I num é que Dordélia perdeu. Não se conformou. Sentou-se ali mesmo no chão, e muito lentamente foi tirando os sapatos. Primeiro um, depois o outro, devagar alheia a tudo. Como num ritual, desabotoou a fivelinha apertada dos sapatos de Marcelina.
Na memória cada palavra da prima doía mais que ferro quente em gado marcado:
_ocê sabe, né, Delia? Esse sapatinho branco é mágico, feito a rosa mogorim que a gente infeita tudo a casa, i sem sabe como tudo di ruim vai pra longe... trôce é muita sorte esse danadinho. Era pôr nos pé, e tudo virava pro meu lado. Imprestu procê cum gosto.
_Marcelina, ocê credita im cada uma.
_Ocê que é uma descrente. Ocê nunca ficô cumo eu, perto de vô. Cuidei muito tempo dele, e apesar de toda trabaeira foi é muito bão. Aprendi por demais.
Aprendi a crê na vida, a te pacência, sabê esperá a hora certa das coisa. Vô sempre gostô de conta istória. As veis parava de falá, levantava aquele zoião como querendo vê disconfiança i mim, mai nunca incontrô, sabia que eu era atenta as coisa do mundo, i tem muito que nóis num sabe. Achu inté qui nem ele sabia.
Agora, ali sozinha, Dordélia também queria crer, pelo menos um pouco.
De repente pôs-se a chorar, com tanta força que nem sabia que tinha... chorou, chorou, chorou, seus olhos ficaram vermelhos , vermelhos como a terra em volta, vermelhos como o fogo.
O fogo que Guilhermano dizia sentir, que não se apagaria nunca. Eterno.
E pela primeira vez Dordélia benzeu-se.
Por que confiou em Guilhermano? Como não confiar? Seu jeito doce, seus olhos claros, sua fala mansa, as juras de amor sussurrada aos seus ouvidos, os lábios a roçar-lhe o pescoço, os beijos ardentes, tudo tão forte, tão intenso que ela até ruborizava, ardia mesmo, um calor tão bom.
Ele gostava. Ela sabia. Não era mais uma menina.
Quanto mais sua pele ia ficando vermelha mais ele a apertava, mais encostava seu corpo contra o dela, apertando-a contra a cerca.
Cerca que o pai fizera com tanto carinho. Por um momento sentiu-se culpada, como se tivesse traindo o pai.
A imagem da cerca vermelha, a casinha branca ao fundo, o pai gritando com o gado, a mãe ali parada na porta fingindo cuidar das plantas da varanda, aumentavam ainda mais sua tristeza.
E tudo vinha à mente de Dordélia. Ela só queria entender.
_Mãe sabia. Por que, então, acobertava? Não era muié fogosa, era até meio caladona, vivia dizendo:
- Muié tem qui si dá u respeitu, num tem tanta precisão de hóme.
_uai, pru que, intão, ficava ali oiando. Será que era vuntade?
Vontade que Dordélia e Guilhermano tinham de sobra. Era só o olhar de um cruzar o olhar do outro e pronto. Corriam lá pra cerca...
E agora o que ia ser da vida dela? E do filho que esperava? Guilhermano teria fugido, ficou com medo? Não. Não era possível. Ele mesmo falou na noite anterior:
-Delinha, tá tudu acertado cum o padre. Ele vai lá pros lado do ribeirão, sabe donde qui é?
_sei sim, i já gostei da escoia do lugar. É tão lindo, Guilhermano. A gente vê os jequetibá, as perobeira e até caneleira. Que mata que belezura... Pena né, nóis não podê cunvida ninguém, tem portância, não. To é muito feliz, vou tá toda de branco, até os sapato.
Ele não veio. Ela sabia. Não era mais uma menina.
Nada é eterno, Dordélia se enganara.
Fogo era ontem.
Na memória cada palavra da prima doía mais que ferro quente em gado marcado:
_ocê sabe, né, Delia? Esse sapatinho branco é mágico, feito a rosa mogorim que a gente infeita tudo a casa, i sem sabe como tudo di ruim vai pra longe... trôce é muita sorte esse danadinho. Era pôr nos pé, e tudo virava pro meu lado. Imprestu procê cum gosto.
