quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

DESEJO - Carlos Drumond de Andrade

Desejo a você...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme do Carlitos
Chope com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a Banda passar
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus.
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de Amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-do-Sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel...
E muito carinho meu.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Libidinoso


desenho tua boca
no ar, vermelho contorno
doce desejo
e gosto de fruta.
amarelo manga
verde hortelã
molhado sabor
entre salivas e
pensamento
desperdício libidinoso

sábado, 20 de dezembro de 2008

Cumpli cidade


praças do mundo
praça de Roterdã
praça de Honolulu
praça de Sorocaba.
difere
o homem
difere
a vida.
cumpli-cidade
vela no barco,
inconstante ao vento,
quer o porto seguro.
busco voltar

é possível?
na intersecção dos planos
a bombordo de uma nau perdida
no lusco-fusco das indecisões.

é preciso
lavar o olhar
fotografar idéias, imagens repetidas
minha cidade

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Resposta para tudo....
Desconfio das palavras “pessimismo” e “otimismo” – diz Milan Kundera. – Um romance não afirma nada; ele busca e formula questões. Não sei se minha nação vai morrer e não sei qual dos meus personagens tem razão. Eu invento histórias, ponho uma em confronto com a outra, e dessa maneira faço perguntas. A burrice das pessoas vem de elas terem uma resposta para tudo. A sabedoria do romance vem de ele ter uma pergunta para tudo. Quando dom Quixote saiu pelo mundo afora, esse mundo se transformou num mistério diante de seus olhos. É esse o legado que o primeiro romance europeu deixou para toda a história subseqüente do romance. O romancista ensina o leitor a compreender o mundo como uma pergunta. Nessa atitude há sabedoria e tolerância. Num mundo baseado em certezas sacrossantas, o romance morre. O mundo totalitário – seja ele baseado em Marx, no Islã ou em qualquer outra coisa – é um mundo de respostas e não de perguntas. Seja como for, creio que em todo o mundo as pessoas hoje em dia preferem julgar e não compreender, responder e não perguntar, de modo que a voz do romance é difícil de ouvir em meio a toda a tagarelice insensata das certezas humanas.
-parte final da entrevista que Milan Kundera deu a Philip Roth em 1980 e que faz parte do livro - Entre nós-um escritor e seus colegas falam de trabalho-Companhia das Letras com tradução de Paulo Henriques Britto

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008


EDGGAR ALLAN POE


A Construção do Efeito

Ao iniciar o processo do escrever estórias, é o efeito que o autor deve levar em conta: qual o efeito que pretende causar no leitor? A primeira pergunta que se faz é: “Dentre os inúmeros efeitos ou impressões a que o coração, o intelecto ou (mais geralmente) a alma são suscetíveis, qual deles, neste momento, escolherei?”O que pretende o autor? Aterrorizar? Encantar? Enganar? Já havendo selecionado o efeito, que deve ser tanto original quanto vívido, passa a considerar a melhor forma de elaborar tal efeito, seja através do incidente ou do tom: “se por incidentes comuns e um tom peculiar, ou o contrário, ou por peculiaridade tanto de incidentes quanto de tom”. E em seguida busca combinações adequadas de acontecimentos ou de tom, visando a “construção do efeito”.Poe ilustra este percurso com a sua própria experiência na construção do poema “The Raven”, determinando as etapas de execução de um projeto: a extensão ideal de mais ou menos cem versos, o tom de tristeza, os recursos necessários para se atingir este tom: uso do refrão, tema da morte, espaço do quarto, símbolo do corvo, ambiente soturno, personagem sofrendo a ausência da amada morta, o desfecho com pergunta final: ainda veria a sua amada no outro mundo?

domingo, 14 de dezembro de 2008

É difícil escrever sobre escritores exponenciais.
Fica sempre a sensação de que faltou dizer quase tudo.
É o caso do poeta, ficcionista e bibliófilo argentino Jorge Luis Borges
(1899-1986), que é seguramente o maior nome das letras em seu país e um dos pontos altos da literatura mundial no século XX.



