Desço rapidamente à rua. Sinto que meus pés não estão no chão. Levito? Isso são horas para ironias. O momento não é para piadas, ainda mais, de mau gosto. Coração acelerado aperto o passo. O suor já começou a escorrer. Um tremor percorre todo meu corpo já molhado.
E se realmente perdi? Bom, se perdi posso achar.
Como era que brincávamos, mesmo?
_ São Longuinho, São Longuinho, se eu achar dou três pulinhos. Saudade da Rita, tão linda e, e nada, diacho. Malditos pensamentos, não me dão sossego, não paro de pensar. Será normal? Olha aí, cada passo um pensamento, um questionamento.
Vai ver, é assim com todo mundo. Deve ser. À semana passada, aqui mesmo na ladeira, comecei observar às pessoas andando sozinhas, o olhar distante, gestos rápidos, algumas até moviam os lábios numa animada conversa chegando até a sorrir.
Talvez estivessem a recordar uma situação passageira que eu, em minha observação, captei. Só isso.
Mas comigo penso que é diferente, meu vôo vai longe, como dizia mãe:
_Voando menino, cuidado que pode cair, hem? Mulher boa, a mãe, lembro de seus cabelos negros caídos sobre os ombros, a voz macia, o andar ligeiro, pronta pro trabalho.. Sempre fingindo não ver Rita e eu, escondidinhos, lá no milharal trocando beijos. Gostava de olhar. Era com ternura que espionava a gente.
O quê que deu em mim agora? Que nostalgia é essa? O que está acontecendo comigo? Preciso me concentrar, relembrar o trajeto feito. Como o trajeto feito? Sempre subo a 42. Será que mudei todo o trajeto e nem percebi? Como vou saber às ruas que andei? E se andei a esmo? O que é isso agora, delírio? Com andei a esmo? Basta. Não ouço mais essa maldita voz. Estou ou não no comando? Exijo de mim concentração, parar de tagarelar, silenciar esses ruídos interiores.
Os orientais dizem que os amantes nada dizem por que no seu silêncio mora um mundo, uma imagem imobilizada num momento eterno. Então a Rita nunca me amou, como falava, as juras de amor sussurrada aos meus ouvidos, os lábios a roçar-me o pescoço, os beijos ardentes, tudo tão forte, tão intenso.
Que bom que era ouvir sua voz, principalmente, quando me chamava:
_Titooo, Titooo, Vamos. Não gosto de chegar com as luzes apagadas. Íamos toda terça na sessão das quatro, único dia da semana que passava bons filmes.
Rita ficou encantada com “Passagem para a Índia”, não parava de falar, dias depois ainda comentava as cenas mais marcantes, as mais belas falas dos personagens. Seus olhos ficavam cheios d’ água, a voz embarcada.
Outro que a impressionou: “O Desaparecimento de Lorca”, com Andy Garcia no papel de Frederico Garcia Lorca. Este sim, mexeu com ela e, quando Andy Garcia/Lorca com terno branco, chapéu cinza, gravata vermelha, desceu magistralmente às escadas,chorou copiosamente.
Sabia os poemas. Ouvi baixinho, Rita, declamando Lorca. Que emoção.
Engraçado, só hoje, percebo que Rita pronunciava meu nome acentuando o “o” do Tito, como se estivesse cantando.
Será que ela queria ser cantora? Quanta se perdeu da Rita, em mim, com o tempo? E o que eu nem cheguei a conhecer? Rita pintava, nunca mostrou-me seus quadros. Também a gente nunca falou de cores, falávamos de tudo, das ondas do mar, das mais variadas espécimes animais e vegetais com seus caminhos rochosos, desertos, coníferas, dálias, girassóis, begônias, folhas das macaúbas, do canto de um rouxinol, do arganaz-do-campo, dos olhares, dos caminhos dos descaminhos. Cores nunca.
Só depois do acontecido é que soube, até guardei um quadro de lembrança. Vai ver pintava declamando Lorca.
Quer dizer então, que eu vou ficar aqui descendo e subindo a ladeira, relembrando perdas?
Lembrar-me da Rita, recordar seu jeito doce dói e, o fato não resolvido, martela na minha cabeça, a própria polícia não soube explicar.
Quanta coisa se perde nesta vida, ou não. Quantos encontros.
O que é que realmente fica em nós? Uma moringa de barro, um cesto de vime, uma chaleira de estanho, uma garrafa de vinho, toalhas brancas com dobras bem marcadas dos finos restaurantes, um guardanapo amarrotado, o tecido colorido do papel de parede, a superfície nua da mesa de madeira, os aromas, os cheiros das ruas, das casas, a morte de Rita, o documento perdido.
O vento empurra a manhã. Silenciosa profusão de coisas acontecidas.
sú
E se realmente perdi? Bom, se perdi posso achar.
Como era que brincávamos, mesmo?
