Faz muito, muito tempo mesmo que não vejo a Tereza, estávamos morando em casa separada.
Sr. Adalberto não estou perguntando nada.
Claro, claro, só estou querendo colaborar.
Vamos por parte, então o senhor estava na casa da sua amiga, militante política com um plano para seqüestrar o presidente em sua visita ao Rio, correto?
Sim.
Pelo amor de Deus homem, como posso acreditar numa loucura dessas. Porque não confessa que assassinou sua mulher, que ela o traía, que perdeu a cabeça. Essas coisas acontecem, sabe. E ademais confessando, a pena será menor.
O doutor está me acusando sem provas, quero dar um telefonema, falar com meus advogados.
O telefone está sem linha, chove muito, em dias assim é quase impossível conseguir uma ligação.
Porque o senhor correu quando avistou a polícia?
Não corri da polícia, é que quis alcançar Conceição.
Ela estava fugindo do senhor, o que houve? desentenderam-se, são amantes, ela é bonitinha.?
Por favor, delegado, vamos com calma.
Calma, o que ? Já cansei dessa sua lenga-lenga.
Guardas algemem o homem.
Adalberto acordou com dores nas costas, noite mal dormida, que sonho terrível. Tereza ensangüentada, um cachorro lambia-lhe os lábios, cheiro de urina. Foi quando percebeu que estava todo molhado. Como aconteceu aquilo, não se lembrava. Será que mijei dormindo? Melhor confessar tudo, não estou suportando, capaz de ter um treco. Não. Não posso confessar. É preciso manter a serenidade. Seus joelhos doíam muito:
guarda preciso de ajuda não consigo levantar-me.
O senhor pensa que todo mundo aqui é idiota, e?
Não claro que não, só preciso ficar em pé.
É uma jogada sua.
Mas é óbvio que não, sou um cidadão, não sou um marginal.
Por que o sujeito aí pensa que é melhor que os outros é, só porque é estudado?
O que você sabe da minha vida?
Sabemos tudo doutorzinho de merda.
O delegado teve uma conversinha com sua mãe.
O que?
É, e nem precisou intimação não, foi só um telefonema, ela veio rapidinho.
Deve gostar muito do meninão aí.
Lindos olhos os dela. E como fala bonito, falou foi muito. O senhor é mesmo nervosinho desde criança, e pelo jeito chegado numa malvadeza, ver bicho morrer, cheirar sangue.
Alguma tara doutor?
Vá à merda.
Solta, solta meu pescoço, tenho meus direitos, senhor policial.
Então porque o sujeito aí não desembucha, quem sabe eu entenda.
Não tenho nada a falar com o senhor.
Azar o seu, vai apodrecer nesta cela.
Por um momento Adalberto pensou em confessar, chamar o delegado explicar direitinho o que realmente aconteceu, talvez ele compreendesse, era um homem. E Tereza deixava qualquer um louco.
Não, não podia esperar por compreensão, de nada adiantaria apelar para honra, dizer que perdeu a cabeça, que a amava, que não conseguia viver com a traição. Falar de suas tardes de angústia, enquanto Tereza retocava o batom, seu cheiro doce ainda na memória, suas pernas levemente bronzeadas, os cabelos molhados, a imagem do amante. Eles juntos.
Não, no fundo sabia-se um fraco, um conservador, arraigado a velhos costumes, velhas idéias.
O jeito era negar, negar, não fora ele e pronto. Limpou tudo antes de sair, a mesa, a garrafa de vinho, as taças, admirava sua organização, seu jeito excessivamente detalhista.
Só não mexeu mesmo no corpo estendido no meio da sala, o punhal encravado no ventre, a poça de sangue que se formou, e o último olhar de Tereza. Porque será que aquele olhar, feito o da mãe, incomodava-lhe tanto.
Ainda hoje, passado tanto tempo, sentado em frente ao mar, relembra cada detalhe, a amiga Ceição, Tereza, a mãe, os bichos, a infância, as noites na prisão.
Solidão e tristeza, mas nada, nada se compara ao azul daquele olhar, ou seria verde, como o mar.
sú
Sr. Adalberto não estou perguntando nada.
Claro, claro, só estou querendo colaborar.
Vamos por parte, então o senhor estava na casa da sua amiga, militante política com um plano para seqüestrar o presidente em sua visita ao Rio, correto?
Sim.
