorocaba. Além de despertar para as infinitas possibilidades do fazer literário, a atividade terá como resultado final a ralização de um Ato Poético.Sueli Aduan

Sueli Aduan: graduada pela Faculdade de Filosofia Ciência e Letras de Sorocaba, Professora: SENAC-SOROCABA: Metodologia do Trbalho Científico; Escrita e Redação. Palestras SESC - SOROCABA: "A poesia na Contemporaneidade" e "A didática na criação do conto". Conto:"No voo do instante" contemplado pelo PROAC - 2012- dentro do Projeto 'Redemoinho das Artes"



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

da série: Fração de segundos


Quando o médico disse o resultado ela respirou fundo e esboçou um discreto sorriso. Sentiu-se entre aliviada e surprêsa. Alívio em saber que por um tempo imprevísivel estaria saudável,  viva, parte de um mundo que nem ela nem ninguém controla. Pronta novamente para entregar-se aos seus afazeres cotidianos, seus projetos, experiências, sonhos. A surprêsa  se deu por, mais uma vez, perceber a fragilidade humana frente as pequenas e grandes situações de instabilidade que todos vivemos. Numa fração de segundos,  tudo  se altera. O que era deixa de ser. Num mundo feito de alternâncias, diferenças e conflitos não poderia mesmo ser de outra forma. E a beleza reside justamente no movimento e  no repouso; na alegria e na tristeza; no trabalho e no descanso; e em tudo que pulsa.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

da série: Tenho um amigo que disse que eu:



 Mudo feito sertanejo em épocas de seca. A princípio, pensei que ele se referia à cor dos meus cabelos, já que faz tempo não mudo de cidade, de casa. E até perguntei: —  Você gostou da cor atual? Ele arregalou os olhos e sorrindo disse: — Não é nada disso, me refiro ao seu modo de pensar, da sua visão de mundo. Eu dei aquele sorrisinho que você, leitor, já conhece e não mudou nadica de nada. Começa no cantinho esquerdo da boca e mal parece um riso, é mais um mexer de lábios mesmo. Sorriso perceptível para poucos, raros eu diria. Gente que gosta de matutar, observar, silenciar.

Já um outro amigo diz que não se trata de nada disso não, e que a vida da pessoa é assim mesmo.Uns permanecem sempre os mesmos. E não querem mudanças, a não ser àquelas pequeninas. Coisas do viver diário.  Crescem na mesma cidade, mantém os mesmos amigos da infância e até acrescentam alguns outros. Mas estão sempre nos mesmos lugares. E para esses a vida é assim mesmo, apenas um suceder de dias.  Já outros traçam outras experiências, são inquietos por natureza, ávidos por viver intensamente, e nos dão a impressão de que cada dia é um novo dia na vida deles.

Já um outro amigo, amigo maior, desses que sempre tem algo a nos dizer e sabedor que a vida é feita de prosa e poesia diz que não se trata de uma simples mudança. E sim de aprimoramento. E visão de mundo tem a ver não só com novas experiências, mas principalmente com incorporar ao nosso viver diário aquilo que lemos nos bons livros. E, com sua voz doce e rouca, leu para mim:

“uma leitura que nos põe em estado de perda, que desconforta, faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem, com a vida”.  Roland Barthes.

E completou: — aí sim, minha amiga, podemos nomear de mudança, pois se dá por inteiro. Eu sorri, mas dessa vez um sorriso escancarado.


BARTHES, Roland. O prazer do texto. 3. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2002.



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

DESAPRENDENDO A LIÇÃO




DESAPRENDENDO A LIÇÃO
Affonso Romano de Sant’anna

“Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. Esta frase de Roland Barthes é instigante. Desmistifica a prática usual do ensino. Por isto, ele continua seu pensamento afirmando que é preciso “desaprender”, "deixar trabalhar o imprevisível” até que surja a chamada “sapiência”, uma sensação de “nenhum poder, um pouco de saber”, mas com “o maior sabor possível”. E num seminário em Paris, praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro na classe não tivesse tema pré-determinado. O desejo inconsciente do saber é que deveria aflorar o tema. Ali os alunos deveriam não apenas desejar saber, mas saber desejar.

Desejar o saber é uma primeira etapa, mas saber desejar é refinada atitude. Entre um e outro vai a distância do canibal ao gourmet.Como derivação das colocações de Barthes se poderia dizer: o professor pensa ensinar o que sabe, o que recolheu dos livros e da vida. Mas o aluno aprende do professor não necessariamente o que o outro quer ensinar, mas aquilo que quer aprender. Assim o aluno pode aprender o avesso ou o diferente do que o professor ensinou. Ou aquilo que o mestre nem sabe que ensinou, mas o aluno reteve. O professor, por isto, ensina também o que não quer, algo de que não se dá conta e passa silenciosamente pelos gestos e paredes da sala. É, aliás, a mesma história que se dá com o texto. O autor se propõe a dizer uma coisa, mas o leitor constrói sua leitura segundo suas carências e iluminações. Por isto se equivocou Jacques Derridá ao dizer que o texto escrito segue livre sem paternidade, enquanto o discurso oral é tutelado pelo orador. O orador também não controla seu discurso, pelo simples fato de estar presente.

A palavra ao ser pronunciada já não nos pertence. O orador é falado pelo seu discurso. Fala-se o que se pensa que se sabe, ouve-se o que se pensa que foi pronunciado. O sentido é construído a muitas vozes e ouvidos, harmonicamente. Tinha razão o polifônico Sócrates: “A verdade não está com os homens, mas entre os homens”. Repitamos a frase de Barthes: “Há uma idade em que se ensina o que se sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. E adicionemos o seguinte raciocínio: em geral pensa-se que o professor é aquele que “fala”, que preenche com seu encachoeirado discurso uma aula de 50 minutos ou um seminário de três horas. Este é um conceito de ensino como uma atividade “oracular” da parte do mestre, que se complementa numa passividade “auricular” da parte do aluno.

Contudo, assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode ostentar apenas ansiedade. O conhecimento pode se instalar no entreato. O silêncio também fala. É isto que se aprende durante as ditaduras. E, por outro lado, durante as democracias se aprende que o discurso nem sempre diz. Portanto, à audácia de desaprender o aprendido soma-se a astúcia do silêncio. No princípio era o Verbo. A construção do silêncio exige muitas palavras. O escritor, por exemplo, constrói uma casa de palavras para ouvir seu silêncio interior. Comecei falando em Barthes. E aquela frase inicial dele remete não só para a questão do “saber” e do “sabor”, mas do “saber” e do “poder”. Na verdade enriquece-se o saber combatendo-se o poder que ele aparenta. E uma forma de incrementar o poder é o “perder”. Assim, o melhor professor seria aquele que não detém o poder e nem o saber, mas que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma forma de ganhar e o saber é recomeçar.

E para terminar, nada melhor que uma frase de outro desconstrutor de verdades, que é Guimarães Rosa: “Mestre não é quem ensina, mas aquele que, de repente, aprende”.



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Insólito viver

Performance- Movimento Butô-Poesia Hacai
Salto 2012


Dança pássar guerreiro.
Voa e sonha.
Homem livre
Dança que sua pena, pele, é poesia.
Palavra texto.
Sagrado corpo.
Nu
Linha a linha.
Registro do verso.
Marcas do tempo.
Tempo do homem.
Do corpo.
Da poesia.
Deuses
Demônios
Sons
Silêncios
Esse insólito viver.


Obs: Poesia Haicai construída sempre com tres versos ( na poesia Insólito viver -os tres primeiros) O restante dos versos escrevi para atender a performance.