O fazedor
Tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques

Um pintor nos prometeu um quadro.Agora, em New England, sei que morreu.
Senti, como outras vezes, a tristeza de compreender que somos como um sonho.
Pensei no homem e no quadro perdidos.

(Só os deuses podem prometer, porque são imortais.)
Pensei num lugar prefixado que a tela nãoocupará.
Pensei depois: se estivesse aí, seria com o tempo
uma coisa a mais, uma das vaidades ou hábitos da casa;
agora é ilimitada, incessante, capaz de qualquer forma e qualquer cor e a ninguém vinculada.
Existe de algum modo.
Viverá e crescerá como uma música e estará comigo até o fim.
Obrigado, Jorge Larco.
(Também os homens podem prometer, porque na promessa há algo imortal.)


_

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Para começo de conversa
( trechos do Ensaio- Carlito Azevedo)- Do Livro -Seletas: João Cabral de Melo Neto
Esqueça aquela imagem de poeta como um ser especial, uma personalidade fora do comum, cuja euforia ou sentimentalismo seriam expresssos em versos melodiosos, ritmos hipnóticos,vocabulário rebuscadíssimo e imagens oníricas.
O poeta, homem comum, falando a linguagem do homem comum e escrevendo sobre uma realidade comum a todos (e não sobre uma realidade ou irrealidade extraordinária que somente "o ser iluminado" teria acesso).
Esqueça também aquela idéia de que o poeta escreve sob o impacto de uma inspiração divina, idéia esta muitas vezes acompanhada pela imagem de uma "Musa", quase sempre alada, que sopra aos ouvidos do poeta os versos que ele vai anotando como se estivese em transe mediúnico.
O poeta prefere que o poema seja uma conquista árdua do trabalho rigoroso da atenção, do raciocínio., pois o poeta não é um ser alienado, e que em sua "infinita pureza" não pode ser maculada pela realidade social e histórica do mundo em que vive, que sua função é apenas celebrar as belezas da vida e a eternidade da arte.
O poeta fala da luta do homem pela sobrevivência, de touradas, de galinhas, asas de borboleta, de... poesia também, afinal ele sabe que para fazer a crítica da realidade é preciso, ao mesmo tempo, fazer a crítica do material com que se investiga a realidade, ou seja, a palavra.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Bacanal
Manuel Bandeira
Quero beber! Cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz em caco...
Evoé Baco!
Lá se me parte a alma levada
No torvelim da mascarada
A gargalhar em doudo assomo...
Evoé Momo!"
GOMACOMAGOMA
Sueli Aduan

Bala de goma
goma de masgar
goma colorida
doce da vida
goma de chupar
coma goma
coma

