segunda-feira, 29 de junho de 2009

A PALAVRA E O SILÊNCIO


A maior ou menor capacidade de nomear o mundo define a maior ou menor perplexidade e terror em relação ao mesmo.

No momento em que as coisas são nomeadas, rotuladas, deixam de ser assustadoras e passam a fazer parte do conhecido, do familiar.

O processo de apreensão do mundo pela palavra, contudo, tende a revestir a realidade com uma opacidade embrutecedora que anestesia a nossa percepção e nos induz a ver como óbvio, banal, algo que em sua essência é mágico e misterioso.

Dentro desse universo, onde a palavra deixou de habitar o mais íntimo da alma humana e perdeu, para usar uma expressão de Guimarães Rosa, a sua condição de “porta para o infinito”, a literatura constitui um elemento de transcendência, um meio de quebrar os condicionamentos limitadores do cotidiano e (re)instaurar o sentido “místico” das coisas.



Júlio César de Bittencourt Gomes. Professor de literatura, pesquisador na área de literatura e cinema, colaborador de "Teorema" - revista de cinema -, doutor em literatura brasileira pela Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), com a tese Imagens, Esquinas e Confluências: um roteiro cinematográfico baseado no romance "O quieto animal da esquina", de João Gilberto Noll.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

....como adivinhou?

Um homem anda por uma estrada próxima a uma cidade,quando percebe, a pouca distância, um balão voando baixo. O balonista acena desesperadamente, consegue fazer o balão baixar o máximo possível e grita:
-Hei você, poderia me ajudar? Prometi de pés juntos a um amigo que me encontraria com ele às duas da tarde, porém já são quatro horas da tarde e nem sei onde estou. Poderia me dizer onde me encontro?
O outro homem, com muita cortesia, respondeu:
-Mas claro que posso ajudá-lo! Você se encontra em um balão de ar quente, flutuando a uns 20 metros acima da estrada. Está a quarenta graus de latitude norte e a cinqüenta e oito graus de longitude oeste.
O balonista escuta com atenção e depois pergunta com um sorriso:
-Amigo, você trabalha com consultoria, né? -Sim, senhor, ao seu dispor! Como conseguiu adivinhar?
-Porque tudo o que você me disse está perfeito e tecnicamente correto, porém esta informação me é totalmente inútil, pois continuo perdido. Será que você não tem uma resposta mais satisfatória?
O consultor fica calado por alguns segundos e finalmente pergunta ao balonista:-E você...
É político, não?
-Sim, sou realmente. Como adivinhou?
-Ah! Foi muito fácil! Veja só: você não sabe onde está e nem para onde vai. Fez uma promessa e não tem a mínima idéia de como irá cumprir e ainda por cima espera que outra pessoa resolva o seu problema. Continua exatamente tão perdido quanto antes de me perguntar. Porém, agora, por um estranho motivo, a culpa passou a ser minha...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

"..não era pra tanto"

...não tive a intenção, senhores, disse calmamente, atitude esta que procuro colocar em pratica nessas ocasiões, se bem que sempre há uma intenção, e eu sei disso , nada é isento, nada está assim por estar, ao acaso, se bem que o caso não era pra tanto, não havia necessidade de criar tanto caso, e nesse caso resolvi me explicar:
_não falei por falar, se falei é porque realmente penso dessa maneira, e também grande merda, senhores, que penso o que penso, todo mundo pensa o que pensa, e, isso não altera em nada a ordem das coisas.
Com os ânimos alterados, mas sob controle, ainda tentei dizer:
_O que altera é..., mas não pude completar a frase, não me deixaram, a coisa começava sair fora de controle, todos falando ao mesmo tempo, percebi e, não precisava ser nenhum gênio para tal conclusão.
Algumas pessoas estavam mesmo bastante alteradas, isso me fez lembrar de meu avô, com aquele seu sorriso largo, sua voz suave a dizer:
_ pessoas com raiva são perigosas, achei sensato colocar em prática essa lição, da minha juventude, e acalmar o ânimo dos presentes.
Ah.como a gente se engana.
Que nada! o que queriam mesmo era contenda, blábláblá coisas de gente dada a mostrar-se, disputa das mais ferrenhas, alguns só faltaram puxar do bolso a carteira, na esperança de ali encontrar algum título ou documento que provasse sua formação, sua competência, como se as coisas funcionassem assim.
Ah. essa gente.
A minha vontade nessa hora não era puxar a carteira. O que eu queria, nesse momento, era sacar a.45 dar dois tecos na boca de qualquer um ali presente e mostrar que ignorância se resolve com ignorância maior, se é que isso é possível, mas de novo a imagem de meu avô com seu cigarrinho no canto da boca, a fala mole, a mostrar-me tanta sabedoria, que me contive, mesmo porque não possuo armas, muito menos carteira.
Nessa confusão toda acabei até me esquecendo do que disse, naquele espaço, que a meu ver, deveria ser o da troca das idéias.
Caro leitor (leitores)
O que será que eu disse a essa gente pra causar tanto...?




terça-feira, 16 de junho de 2009

Pequeno Poema Didático

O tempo é indivisível.
Diz: qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas, mas fica a árvore, contra o vento incerto e vário.
A vida é indivisível.
Mesmo a que se julga mais dispersa e pertence a um eterno diálogo, a mais inconseqüente conversa.
Todos os poemas são um mesmo poema,
todos os porres são o mesmo porre.
Não é de uma vez que se morre... todas as horas são extremas!

