Desço a rua tranquilamente. Olho o relógio. Seis horas. Rua deserta escuto o farfalhar de meus passos
sobre o chão, cadenciado passo, dança e música misturadas ao silêncio
existente. Na mente nenhum pensamento ordenado ocorre. Trajeto feito todos os
dias, hábito enraizado, é só seguir em frente. Em alguns dias a atenção volta-se para o andar, em outros
para a respiração, há ainda aqueles dias em que se fixa nos cheiros, nos aromas
das casas, nos lixos tombados, no latido do cão e finalmente no gato fugindo
sorrateiramente.
Feito a pássaro livre em seu voo matinal, ela muda
rapidamente. O que determina essa atenção? Nenhuma escolha prévia. Nada. Somente o olhar e o sentir. Distância encantatória entre as
coisas e o homem. Foi numa dessas manhãs, que inexplicavelmente e numa fração
de segundos passei do sentir ao pensar. Um único pensamento tomou conta de todo
o meu ser. Perdi a tranquilidade, o silêncio, a música, a dança, o chão. À
medida que caminhava percebi que seria impossível viver sem resolver tamanho
tormento. Pessoa de extremos voltei para casa. Olhei teu corpo na cama,
passei-lhe suavemente as mãos pelos cabelos negros. Quis acordá-la, mas não.
Para quê? Sobre o móvel deixei-lhe a chave.
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