Nos Cadernos íntimos dos últimos anos, Lou Andreas-Salomé dá um balanço de sua vida. Em fevereiro de 1934, isto é, três anos antes de morrer, ela escreve:
"Distingue-se entre os humanos aqueles que se sentem divididos em um passado e um futuro e aqueles que vivem o presente com cada vez mais densidade, sempre mais plenitude. Os orientais acham natural insistir menos sobre a morte do que se passa do que sobre a perfeição do que se acaba, como aprofundamento da realidade. Nós, ao contrário, começamos a ver aquilo que nos chega, apenas sob o aspecto sempre mais sinistro da morte - como tudo o que se observa de um olhar exterior, logo mortífero."
E um pouco mais adiante:
"Sempre não tive a idéia fixa de que a velhice me traria muito? Em meus jovens anos escrevi em algum lugar: primeiro nós vivemos nossa juventude, em seguida nossa juventude vive em nós. Não sei bem, ainda hoje, o que eu queria dizer com isso outrora. Mas eu tinha realmente medo de não atingir a idade de viver esta experiência; eu o sabia profundamente, uma longa vida, com todas as suas dores, vale ser vivida,. Claro, o valor da vida pode nos ficar escondido pelos desgastes sofridos pela nossa carne, nosso espírito (...) do mesmo modo que a juventude mais empreendedora pode se ver entravada em sua felicidade e em seu sucesso, por um fatal concurso de circunstâncias; mas, por além das perdas, a velhice adquire muito mais que a famosa aptidão à serenidade e à lucidez: ela permite que se chegue a uma plenitude mais acabada."
A velhice pode ser, assim, uma volta àquela espécie de paz inicial e retorno do indivíduo a um estado de não-divisão, de fusão primitiva do eu para consigo mesmo, o corpo parece se acalmar relativizando-se; ...
Num ensaio de 1901, escrito aos 40 anos e intitulado A velhice e a eternidade, Lou afirmava: "O velho está liberto de todos os seus limites pessoais e escrúpulos mesquinhos. Retirado lentamente da vizinhança imediata dos outros seres vivos, ele se vê, progressivamente, reintroduzido no grande encadeamento universal".
É preciso amar a vida em todas as suas fases e amar até mesmo a morte.
Aqui Eros e Thanatos se dão as mãos - são forças complementares e não contrárias.
Do Livro: Os Sentidos da Paixão. Ed. Cia de Letras, 1987.
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