Porque o fundamental é saber "o que é a poesia". Você nunca chegará a Teresina se não souber pra que lado fica Teresina. Eu não digo que a poesia seja uma coisa definível, mas você tem de saber o que é isto: "aonde eu quero chegar"; ou seja, esse "aonde eu quero chegar" tem de existir. Eu me lembro quando li Fernando Pessoa, Drummond, Valéry, e alguns versos me marcaram ao me mostrar o que era a poesia, como quando Valéry dizia: "Beau Ciel, vrai ciel, regardez-moi, qui change". Isso não é apenas uma idéia, mas a sua colocação diante da realidade...
Este é um poeta que me interessa, nesse momento, por me parecer extremamente cerebral, de uma poesia muito elaborada, Ele é cerebral, mas também existe uma lenda em tomo de Valéry. O poema "Le Cimetíère Marin" (0 Cemitério Marinho), por exemplo é um poema altamente comovido. Veja bem, uma coisa é a elaboração, é a atitude do poeta em relação à poesia e aos seus meios de expressão, que em alguns é mais cerebral, mais racionalizado, mas, seja de quem for, se ele não se comove não existe poesia. Porque a única coisa que a poesia faz é comover. A poesia não cura dor de dente, não resolve problema econômico, não desintegra o átomo, não serve para nada. A única coisa que ela faz é comover. Porque não há um conhecimento, algo que se ganhe através da poesia, o que ela faz é nos comover. É uma mentira que nos comove. Afinal, a realidade do mundo é insuportável. Por isso se faz poesia, se faz arte, se faz música, etc.
— Eu não diria que é uma forma de fuga, porque ao mesmo tempo ela procura tomar a vida possível. Ela não quer sair da vida. O homem não faz poesia para sair da vida, ele faz poesia para ter coragem de viver.
Este é o mundo em que vivemos banal e delirante, mas onde se torna cada dia mais clara a necessidade de despertar e cultivar o que há de humano no homem. Os poetas podem ajudar nisso. E não por mistificar a realidade, mas, pelo contrário, por revelá-la na sua verdade, que é prosaica e, ao mesmo tempo, fascinante. O poeta sonha no concreto o sonho de todos. Ele sabe que a poesia brota da banalidade do mesmo modo que o poema nasce da linguagem comum. Está na tua boca, na minha boca, a palavra que eventualmente se converterá em beleza. Ou não.
recortes /sueliaduan - Ferreira Gullar - Conta Tudo/ 2005
2 comentários:
Já tinha ouvido Gullar falar isso num documentário. Mas acho que só passaram parte dessa dissertação. Enfim. Maravilhoso dito. Lúcido. Concordo com ele. Não creio que ele tenha sido o primeiro a falar isso, pois Homero, Camões, Bandeira já sabiam e falavam disso. Mas vale muito a pena repisar, para que se grave em nossas mentes.
É verdade, Rodrigo, outros falaram cada um a seu modo,mas a essência é a mesma.
Fiz uns recortes nesse documentário, fruto de um trabalho de pesquisa que venho realizando.
Obrigada! visite sempre!
abs
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