Saciada a sua ira e satisfeito o seu ódio Beatriz observava seus pés nos degraus. A chuva doce e mansa caia devagar seus pingos a bater na vidraça. A mudança de humor, os passos na escada, a observância desses pés e os movimentos de seu corpo era tudo o que possuía. Queria mais. A vida lhe negou ou ela não soube escolher. Já não sabia e isso era o que mais pesava o descobrir-se perdida, sem forças para a luta e amarga em seu viver. Figura carismática, boca carnuda, roupas claras e de chapéu Firmina esperava-a de braços abertos. Esse fato também pesava. A generosidade de Firmina, sua alegria contagiante, seu ser singular e exótico. Parada na ponta da escada com o luar a iluminar-lhe o semblante sorria. Um sorriso de boneca ou da boca que se alarga e toma conta do rosto inteiro. Beatriz nunca descobriu. A bem da verdade chegou a pensar que não era nenhum nem outro. Era só mesmo o brilho que Firmina possuía e que tanto a incomodava. Tornaram-se inimigas sem nenhuma palavra dita. E por mais que Firmina buscasse uma aproximação tudo era frio e distante. Com o tempo desistiu. E agora ali na sua frente depois de tantos anos Beatriz dissimulava todo o seu rancor, fingia uma vida que não teve e tagarelava coisas e fatos inexistentes. Firmina ouvia calada o relato da amiga, relembrava outros tempos , momentos da infância quando ambas rindo corriam para a praça ver o teatro chegar. Eram noites de muita alegria quando assistiam ao espetáculo. Beatriz vibrava com a bailarina, com seus sapatos prateados o corpo a girar, girar lentamente. Mas tudo também se transformou lentamente. Em que momento Beatriz ficou assim? Qual acontecimento desencadeou esse sentir, ou melhor, esse não sentir? Impossível sabê-lo.
Apenas que Beatriz é nada. É um corpo adormecido. Já não sorri, não vibra com bailarinas, danças, sapatos prateados. Agora tudo o que precisa é do brilho do olhar de Firmina.
4 comentários:
Lindo texto. Linda imagem.Titulo preciso.
perfeito...parabéns!
Obrigadíssimaaaaaaaaaaa, Marinês.
Que ótimo que gostou!!!
beijão
LINDO...Gostei muito da dualidade, adoro isso.
bjs
Obrigada,ká.Também gosto disso, e é um grande exercício de percepção.
bjs
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