quinta-feira, 29 de julho de 2010

Velhos sapatos.. longas caminhadas...

Imagem: fotomontagem dos sapatos pintados por Van Gogh.
by Imaginário Poético

Escrito no período de 1776, Os devaneios do caminhante solitário, até a véspera de sua morte, em 1778, o livro é um contundente e tocante registro dos derradeiros devaneios que ocuparam as andanças solitárias de Rousseau por Paris e seus arredores.

Já no primeiro capítulo, Rousseau deixa claro que este é um diário de suas reflexões, no qual pretende examinar seu afastamento e sua resignação frente à sociedade. Nestes ensaios, ele apresenta sua visão filosófica da felicidade: a dedicação exclusiva aos simples prazeres da vida ordinária, como a contemplação da natureza por meio de longas e solitárias caminhadas. Reflexivo, divertido e poético, Os devaneios do caminate solitário é uma fascinante exploração do pensamento do filósofo, que revê alguns dos momentos mais marcantes de sua vida a fim de justificar suas ações e se defender dos críticos que o condenaram ao esquecimento.

Publicado postumamente, este grande testamente inacabado é considerado pelo próprio autor como a conclusão de sua obra. Diferente de seus outros escritos, marcados por discursos inflamados, Os devaneios são relatos líricos e serenos, que retratam sua sensação de isolamento e estranheza pelas críticas à sua obra e às suas posições humanistas. Os textos, compostos por dez capítulos denominados “caminhadas”, combinam argumentos filosófico com saborosas anedotas que expõem as considerações do filósofo sobre a natureza do homem, sua individualidade e conduta.

Os devaneios do caminhante solitário
de Jean-Jacques Rousseau
Tradução de Julia da Rosa Simões
 Coleção L&PM POCKET – 144 páginas


domingo, 25 de julho de 2010

"Ser o que sê é...


 
Essa clareza que me chega, lentamente, chega com a noite à lua já alta, traz consigo o cheiro da terra molhada, de flores minúsculas, de ervas do campo, de girassóis distantes, de sons e silêncios.
Mostra-me a vida que palpita no mundo e também no coração dos homens. Um saber que alegra meu corpo toca no profundo de mim, e diz, que não é preciso sorrir o sorriso falso, alardear aventuras inexistentes, e ser o que não se é.
Essa clareza, senhora de si, tem no viver reminiscências das conversas que o dia ouve e produz, dos livros lidos no cansaço dos olhos, das palavras soltas gravadas na memória, e a indiferença aos que sonham sonhos alheios.
Porque sabe que é preciso a busca, seja de uma paisagem, de uma flor, de uma idéia, de um homem ou de uma mulher.
Essa luz, esse saber, fez morada no meu peito, dorme e se levanta comigo e, feito o poeta, me diz bem baixinho:

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim como em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”


poesia: Ricardo Reis- heterônimo de Fernando Pessoa
texto sueliaduan

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Um par de óculos e uma centena de lentes


A relação do homem com o mundo é sempre mediada por suas ferramentas. Ele constrói, apreende e interpreta a realidade a partir dos instrumentos que lhe são fornecidos pela cultura. Tecelão quase compulsivo de si próprio, borda sem cessar teias de significados para dar sentido ao mundo. (GEERTZ, 1989)
Essas teias, onde se misturam pontos abertos e fechados, novos e antigos, e linhas de todas as cores, é a cultura. É a partir desse véu da cultura, dessas lentes, que vemos então as coisas, os outros, e a nós mesmos. Cada cultura, entretanto, teria seu par de lentes próprio, ou, no máximo, certo número de lentes utilizáveis, certo leque de possibilidades de formas de ver o mundo. As lentes de uma sociedade nunca são as mesmas de outra. (BENEDICT, 1997)
Ainda que tenham semelhanças, são encontradas certas nuanças e particularidades. O que pode ser considerado ponto comum entre todos os homens é a armação, a existência dos óculos em si. As lentes, sempre diferentes, vão variar em espessura, cor e formato.
Uma vez vendo os outros por detrás dessas lentes, e a partir de uma visão de mundo, há uma tendência em considerar nossa forma de ver e fazer as coisas como a mais correta, ou mesmo a única correta. Tal postura etnocêntrica consiste em tomar o que é nosso como o verdadeiro, e o que é do outro (e o que é o outro) como digno de reprovação, dando assim aos nossos valores um suposto caráter de universalidade.
Uma vez estando ao nosso lado todas as verdades e a certezas, estaríamos autorizados a interferir, em nome de nossa bondade e piedade, no que é do outro. (TODOROV, 1993)

