segunda-feira, 9 de maio de 2011

Risos de vingança

A bailarina- Edgar Degas

Um acontecimento que lhe parecia surreal. Sua vontade era esgueirar-se pelas ruas rindo alto, alto demais que nem a reconhecessem por tamanha ousadia, ou desrespeito - como era mais provável que denominassem. A rainha Dona Mana, em vida, detestara Dona Carlota Joaquina. Dona Carlota por sua vez, detestara a rainha. Não se toleraram nunca. E agora, eis que ela olhava a velha louca no caixão, aquela a quem tanto xingou em seus pensamentos e para quem, pela primeira vez, gostaria de sorrir sinceramente, um sorriso de vitória, de alívio, de prazer! Mas infelizmente não podia. Não naquele momento.

Contendo sua falta de sofrimento, ela volta a si e fita a Senhora Viscondessa do Real Agrado e Dona Margarida Sofia de Castello Branco, ambas velando com fundos respeitos o corpo real. Com ar sombrio ela pensa que essas são umas bajuladoras sem porquê. Mal sabem os maus bocados, infortúnios e desconfortos que passara por conta da doida. Se soubessem, matraqueariam com ela sobre a alegria daquele dia.

Ela encara novamente o corpo como enamorada por tal momento, e vê tudo aquilo, aqueles lutos, aqueles cortesões fúnebres, aqueles coches recobertos de crepe. Fechava os olhos e se perdia no próprio entusiasmo. Ao se recompor voltava à pasmaceira do decorrer do velório como que abduzida, sem saber ao certo de onde e para onde voltara.

Acabado o funeral, foi se deitar como uma criança que conseguiu o que queria. Feliz como jamais imaginaria sentir-se com o fardo de ser casada com Dom João VI. E um som invade sua paz tirando-lhe a paciência:
-“Qui est-lá?”
- Sou eu!
-Dona Maria?
- E então o que pensas? Levanta-te bigoduda, já não te suporto sã, qual com essa cara de aparição!
E Maria, a louca, ria alto, alto demais para que Carlota Joaquina conseguisse se recompor da própria desventura quando abrupta e palpitante ela acorda levantando o dorso para encarar a realidade. Mais feliz do que quando foi dormir passou a gargalhar. Passado o frenesi, Carlota encara o nada com um meio sorriso e desabafa:
-Velha louca! Bigoduda são tuas partes!

Patrícia Milão- estágiária de Jornalismo - e minha aluna  na Oficina de Literatura em Tatui  "Do Romance de Paulo Setúbal aos minicontos- Exercício proposto uma releitura do conto "A bailarina do Teatro São João" de Paulo Sétubal-  "Belissimo trabalho, Patrícia. É uma alegria  postá-lo.

Um comentário:

Patrícia Milão disse...

Venho expressar minha alegria pelas pessoas que estão lendo este conto. Agradando-as ou não, apenas o fato de lerem, para mim, já é uma imensa conquista.
E de modo especial agradeço aos dão sua opinião, é incrível a sensação de saber a consequência, o impacto que o que fazemos causa nas pessoas, mesmo que seja expressado de forma curta e simples.
Se alguém quiser me encontrar estou no twitter (@pmilao), no Face (Patrícia Milão), no meu blog http://feicaodefoca.blogspot.com e pela vida...
Abração Sueli!