sábado, 16 de abril de 2011

O HOMEM QUE COMIA PALAVRAS

O Homem Que Comia Palavras
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Godiva

Dionísio era o seu nome. Nome de deus grego amante de festas e orgias. Mas este Dionísio da história era diferente. Avesso a qualquer agrupamento humano, solitário, só tinha uma mania que o distinguia dos comuns mortais: comia palavras.
Foi assim desde criança, quando começou a falar. No início, comia sílabas, depois passou a devorar vocábulos inteiros.
“– Qual o seu nome, menino?”
E ele respondia:
“– Dio.”
“– Dio? Que lindo!”
Na escola, ele levava o dicionário na lancheira. Enquanto a criançada, no recreio, se empanturrava de sorvete e hot-dog, ele simplesmente abria os seus verbetes preferidos no livrinho e comia com os olhos: “Pão-de-ló. S. m. [............], Chocolate. S. m. [............], Orchata. S. f. [............]. Huuummm!!!”
Assim, fazendo dos olhos parte do seu sistema digestivo, devorava o que melhor lhe apetecia.
Os pais o levaram a psicólogos, que logo identificaram sua estranha doença como “verbofagia crônica irreversível”.
Sim, o seu mal não tinha cura, pois, para o tratamento era necessário isolá-lo de livros, jornais e de qualquer material ou objeto que apresentasse palavras impressas. Ou seja, uma missão impossível.
Dessa maneira, Dionísio foi crescendo à sua moda, escolhendo sua alimentação nos cardápios dos melhores restaurantes da cidade. Ele entrava, pedia ao maître o menu e se deliciava com um refinado “canard aux oranges”, um “einsbein”ou um prosaico “beef steak”. Dionísio era um autêntico verbofágico poliglota, um fenômeno de paranormalidade glutônica multinacional.
Essa sua curiosa peculiaridade e seu modo conciso de falar fizeram de Dionísio um verdadeiro deus: Dio.
Como já dizia a bíblia, no princípio era o verbo. E o verbo, a palavra, o signo escrito, era o combustível vital desse estranho ser.
Aos 33 anos, Dio já havia experimentado todas as iguarias de todos os povos da terra. Um gourmand completo, pós-graduado em gastronomia e nutricionismo virtual. Era consultado por especialistas, que o procuravam para conhecer a receita de pratos exóticos, da Conchinchina ao Afeganistão. Ele respondia por escrito, pois era a única forma através da qual conseguia se comunicar.
Nessa altura da vida, Dionísio começou a evitar leituras de qualquer espécie e iniciou um processo auto-destrutivo. Fez greve de palavras e, consequentemente, greve de fome.
Primeiro, perdeu peso. Depois, os cabelos. E, sem usar mais caneta e papel ou computador, isolou-se do mundo.
Bastaram alguns dias para que de sua boca saíssem apenas duas sílabas, pronunciadas num sopro: “Di-o”!
Nas vésperas de sua morte, balbuciava incessantemente: “Io, Io, Io”...
Até que, já agonizando, emitiu o mantra dos mantras, o som vazio, circular, redondo e perfeito: “O”.
Arregalou os olhos e descansou em paz.

Elizabete Leite: professora de Inglês, moradora de Tatui. Atualmente minha aluna na Oficina de Literatura (em Tatui). Adorável perguntou-me "se leva jeito para escrever contos/crônicas...", preciso responder :o)

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