segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Lá fora, o dia. (De corpos e esmaltes)


Corpo ereto, cabelos cuidadosamente desarrumados , ar blasé, e vestida de vermelho ela descia as escadas lentamente. Equilibrando-se no salto da sandália preta não ousava segurar no corremão. O esmalte ainda úmido podia borrar, e se tinha uma coisa que ela não admitia era mulher descuidada. Costumava dizer que era natural esse cuidado todo, um ato corriqueiro, quase automático. Não fossem os muitos elogios que recebia: — bela, deslumbrante, gatíssima e uma infinidade de adjetivos dos mais simples aos mais sofisticados, alguns até em outro idioma.

E ela se deixava levar toda orgulhosa. Mas era compreensiva e sabia que nem toda mulher podia se dar a esses pequenos luxos, e na sua imensa delicadeza segredava à amigas seletas — entendo perfeitamente, é uma questão de tempo. E se tinha uma coisa que ela não abria mão era da sua liberdade. Levantava cedo só para ter o prazer de ler o jornal - das notícias que aconteciam do outro lado do mundo, à  um cachorrinho perdido, tudo lhe interessava. Botânica, gastronomia, moda, filosofia, literatura, cinema....

E naquela noite, como em tantas outras, ela descia lentamente as escadas mais bela que nunca. Vestida de vermelho, pronta para mais um deliciosa festa noite adentro. Era tudo que queria ,que precisava. Viver, dançar, sorrir.  Ser. E num gesto tresloucado, inesperado seus dedos tocaram com força o corremão. Com o esmalte todo borrado um olhar vago, distante, úmido e  as mãos trêmulas,  acordou. 
O dia amanhecia lá fora . Era preciso correr.

2 comentários:

marcia mesquita disse...

Ei, essa ai de vermelho era eu ontem, mas não estava descendo as escadas estava aqui mesmo atrás dessa tela, me sentindo a pessoa mais infeliz do mundo, porque não havia festa e nenhum lugar para ir e eu estava sozinha e só sabia roer as unhas e descascar os esmaltes e lamentar pelo dia que não amanhecia...

sueli aduan disse...

Não essa aí não é vc não (rs) .Nem eu,(:o) ainda que nos duas, ontem, estivéssemos de vemelho.( até nas fotos, estamos não é? ) E com essa tristeza (passageira) festas virão...

Minha personagem sonha acordada ,diz do que não é, e a vejo refletida num mundo de faz de contas, ficção,(nem tanto)

bjão.