quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ciência e sapiência- Rubem Alves

Fernando Pessoa escreveu um curto
poema em que descreve a sua compaixão.

“Aquele arbusto fenece, e vai com ele parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo.
Nem distingue a memória do que vi do que fui”.

A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós. Vejo os velhos e posso até mesmo escrever uma tese sobre eles, se eu for um professor universitário. Mas a tristeza do velho é só dele, não entra dentro de mim. Durmo bem. Nossas florestas vão aos poucos se transformando em desertos, mas isso não me faz sofrer. Não as sinto como uma ferida na minha carne. Vejo as crianças mendigando nos semáforos, mas não me sinto uma criança mendigando num semáforo. Vejo os meus alunos nas salas de aulas, mas meu dever de professor é dar o programa e não sentir o que os meus alunos estão sentindo.
De que vale o conhecimento sem compaixão? Todas as atrocidades que caracterizam os nossos tempos foram feitas com a cumplicidade do conhecimento científico. Parece que a inteligência dos maus é mais poderosa que a inteligência dos bons.
Sabemos como ensinar saberes. Há muita ciência escrita sobre isso. Mas não me lembro de nenhum texto pedagógico que se proponha a ensinar a compaixão. Talvez o livrinho de Janucz Korczak Como amar uma criança. Mas Korczak é uma exceção. Ele sabia que para se ensinar algo a uma criança é preciso amá-la primeiro. Korczak era um romântico... Por isso o amo...
Lemos estórias para as crianças e para nós mesmos não só para ensinar a língua, mas para ensinar a compaixão.

4 comentários:

Bibliotecária de Babel disse...

compaixão devia ser sinônimo de empatia
porque nós doemos com nós mesmos
primeiro

bjs

sueli aduan disse...

concordo com vc. Ana.
gosto muito dessa compaixão que o R. Alves fala,não tem nada de piegas, hipócrita, de cristão.
é pura atitude amorosa.
bjs

Daniela Paulinelli disse...

"De que vale o conhecimento sem compaixão?", esta pergunta deveria ser feita no 1o dia de aula em qq faculdade e deveria ser relembrada pelo paraninfo na formatura!
Excelente esta reflexão! Profunda, mas em uma linguagem simples. E, sendo acessível a todos, o texto se torna coerente com a própria msg de compaixão/conhecimento. Já imaginou este tema sendo tratado em uma linguagem hermética!?

Só não concordo que a compaixão cristã seja piegas, Sueli.
Pelo contrário uma compaixão que se propõe a dar a outra face, a caminhar várias léguas se alguém pede apenas alguns passos, não me parece piegas, parece-me justamente o contrário. Parece-me que ela vai contra o sentimentalismo, que ela é uma compaixão de e a princípio, uma compaixão a priori.

Mas penso que talvez seu comentário se refira ao que façamos desta compaixão cristã. Aí, talvez, infelizmente, seja isso mesmo...

Abraço grande,
dp

sueli aduan disse...

Excelente seu comentário,Dana. Concordo com vc, é necessário "unir" conhecimeno e compaixão. Definiu com muita clareza a compaixaõ cristã; acertou "em cheio" meu questionamento.
Rubem Alves é maravilhoso suas crônicas,seu livros tratam de temas complexos,profundos,mas dão a impressão de um "bate papo".

Leia: R.Alves
Entre a Ciência e a Sapiência. editora -Loyola

abs