A Arte de Sensibilizar o Olhar ou Por que ensinar Antropologia?
D. Krischke Leitão.

domingo, 18 de julho de 2010

Versos Alheios


No papel quem me dera palavras.
Chamo Pessoa ele não me escuta.
Quero versos.
Quero também ser do tamanho da minha aldeia.
Quero falar dos sentimentos das pedras.
São só pedras.
Poetas, poetas.


As palavras sufocam.
As idéias morrem.
E o papel ficará em branco.
Branco como a morte.
Lispector empresta-me borboletas.
Quero também voar,
Voar no mundo das palavras


Mas não sou poeta.
Sou um severino,
um sertanejo.
Para mim tudo é
terra,
gente,
fome.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ainda não era

O quintal já não bastava. Os netos, as brincadeiras, o aroma do pé de tamarindo, as aves, o fruto doce, a natureza toda ali presente em seu existir silencioso.
Ainda assim precisava adentrar na mata ouvir os diversos pássaros, escutar a melodia de seus cantos, ver o correr das águas límpidas do rio, ouvir o farfalhar dos animais em seu caminhar, o movimento das árvores ao vento. Dança e magia.
Mesmo com a idade avançada sentia-se como um menino curioso, olhar travesso, peralta, olhar de pássaro. Visão fontana.
E mal rompia a manhã lá estava ele caminhando. Era um andarilho. Saía percorrendo as vielas, olhando as casas, o pouco movimento em volta. Subia e descia morros, parava um pouco, respirava fundo e seguia calmamente.
Ouvir, ver, cheirar, tocar, era tudo que queria, parecia mesmo um ritual quase religioso. Uma devoção.
Quando avistava o rio, como que hipnotizado, lentamente descia até as margens e ali sentado, olhos fechados, sentia o cheiro bom da terra, o barulhinho das águas. Tudo estava bem. E a vida era boa. Nem tanto.
E, assim em alucinados gestos se deixava possuir pela natureza ali presente.
Feito bicho, gritava , pulava, dançava. Ainda não era. Só vivia

sábado, 10 de julho de 2010

da série: Tenho um amigo que disse que eu:



Fico toda vermelha, rubra, quando ele olha para mim, e completa: olha no fundo de mim. Eu rio, mas o que ele não sabe é que essa vermelhidão toda não é exatamente por conta do motivo que ele pensa, ou melhor, pelo que eu penso que ele deve estar a pensar. Trata-se não do olhar e sim do falar. Desde muito jovem eu já reagia assim. Minha respiração ficava lenta e meu corpo todo mole. Sempre tive uma vaga impressão que ia desfalecer, bastava ouvir algo que me entristecesse ou que me causasse espanto e a tonalidade da minha pele mudava, às vezes ficava só levemente avermelhada. Dependia muito do que escutava.
—que nada, mente pra ela, não é sua mãe? Mãe perdoa, boba (ficava rosa claro);
—mas é da Manoela... Ela nem vai perceber, pega logo, é só um bombom (vermelhinho);
—comigo não, mulher que traí merece bala (vermelho rubro);
—essa gente... Pobre é tudo vagabundo (vermelho intenso).
—coisa de veado (vermelho, rubro intenso)
Cresci assim, depois com a idade fui agregando outros tons, oscilando entre vermelho fraco e forte, líquido ou com um sorriso disfarçado.
Um outro amigo, desses que percebem no ar uma situação delicada, veio em meu socorro e de um fôlego só disse: - fica feliz, amiga, a maioria das pessoas não se espanta mais com nada, imagina, então, ruborizar. Mas, além de prestativo, ele também é muito curioso e queria saber o porquê de tanta vermelhidão. Eu até ia explicar, dizer da minha estranheza frente a um mundo tão desigual, imprevisível, triste e belo. Belo como o vermelho da rosa que o amante levou para sua amada, triste como o sangue do menino baleado na esquina, surpreendente como o vermelho dos meus cabelos brancos, mas não tive nem tempo, não.
Derrepente, lá estava o amigo maior, desses que nunca deixam a gente vermelha, mas que nos colocam em brasa, tamanha sabedoria.
E, foi logo dizendo: — Ela é assim mesmo, jóia rara! Eu rio.


