quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O homem, esse esquecedor-

Se perguntássemos à milenar tradição do pensamento pelos fundamentos filosóficos da educação, os antigos dar-nos-iam esta sentença - tão simples - para meditar: "O homem é um ser que esquece"!
No Ocidente, já entre os gregos (de Hesíodo a Aristóteles, de Safo a Platão), encontramos constantemente um extraordinário papel dado à memória (por vezes personificada em Mnemosyne), na antropologia e na educação.
Um dos pontos altos dessa tradição dá-se com o poeta grego Píndaro. Seu Hino a Zeus - um poema que é, ao mesmo tempo, um tratado de educação - parece apresentar todas as características de uma das maiores obras-primas de todos os tempos.
A cena descrita por Píndaro é clara: Zeus resolve intervir no caos. Toda a confusão e deformidade vai, então, dando lugar à harmonia e à ordem: kosmos. E quando, finalmente, o mundo atinge seu estado de perfeição (estreando a terra, os rios, os animais, o homem...), Zeus oferece um banquete para mostrar aos demais deuses - atônitos ante tanta beleza - a sua criação...
Mas, para surpresa geral, um dos imortais pede a palavra e aponta a Zeus um grave e inesperado defeito: estão faltando criaturas que louvem e reconheçam a grandeza divina desse mundo...
...Pois o homem é um ser que esquece! O homem, saiu mal feito, mal acabado, ele tende ao embotamento, à insensibilidade... ao esquecimento!
É a partir dessa constatação - dessa trágica constatação de nossa condição ontológica (também ela, hoje, esquecida...) - que se edifica toda a educação ocidental.
Claro que ao afirmar o caráter esquecidiço do homem, não estamos dizendo que ele se esqueça de tudo, mas, principalmente - e é até uma constatação de ordem empírica - do essencial. Pois, na verdade, o homem lembra-se de muitas coisas: naturalmente, ele, "criatura trivial" (como diz Guimarães Rosa), não se esquece da data do depósito bancário, não se esquece de comprar sua revista predileta, da final do campeonato, nem das comezinhas realidades que compõem nosso rotineiro quotidiano. Esquece-se, sim, da sabedoria do coração, do caráter sagrado do mundo e do homem...
Na língua árabe, a palavra para designar o ser humano é Insan. (Insan - deriva do verbo nassa/yansa, esquecer -) e significa: aquele que esquece.
No Alcorão Deus se apresenta - em contraposição ao homem - como "Aquele que não esquece", e o mesmo acontece na tradição judaica. L.J. Lauand
Cabe aqui uma observação sobre a linguagem. Em diversas línguas, o lembrar, o memorizar está associado (não só...) a um processo intelectual, mas ao coração: saber de memória é, em inglês, by heart; em francês, par coeur; e esquecer-se de alguém, em italiano, é scordarsi, sair do coração... Lembramos - sabemos de cor - o que está em nosso coração.
Tomás de Aquino, o grande pensador do Ocidente, explica, agudamente, a razão profunda do lembrar e do esquecer: ele faz a ligação entre amar e lembrar: inesquecível é o que amamos!

9 comentários:

CajadOmatic disse...

Concordo tanto com você Sueli... Ha 26 seculos o homem registra seu pensamento. Tem bastante coisa pra lembrar hein? O complicado é que esquece o que realmente importa mas lembra-se de banalidades.

Acho que talvez seja por causa dos apelos às referencias pois somos bombardeados por um exercito de porcarias todos os dias o que deixa pouco espaço pras coisas relevantes. Digo o que importa e relevante lembrando que o contrario disso são as coisas vazias e sem conteudo construtivo.

Felizmente existem guardiães da memoria e do pensamento o que evita que tenhamos de nos alimentar com o Faustão da Globo ao invés do Faustão do Goethe.

anareis disse...

Estou fazendo uma campanha de doações para criar uma minibiblioteca comunitaria na minha comunidade carente aqui no Rio de Janeiro,preciso da ajuda de todos.Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos.Meu e-mail asilvareis10@gmail.com

sueli aduan disse...

Cajado:

...é isso mesmo....vc tem razão Sergio, somos bombardeados com muita, muita porcaria mas ainda acredito (rs) há muita coisa boa rolando, e assim como nós que buscamos um equilíbrio entre esse lixo todo, tem muita gente tb querendo, e fazendo acontecer. Penso que é preciso “perceber”, depois?, bom depois não têm volta...

sueli aduan disse...

Anareis:
muito bom esse seu empenho, talvez tb fosse interessante "as doações em livros mesmo",claro, ai na sua comunidade.
abs

Ana Peluso disse...

Puxa, que interessante!
Rola um lance muito esquisito comigo, quer dizer, rolava, pq deixou de ser esquisito, não de rolar.
Eu, quando era pequena, tinha a lembrança de um "outro mundo" (não ria, é sério), e ficava sentada com 3,4, anos, olhando para o céu, e esperando "por eles". Era uma certeza tão pura e tão desprovida de informação... Era algo do coração! Até hoje é.
Depois na adolescência passei por uma fase de sonambulismo, onde falava "com eles" em outro idioma.
Minha mãe, que era quem assistia a tudo, não conseguiu reconhecer o que eu dizia em nenhum idioma conhecido. Quer dizer, falta colocar aramaico pra ela escutar, mas quem sabe, hoje em dia, falar aramaico, me diz?

Ana Peluso disse...

Dei a mesma idéia à anareis.
;))

sueli aduan disse...

Ana,impossível não rir, (mas foi com todo o respeito, (rs) fique feliz por mim, rir é muito bom e não anda nada fácil essa façanha, Não vale depois de uns copos, aí ,minha amiga, é pura covardia..
abs

sueli aduan disse...

Ana,
quanto ao aramaico, sei não... é bom pensar...vai que vc gosta (rs)
abs

Ana Peluso disse...

Eu também ri assim que terminei de postar! É muito louco uma criança de 3 anos ficar sentada à espera d'eles! Mas eles existem, diz meu coração. Mas não são ETs, diz também meu coração. Acho que são Luz.

Eu adoraria aprender um monte de idiomas! Adoro a etmologia das palavras, ia ser um luxo poder estudar várias delas, em vários idiomas.

Depois te passo por e-mail ou orkut a url da entrevista com o Mautner, figuraça!