terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

"Afinal, a realidade...."


Porque o fundamental é saber "o que é a poesia". Você nunca chegará a Teresina se não souber pra que lado fica Teresina. Eu não digo que a poesia seja uma coisa definível, mas você tem de saber o que é isto: "aonde eu quero chegar"; ou seja, esse "aonde eu quero chegar" tem de existir. Eu me lembro quando li Fernando Pessoa, Drummond, Valéry, e alguns versos me marcaram ao me mostrar o que era a poesia, como quando Valéry dizia: "Beau Ciel, vrai ciel, regardez-moi, qui change". Isso não é apenas uma idéia, mas a sua colocação diante da realidade...
Este é um poeta que me interessa, nesse momento, por me parecer extremamente cerebral, de uma poesia muito elaborada, Ele é cerebral, mas também existe uma lenda em tomo de Valéry. O poema "Le Cimetíère Marin" (0 Cemitério Marinho), por exemplo é um poema altamente comovido. Veja bem, uma coisa é a elaboração, é a atitude do poeta em relação à poesia e aos seus meios de expressão, que em alguns é mais cerebral, mais racionalizado, mas, seja de quem for, se ele não se comove não existe poesia. Porque a única coisa que a poesia faz é comover. A poesia não cura dor de dente, não resolve problema econômico, não desintegra o átomo, não serve para nada. A única coisa que ela faz é comover. Porque não há um conhecimento, algo que se ganhe através da poesia, o que ela faz é nos comover. É uma mentira que nos comove. Afinal, a realidade do mundo é insuportável. Por isso se faz poesia, se faz arte, se faz música, etc.
— Eu não diria que é uma forma de fuga, porque ao mesmo tempo ela procura tomar a vida possível. Ela não quer sair da vida. O homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter coragem de viver.
Este é o mundo em que vivemos banal e delirante, mas onde se torna cada dia mais clara a necessidade de despertar e cultivar o que há de humano no homem. Os poetas podem ajudar nisso. E não por mistificar a realidade, mas, pelo contrário, por revelá-la na sua verdade, que é prosaica e, ao mesmo tempo, fascinante. O poeta sonha no concreto o sonho de todos. Ele sabe que a poesia brota da banalidade do mesmo modo que o poema nasce da linguagem comum. Está na tua boca, na minha boca, a palavra que eventualmente se converterá em beleza. Ou não.

recortes /sueliaduan - Ferreira Gullar - Conta Tudo/ 2005

2 comentários:

Anônimo disse...

Já tinha ouvido Gullar falar isso num documentário. Mas acho que só passaram parte dessa dissertação. Enfim. Maravilhoso dito. Lúcido. Concordo com ele. Não creio que ele tenha sido o primeiro a falar isso, pois Homero, Camões, Bandeira já sabiam e falavam disso. Mas vale muito a pena repisar, para que se grave em nossas mentes.

sueli aduan disse...

É verdade, Rodrigo, outros falaram cada um a seu modo,mas a essência é a mesma.
Fiz uns recortes nesse documentário, fruto de um trabalho de pesquisa que venho realizando.
Obrigada! visite sempre!
abs