quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"A arte de ouvir"


De todos os sentidos, o mais importante para a aprendizagem do amor, do viver juntos e da cidadania é a audição. Disse o escritor sagrado: "No princípio era o Verbo". Eu acrescento: "Antes do Verbo era o silêncio." É do silêncio que nasce o ouvir. Só posso ouvir a palavra se meus ruídos interiores forem silenciados. Só posso ouvir a verdade do outro se eu parar de tagarelar. Quem fala muito não ouve. Sabem disso os poetas, esses seres de fala mínima. Eles falam, sim. Para ouvir as vozes do silêncio. Veja esse poema de Fernando Pessoa, dirigido a um poeta: "Cessa o teu canto! Cessa, que, enquanto o ouvi, ouvia uma outra voz como que vindo nos interstícios do brando encanto com que o teu canto vinha até nós. Ouvi-te e ouvia-a no mesmo tempo e diferentes, juntas a cantar. E a melodia que não havia se agora a lembro, faz-me chorar…" A magia do poema não está nas palavras do poeta. Está nos interstícios silenciosos que há entre as suas palavras. É nesse silêncio que se ouve a melodia que não havia. Aí a magia acontece: a melodia me faz chorar.

Não nos sentimos em casa no silêncio. Quando a conversa para por não haver o que dizer tratamos logo de falar qualquer coisa, para por um fim no silêncio. Vez por outra tenho vontade de escrever um ensaio sobre a psicologia dos elevadores. Ali estamos, nós dois, fechados naquele cubículo. Um diante do outro. Olhamos nos olhos um do outro? Ou olhamos para o chão? Nada temos a falar. Esse silêncio é como se fosse uma ofensa. Aí falamos sobre o tempo. Mas nós dois bem sabemos que se trata de uma farsa para encher o tempo até que o elevador pare.

Os orientais entendem melhor do que nós. Se não me engano o nome do filme é "Aconteceu em Tóquio". Duas velhinhas se visitavam. Por horas ficavam juntas, sem dizer uma única palavra. Nada diziam porque no seu silêncio morava um mundo. Faziam silêncio não por não ter nada a dizer, mas porque o que tinham a dizer não cabia em palavras. A filosofia ocidental é obcecada pela questão do Ser. A filosofia oriental, pela questão do Vazio, do Nada. É no Vazio da jarra que se colocam flores..."

Rubem Alves
 
 
 

8 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do texto! Boa escolha.
Abraço,

Marinês disse...

Amei Sueli...às vezes surpreendo-me com essas tais "coincidências"...acabo de escrever sobre o nada e venho te ler e aqui no seu texto fala do nada e da arte de ouvir...

arte essa que preciso tanto aprender...

bjo

parabéns

sueli aduan disse...

Rodrigo:-É um belo texto mesmo, mas não está na íntegra,não. É longo. Veja no google -página do Rubem Alves.ok.
beijo

sueli aduan disse...

Poizé, Marinês como não acredito em coincidências rss teve ter algo nesse texto que só vc sabe o que é e que lhe será útil.

precisamos todos aprender essa arte, não.

beijo,querida.

Graça Carpes disse...

Procure conhecer "Sotigui Kuiaté" - ele é um "griot" e um mestre de teatro - amo-o!"
"O maior encontro acontece na escuta, mas não com o ouvido e sim com a sensibilidade - Sotigui Kuiaté"

Feliz por conhecer vc.
:)
http://pulsarpoetico.zip.net

sueli aduan disse...

Graça Carpes, conheço sim, admiro-o muitíssimo, ele é maravilhoso, assisti alguns vídeos e, "ousei" usar alguns "exercícios' nas oficinas que realizo(literatura/teatro)

Feliz por me visitar, vou conhecer teu blog!

beijos

M.C.L.M disse...

Beleza de texto, faz pensar...

Meu beijo procê!

sueli aduan disse...

Rubem Alves é maravilhoso mesmo!

Beijo Marcia,querida.


vamos nos falando!