_Marcelina, ocê credita im cada uma.
_Ocê que é uma descrente. Ocê nunca ficô cumo eu, perto de vô. Cuidei muito tempo dele, e apesar de toda trabaeira foi é muito bão. Aprendi por demais.
Aprendi a crê na vida, a te pacência, sabê esperá a hora certa das coisa. Vô sempre gostô de conta istória. As veis parava de falá, levantava aquele zoião como querendo vê disconfiança i mim, mai nunca incontrô, sabia que eu era atenta as coisa do mundo, i tem muito que nóis num sabe. Achu inté qui nem ele sabia.
Agora, ali sozinha, Dordélia também queria crer, pelo menos um pouco.
De repente pôs-se a chorar, com tanta força que nem sabia que tinha... chorou, chorou, chorou, seus olhos ficaram vermelhos , vermelhos como a terra em volta, vermelhos como o fogo.
O fogo que Guilhermano dizia sentir, que não se apagaria nunca. Eterno.
E pela primeira vez Dordélia benzeu-se.
Por que confiou em Guilhermano? Como não confiar? Seu jeito doce, seus olhos claros, sua fala mansa, as juras de amor sussurrada aos seus ouvidos, os lábios a roçar-lhe o pescoço, os beijos ardentes, tudo tão forte, tão intenso que ela até ruborizava, ardia mesmo, um calor tão bom.
Ele gostava. Ela sabia. Não era mais uma menina.
Quanto mais sua pele ia ficando vermelha mais ele a apertava, mais encostava seu corpo contra o dela, apertando-a contra a cerca.
Cerca que o pai fizera com tanto carinho. Por um momento sentiu-se culpada, como se tivesse traindo o pai.
A imagem da cerca vermelha, a casinha branca ao fundo, o pai gritando com o gado, a mãe ali parada na porta fingindo cuidar das plantas da varanda, aumentavam ainda mais sua tristeza.
E tudo vinha à mente de Dordélia. Ela só queria entender.
_Mãe sabia. Por que, então, acobertava? Não era muié fogosa, era até meio caladona, vivia dizendo:
- Muié tem qui si dá u respeitu, num tem tanta precisão de hóme.
_uai, pru que, intão, ficava ali oiando. Será que era vuntade?
Vontade que Dordélia e Guilhermano tinham de sobra. Era só o olhar de um cruzar o olhar do outro e pronto. Corriam lá pra cerca...
E agora o que ia ser da vida dela? E do filho que esperava? Guilhermano teria fugido, ficou com medo? Não. Não era possível. Ele mesmo falou na noite anterior:
-Delinha, tá tudu acertado cum o padre. Ele vai lá pros lado do ribeirão, sabe donde qui é?
_sei sim, i já gostei da escoia do lugar. É tão lindo, Guilhermano. A gente vê os jequetibá, as perobeira e até caneleira. Que mata que belezura... Pena né, nóis não podê cunvida ninguém, tem portância, não. To é muito feliz, vou tá toda de branco, até os sapato.
Ele não veio. Ela sabia. Não era mais uma menina.
Nada é eterno, Dordélia se enganara.
Fogo era ontem.
10 comentários:
Lindo.... adorei o texto, muito mesmo. Um presente pela manhã.
bjs...
ahhh ficou muito fofo o novo layout...
Obrigadíssima,Katia. Esse texto me é especial!!!!Adaptei p/a o teatro e foi apresetnado ,aqui, na "Fundec" com direção de Merli Kern, mas mudei o nome "Sapatos Brancos", foi muito lindo o trabalho dela.Uma emoção, um presente.
Hum!não tenho habilidades,não com layouts...uso os "prontos" mesmo rsrs.
beijão
E nóis que se deixá fala anssim.
Deve ter ficado ótimo adaptado para o teatro.Parabéns!
Genial!Muito bom mesmo.
E o blog tá bacana!
Beijos,
Cris
PS-Apareça no www.cristinasiqueira.blogspot,com
Obrigada, Cris, minha queridíssima.
super beijo
Que prosa gostosa!
Ô Ana,obrigada. Bão prosear,né? rs
beijo
que beleza!!!!!
Obrigadíssima,Angela querida!
Muito bom!
Te abraço
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