sábado, 23 de maio de 2009

FAROL DE MILHA capítulo II

- não pensaram em mim, é? Ele Beto, que nunca esconderá, desde garoto, sua queda para herói, queria o papel de destaque, sentia-se pronto. Com ar de superioridade abordaria o presidente logo que este desse os primeiros passos junto à comitiva. Se preciso usaria da força física, coisa que, sempre fez questão de demonstrar.
Procurar Conceição encheu-lhe de confiança. Não podia contar-lhe a encrenca em que se metera. Não agora, melhor mesmo era ficar quieto e seguir em frente. O jeito era fingir sono, dizer boa noite. Foi o que fez. Dormiu profundamente e acordou com a amiga trazendo-lhe uma bandeja com bolachas e café forte. Afetuosamente ela alisou-lhe os cabelos. Apanhado de surpresa não atinou de imediato com o motivo de tanto carinho. Ela mesma se encarregou de mostrar a razão:
O que está escondendo, Adalberto? Não confia mais em mim, somos amigos, não? Desorientado, sem saber como proceder, o olhar cravado no corpo de Conceição, que de camisola, insinuava-se, começou a balbuciar algumas palavras e numa evolução rápida articulando idéias que finalmente explodiram numa confissão, declarou:
Afundei o punhal no ventre de Tereza, talvez a polícia já saiba.
Conceição tomada de espanto ouviu atentamente o relato que se seguiu, as palavras ditas eram frias, sem emoção. Havia naquele corpo sadio de homem uma mente perversa, doente, alimentada pelo prazer da morte, do sangue.
Perplexa pela crueza, pela descoberta, os olhos de Ceição expressavam a descrença quanto às possibilidades do velho companheiro participar do seqüestro do presidente.
Ao desviar o olhar do corpo da amiga, Adalberto sentiu-se como o menino frente ao olhar da mãe. Perdido ensaiou um sorriso sem muita convicção, última estratégia na tentativa de comove - lá. Ela não se deixou enganar. Não fora criada para sentir dó ou medo.
Tudo o que sabia era que na sua frente tinha um homem, não um qualquer, um amigo, que puxou uma faca, não uma faca qualquer, um punhal, e encostou no peito da mulher desceu até o ventre com numa dança macabra e cravou na companheira, na amada. Nada justificava esse ato. Violência nunca fez parte da sua vida.
Conceição acalentava um sonho, era quase uma imagem, a chuva molhava o verde do campo, o campo de seus pais, da sua infância, de seu país, os campos de sua vida, fartura e alegria, juntas. Esse sonho foi amadurecendo junto com os companheiros do partido. Ter uma conversa cara a cara com o presidente, sensibilizá-lo, persuadi-lo, usar do poder das palavras era sua meta.
Numa arrancada súbita, Conceição se deslocou quase solene em direção à porta, logo freando o passo, virou-se e pediu a chave do apartamento.
Tirem as algemas.
Quer água?
Não. Tem certeza?
Certo. Vamos ver se eu entendi direito, Sr. Adalberto.
O senhor disse que estava parado uns tempos na casa de sua amiga.
Como é mesmo o nome dela?
Conceição. Ah, é isso. Conceição. Tereza era sua esposa, correto?
Respiração descompassada, mãos trêmulas, Adalberto, olhou firmemente para o delegado e disse:

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