terça-feira, 6 de julho de 2010

Melancolia


Por quê?

a geometria não exclui a melancolia.
Quero o triunfo da linha reta,
garantia de um ponto fixo.
Continuarei meu caminho como?
Como um Édipo errante.
Quero algo certo.
ou a certeza de que no mundo,
nada é certo.
Paralizo-me.
E não é sono, preguiça,
É pensamento, perplexidade.
Incoerência da vida.
Tudo: quantidade e volume.
A esfera me faz sofrer.

sábado, 3 de julho de 2010

Serventias da Literatura


Quem milita com Literatura neste mundo de coisas utilitárias, às vezes se vê instigado a responder de pronto: Para que serve mesmo a Literatura? A resposta parece óbvia, mas na hora de responder assim de chofre e de forma objetiva, acaba-se caindo em apuros.
Em primeiro lugar, para se dar uma resposta que convença minimamente, será preciso admitir que há certos fatores que entram na composição das forças do mundo que são, digamos, imateriais. Como a força do Papa, por exemplo, que não tem nenhuma divisão de brigada, mas conseguiu interferir em muitas guerras ao longo da História. São forças não passíveis de avaliação imediatamente em peso, medida ou valor monetário. São coisas que não entram no cálculo do PIB, mas são primordiais. Como o ar , que ninguém calcula o seu preço, mas sem ele não existiríamos para dar preços às outras coisas. Com uma diferença significativa: o ar é natural; a Literatura é invenção da cultura humana.
Seja como for, valendo-me de um ensaio de Umberto Eco, aí vão alguns exemplos de utilidade da Literatura que consegui elencar:
1º — A Literatura contribui para a formação, estabilização e desenvolvimento de uma língua, como patrimônio coletivo. O que seria da língua portuguesa sem Luiz de Camões? O que seria do Italiano sem Dante Alighieri? O que seria do Espanhol sem Cervantes? O que seria do Inglês sem Shakespeare? O que seria da Civilização e da língua grega sem Homero? O que seria da língua russa sem Puchkin? É bom lembrar que línguas que não tiveram uma Literatura que sobressaísse entraram em decadência sem alcançar o apogeu.
2º — A Literatura mantém o exercício, o arejamento, o frescor da língua, que é o principal fator de criação de identidade, de noção de comunidade, do sentimento de pátria e pertencimento a uma placenta cultural que nos acolhe e nos dá sentido à vida tanto individual quanto coletivamente.
3º — A Literatura proporciona o aprendizado, de uma forma lúdica e segura, ao mesmo tempo em que permite o acesso das novas gerações aos valores universalmente aceitos como válidos, como a honestidade, o respeito ao próximo, a importância da cultura, enfim a transmissão de valores morais, bons ou ruins e o senso crítico de escolha entre eles ou rejeitá-los.
4º — A Literatura expande a rede neural do leitor, possibilitando a diversidade das idéias, a capacidade de reflexão, a noção de flexibilidade e a tolerância para com o diferente.
5º — A Literatura enseja o surgimento e a disseminação de valores estéticos, introduzindo na vida das pessoas o verdadeiro sentido do belo, distinguindo-nos da fauna geral.
6º — A confabulação da literatura nem sempre segue o caminho desejado pelo leitor, possibilitando a ele entrar em contado com a frustração ficcional, como exercício das frustrações impostas pela vida de fatos, às quais é bom que resista.
7º — A Literatura, como toda arte, amplia a visão da realidade e cria realidade nova.
8° — Pelo que foi elencado, a Literatura não é uma panacéia — um remédio para todos os males —, mas a base, a plataforma de lançamento de cidadãos melhores, numa sociedade do tipo que todas as pessoas de boa vontade desejam ver implantada.
Certamente o leitor verá “utilidades” diferentes ou mesmo complementares a estas.

POR EDIVAL LOURENÇO EM 03/07/2010 ÀS 02:32 PM
Revista Bula