Naquela tarde Eleonora fechou portas e janelas, desceu vagarosamente as escadas, olhou o pátio lá embaixo sentiu o aroma das flores e deixou-se ficar escondida atrás do alpendre. Não queria visitas. Não queria falar, responder, sorrir. Nada. Apenas ficar só. Reorganizar as idéias e decidir-se. Escolher. Dispensou os empregados e certificou-se com a cozinheira. Fome não estava em seus planos. Ordenou-lhe que fizesse algo especial, leve, frugal. Deu-lhe a chave da adega. Queria um bom vinho. E quando finalmente sentiu-se só, pegou da taça, sentiu a doce umidade do vinho em seus lábios e o prazer que isso lhe proporcionava. Era bom estar ali saber-se dona de toda aquela terra. Com o corpo e a mente mais leve pelo vinho deixou-se levar pelas recordações que foram naturalmente surgindo. Primeiro alguns lances da infância depois a juventude junto aos primos, os risos, os desejos, as insinuações e as festas noite adentro. O pai sempre austero, a mãe com aquele olhar sonso, agudo e finalmente seu casamento com Heitor. Derrepente um vento forte e uma janela que se abre o som dos carros, o movimento dos transeuntes, as conversas entrecortadas., os risos, os encontros, o ir e vir. A vida que corre lá fora pulsante, real. E , ela, ali, presa em seu minúsculo apartamento. No escuro de si, no vazio que construiu, enganando-se dia após dia, noite após noite. Por quê? Para que? Ficção travestida de realidade Eleonora a personagem criada, a propriedade que nunca teve a infância que sempre quis o pai que nunca conheceu e as festas que não viveu. Desejo e imaginação. Levanta-se lentamente e com toda força joga a taça de vinho. Cacos de uma vida inexistente.
2 comentários:
Sueli..."cacos de umavida inexistente" simplesmente amei...
Eleonora..perfeito...tudo perfeito..
parabens
vindo de vc só posso ficar muitooooooooooooooooo feliz!
bjus
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