em coma
bala de atirar
bala de perfurar
amargo da vida
bala de matar
em coma
em coma
Sem metal
Sueli aduan
Noite.
Da rua o
som sem metal.
São Paulo, Nova York, Santiago.
Noite no mundo,
No coração do mundo,
no homem.
O Espelho
Sueli Aduan
Dormiu mal a noite toda. Levantou-se rápido, tinha pressa, queria ser o primeiro a chegar à empresa.
Olhou sua imagem no espelho automaticamente. Olhou por olhar, sem se ver, como quem olha para o nada. Tal qual um gato que passa entre os móveis, só por passar.
Como de costume, abriu o armarinho e pegou o creme de barbear, numa fração de segundos já estava com o rosto pronto, todo cheio, de espuma.
Maravilha gritou feliz, serei o primeiro a chegar e ninguém para atrapalhar meus planos.
Nesse exato momento ouviu a campainha. Estremeceu, quem seria a essa hora? Tomado de susto, sem reação alguma a única coisa que fez, numa mistura de loucura e medo, foi fechar a porta do banheiro.
Permaneceu assim alguns minutos, estático encostado na parede, com a navalha na mão.
De repente, começou a rir parecia um papai Noel, com toda aquela espuma espalhada pelo rosto. Ria, ria muito, mas sufocava o riso com uma das mãos na boca, preocupado que pessoa do outro lado da porta pudesse ouvi-lo.
Foi quando, pela primeira vez, em muitos anos olhou-se realmente no espelho, no fundo de seus olhos.
A princípio assustou- se com a aparência envelhecida, com os cabelos brancos, com o olhar opaco, tristonho.
Então assim, como numa cena de filme, o riso foi se fechando vagarosamente, dando lugar a uma estranha seriedade, ugar àuma contração dos músculos faciais foi se formando, a respiração tornou-se mais lenta, e mesmo com toda aquela espuma era possível ver algumas rugas.
Como elas surgiram, assim, tão de repente? Como ele não se deu conta da existência delas? Há quanto tempo não prestava atenção em seu corpo, em sua fisionomia? Em seu próprio rosto.
Perguntas vindas à sua mente, como uma tempestade em dias de calor. Lavou o rosto, lentamente, tirou toda a espuma, guardou a navalha no armarinho da parede, e ali ao som da campainha insistente permaneceu, sem a mínima curiosidade, de sabe quem àquela hora da manhã o procurava.
Talvez fosse engano, alguém com endereço errado. Ou não? Alguém pedindo ajuda, um assassinato? Um convite para festa? Nada, nada o movia.
Por uns instantes pensou no casal do 72, brigavam muito, lembrou-se da mulher no elevador, com um dos olhos roxo, escondendo-se atrás de enormes óculos escuros, cabelos caídos sobre a face; lembrou-se da velhinha do 76, vivia reclamando de fortes dores no peito, teria morrido? E porque o avisariam? Mal e mal trocavam algumas poucas palavras, sempre no elevador.
Deu-se conta que, ultimamente, evitava o elevador só para não encontrar com as pessoas, ter que cumprimentá-las, ser gentil, sorrir. Novamente o tremor por todo seu corpo. Estaria enlouquecendo?
Quando menino, sua mãe sempre reclamava, sem esconder a raiva, o quanto seu pai era esquisito falando sozinho pela casa. Adulto ainda guardava a imagem dela, de vestido vermelho, gritando:
_Cale essa boca, velho, miserável.
Seu plano em relação à empresa afastava-o do convívio com as pessoas, da descontração de uma conversa no finalzinho da tarde, do futebol aos sábados, rotina dos homens do edifício.
O que o tornava tão diferente de seus vizinhos? Suas escolhas, suas leituras, seu silêncio, sua infância solitária? E porque um simples toque de campainha imobilizou seu corpo, encheu sua mente de questões?
O que estaria por trás disso tudo? Seria o destino, o acaso, ajudando-o a conter sua vingança?
Não, não acreditava nisso. Levaria seu plano até o fim. Tinha colocado os últimos anos de sua existência em cima da idéia que achava genial. Não seria um simples tocar de campainha que o deteria.
E nunca fora dado a preocupar-se com nada disso. Todos envelhecem, todos têm suas manias, uns gostam de movimento, barulho, outros preferem silêncio e solidão.
Era sim, um sujeito normal, igual a tantos outros que todas as manhãs barbeiam-se, dirigem-se ao escritório, cumprimentam-se amigavelmente e seguem à vida.
Decidido resolveu fazer a barba. Como de costume, abriu o armarinho da parede e pegou o creme de barbear, numa fração de segundo já estava com o rosto pronto, todo cheio, de espuma.
De posse da navalha olhou-se no espelho, nesse exato momento, percebeu que nada mudaria sua decisão.
Olhou-se mais uma vez, profundamente, enxergou as rugas, os cabelos em desalinho, a empresa, a vingança, a infância, o vestido vermelho... Nada o movia.
O som da campainha em seus ouvidos, a voz da mãe e a porta do banheiro fechada.
Foi preciso arrombá-la, dias depois, sangue e espuma grudados no espelho.
Seria destino?



terça-feira, 2 de dezembro de 2008

.... “Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco”.
(Memórias de Minhas Putas Tristes . pg.74- G.G.Márquez)