_ São Longuinho, São Longuinho, se eu achar dou três pulinhos. Saudade da Rita, tão linda e, e nada, diacho. Malditos pensamentos, não me dão sossego, não paro de pensar. Será normal? Olha aí, cada passo um pensamento, um questionamento.
Vai ver, é assim com todo mundo. Deve ser. À semana passada, aqui mesmo na ladeira, comecei observar às pessoas andando sozinhas, o olhar distante, gestos rápidos, algumas até moviam os lábios numa animada conversa chegando até a sorrir.
Talvez estivessem a recordar uma situação passageira que eu, em minha observação, captei. Só isso.
Mas comigo penso que é diferente, meu vôo vai longe, como dizia mãe:
_Voando menino, cuidado que pode cair, hem? Mulher boa, a mãe, lembro de seus cabelos negros caídos sobre os ombros, a voz macia, o andar ligeiro, pronta pro trabalho.. Sempre fingindo não ver Rita e eu, escondidinhos, lá no milharal trocando beijos. Gostava de olhar. Era com ternura que espionava a gente.
O quê que deu em mim agora? Que nostalgia é essa? O que está acontecendo comigo? Preciso me concentrar, relembrar o trajeto feito. Como o trajeto feito? Sempre subo a 42. Será que mudei todo o trajeto e nem percebi? Como vou saber às ruas que andei? E se andei a esmo? O que é isso agora, delírio? Com andei a esmo? Basta. Não ouço mais essa maldita voz. Estou ou não no comando? Exijo de mim concentração, parar de tagarelar, silenciar esses ruídos interiores.
Os orientais dizem que os amantes nada dizem por que no seu silêncio mora um mundo, uma imagem imobilizada num momento eterno. Então a Rita nunca me amou, como falava, as juras de amor sussurrada aos meus ouvidos, os lábios a roçar-me o pescoço, os beijos ardentes, tudo tão forte, tão intenso.
Que bom que era ouvir sua voz, principalmente, quando me chamava:
_Titooo, Titooo, Vamos. Não gosto de chegar com as luzes apagadas. Íamos toda terça na sessão das quatro, único dia da semana que passava bons filmes.
Rita ficou encantada com “Passagem para a Índia”, não parava de falar, dias depois ainda comentava as cenas mais marcantes, as mais belas falas dos personagens. Seus olhos ficavam cheios d’ água, a voz embarcada.
Outro que a impressionou: “O Desaparecimento de Lorca”, com Andy Garcia no papel de Frederico Garcia Lorca. Este sim, mexeu com ela e, quando Andy Garcia/Lorca com terno branco, chapéu cinza, gravata vermelha, desceu magistralmente às escadas,chorou copiosamente.
Sabia os poemas. Ouvi baixinho, Rita, declamando Lorca. Que emoção.
Engraçado, só hoje, percebo que Rita pronunciava meu nome acentuando o “o” do Tito, como se estivesse cantando.
Será que ela queria ser cantora? Quanta se perdeu da Rita, em mim, com o tempo? E o que eu nem cheguei a conhecer? Rita pintava, nunca mostrou-me seus quadros. Também a gente nunca falou de cores, falávamos de tudo, das ondas do mar, das mais variadas espécimes animais e vegetais com seus caminhos rochosos, desertos, coníferas, dálias, girassóis, begônias, folhas das macaúbas, do canto de um rouxinol, do arganaz-do-campo, dos olhares, dos caminhos dos descaminhos. Cores nunca.
Só depois do acontecido é que soube, até guardei um quadro de lembrança. Vai ver pintava declamando Lorca.
Quer dizer então, que eu vou ficar aqui descendo e subindo a ladeira, relembrando perdas?
Lembrar-me da Rita, recordar seu jeito doce dói e, o fato não resolvido, martela na minha cabeça, a própria polícia não soube explicar.
Quanta coisa se perde nesta vida, ou não. Quantos encontros.
O que é que realmente fica em nós? Uma moringa de barro, um cesto de vime, uma chaleira de estanho, uma garrafa de vinho, toalhas brancas com dobras bem marcadas dos finos restaurantes, um guardanapo amarrotado, o tecido colorido do papel de parede, a superfície nua da mesa de madeira, os aromas, os cheiros das ruas, das casas, a morte de Rita, o documento perdido.
O vento empurra a manhã. Silenciosa profusão de coisas acontecidas.
sú
4 comentários:
eu faço assim, são longuinho, são longuinho se eu achar dou 8 pulinhos, assim quem sabe ele me passa pra frente na lista de achados. Qto aos perdidos, tento apenas esquecer. O que não tem solução ja esta solucionado.
Sérgio:
É uma sábia opção.
abs
Gostei muito... nao sei por que me lembrou Carmina.
Quanta se perdeu da Rita, em mim, com o tempo? E o que eu nem cheguei a conhecer?
De outra forma... Qto se perdeu de mim com o tempo?
Bjs
Kátia:
talvez minhas personagens, no fundo sejam todas "Carminas", (pura pretensão, minha)(paixão por GABO)rs.
é tudo se perde mesmo, ou não.
bjs
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