Mário Quintana (1906 - 1994) nasceu em Alegrete - RS.
Pertencente à segunda geração do Modernismo, é chamado de poeta das coisas simples, despreocupado com a crítica. Em suas poesias percebe-se bom-humor e coloquialismo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Ser Zen


A filosofia budista pode às vezes nos levar às últimas fronteiras do pensamento abstrato, com conceitos como "vazio" e "iluminação", mas a Verdade de seus ensinamentos só pode ser encontrada na nossa vida cotidiana.
Ser Zen não significa fazer algo especial, mas realizar conscientemente todas as atividades cotidianas.
Certa vez perguntaram ao mestre Nan-ch'uan: "O que é Zen?"
E ele respondeu: "A mente comum é completamente Zen."

domingo, 7 de junho de 2009

De Paris a Bom Jesus de Pirapora

É de não acreditar mesmo, mas ao mesmo tempo é muito comum, acontece a todas as pessoas, todos os dias, pra não dizer todo instante, a umas mais outras menos. Mas ninguém reclama, também reclamar a quem.
De Paris a Bom Jesus de Pirapora não há escape, criança, jovem, velho, rico, pobre. Aí parece que a justiça existe, e a distribuição, se não é igual, pelo menos todos experimentam. Basta estar vivo.
É o imprevisto, a surpresa, o inesperado.
Eu estava hiper ansiosa, finalmente a editora tinha um parecer, pô já era alguma coisa, muita coisa, isso depois de trozentos e-mails, intermediações, depois de muito quazquazquaz, revisões, anotações etc.etc.etc.
Levantei afobadíssima, um clic e pronto, o trabalho de anos, anos, e anos, e que num pau do computador, perdeu-se.
Não deu pra recuperar foram às palavras do técnico, e ,assim tranquilamente:
_aquela pasta que a senhora falou já era. A senhora num custuma fazer backup?
Porque será que as pessoas escolhem o pior momento com perguntinhas, pois é, respondi sempre deixo pra depois, isso aqui tb não é uma empresa não é? Completei. Ele não deixou por menos, mas é sempre bom, canja e caldo de galinha não faz mal a ninguém. Ai maldito ditado popular, tão certo.
A saída foi levar o original, á única cópia, de 318 páginas. Levei.
Qual era a minha sina aquele dia? Naquele dia, dei mole pro azar, ou o nome que se queira dar a isso tudo: mandinga, urucubaca, carma, catiça de Maria negrinha, praga de parteira, coisa do tinhoso.
Porque não há outra explicação pro sucedido, como diz o caboclo. Foi eu virar a esquina e aquele pacote caiu com tudo na única poça d’água na rua. Choveu só ali, pelo jeito.
Quem colocou essa poça aqui gritei. Já em quase delírio. Quase?
Qual o mistério em tudo isso, o que está por trás. Nada, nadica, só o viver pura e simplesmente. Será?
Tenho um amigo que diz que é a dinâmica da gente, que é só perceber qual é a sua, que elimina essa repetição de coisas,digamos ,filhas de uma puta, que acontece na nossa vida. Fácil assim di-nâ-mi-ca. Minha vontade era meter-lhe um soco. Contive, afinal eu que contei toda a história, dias depois.
Há os psicólogos de plantão pra dizer que é coisa de infância ou algo não resolvido na sua sexualidade, que gera essas situações de auto-sabotagem. Sabotagem, cada uma.
Há também a turma da espiritualidade, uma amiga, quando lhe contei disse: que talvez eu não me ache merecedora de viver situações alegres. Caramba mais essa agora. Então eu gosto de sofrer. Meus amigos sei não, é porque gosto muito deles. Mas não se salva um. O cambada de malucos
No fundo, no fundo eu sempre soube que de Paris a Bom Jesus de Pirapora... pobres, ricos, jovem .... que acontece a todos , todos os dias....esse mistério do viver que nos traz o bom e o ruim...e que tanto um como outro passam.
Só não acho justo, tenho um amigo que falou que justiça....

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O Apanhador de Desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
Fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios

Manoel de Barros-do livro “Memórias Inventadas”