Pelo amor de Deus homem, como posso acreditar numa loucura dessas. Porque não confessa que assassinou sua mulher, que ela o traía, que perdeu a cabeça. Essas coisas acontecem, sabe. E ademais confessando, a pena será menor.
O doutor está me acusando sem provas, quero dar um telefonema, falar com meus advogados.
O telefone está sem linha, chove muito, em dias assim é quase impossível conseguir uma ligação.
Porque o senhor correu quando avistou a polícia?
Não corri da polícia, é que quis alcançar Conceição.
Ela estava fugindo do senhor, o que houve? desentenderam-se, são amantes, ela é bonitinha.?
Por favor, delegado, vamos com calma.
Calma, o que ? Já cansei dessa sua lenga-lenga.
Guardas algemem o homem.
Adalberto acordou com dores nas costas, noite mal dormida, que sonho terrível. Tereza ensangüentada, um cachorro lambia-lhe os lábios, cheiro de urina. Foi quando percebeu que estava todo molhado. Como aconteceu aquilo, não se lembrava. Será que mijei dormindo? Melhor confessar tudo, não estou suportando, capaz de ter um treco. Não. Não posso confessar. É preciso manter a serenidade. Seus joelhos doíam muito:
guarda preciso de ajuda não consigo levantar-me.
O senhor pensa que todo mundo aqui é idiota, e?
Não claro que não, só preciso ficar em pé.
É uma jogada sua.
Mas é óbvio que não, sou um cidadão, não sou um marginal.
Por que o sujeito aí pensa que é melhor que os outros é, só porque é estudado?
O que você sabe da minha vida?
Sabemos tudo doutorzinho de merda.
O delegado teve uma conversinha com sua mãe.
O que?
É, e nem precisou intimação não, foi só um telefonema, ela veio rapidinho.
Deve gostar muito do meninão aí.
Lindos olhos os dela. E como fala bonito, falou foi muito. O senhor é mesmo nervosinho desde criança, e pelo jeito chegado numa malvadeza, ver bicho morrer, cheirar sangue.
Alguma tara doutor?
Vá à merda.
Solta, solta meu pescoço, tenho meus direitos, senhor policial.
Então porque o sujeito aí não desembucha, quem sabe eu entenda.
Não tenho nada a falar com o senhor.
Azar o seu, vai apodrecer nesta cela.
Por um momento Adalberto pensou em confessar, chamar o delegado explicar direitinho o que realmente aconteceu, talvez ele compreendesse, era um homem. E Tereza deixava qualquer um louco.
Não, não podia esperar por compreensão, de nada adiantaria apelar para honra, dizer que perdeu a cabeça, que a amava, que não conseguia viver com a traição. Falar de suas tardes de angústia, enquanto Tereza retocava o batom, seu cheiro doce ainda na memória, suas pernas levemente bronzeadas, os cabelos molhados, a imagem do amante. Eles juntos.
Não, no fundo sabia-se um fraco, um conservador, arraigado a velhos costumes, velhas idéias.
O jeito era negar, negar, não fora ele e pronto. Limpou tudo antes de sair, a mesa, a garrafa de vinho, as taças, admirava sua organização, seu jeito excessivamente detalhista.
Só não mexeu mesmo no corpo estendido no meio da sala, o punhal encravado no ventre, a poça de sangue que se formou, e o último olhar de Tereza. Porque será que aquele olhar, feito o da mãe, incomodava-lhe tanto.
Ainda hoje, passado tanto tempo, sentado em frente ao mar, relembra cada detalhe, a amiga Ceição, Tereza, a mãe, os bichos, a infância, as noites na prisão.
Solidão e tristeza, mas nada, nada se compara ao azul daquele olhar, ou seria verde, como o mar.
sú
8 comentários:
Nossa forte e realista!!
Quem ama não mata!
é verdade Célia,quem ama cuida.
Oi Sueli, gostei do seu blog, vc como sempre escrevendo pra caramba..... Quando eu crescer quero ser igual a vc (só se for para os lados...)
Entra tb no meu blog http://incolumecaracol.blig.com.br, é óbvio que não tenho o seu dom literário, entretanto se está afim de um rebosteio entra lá...
BJS sua louca......
Estou fazendo uma campanha de doações para meu projeto da minibiblioteca comunitária e outras atividades para crianças e adolescentes na minha comunidade carente aqui no Rio de Janeiro,preciso da ajuda de todas as pessoas de bom coração,pode doar de 5,00 a 20,00.Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos.Meu e-mail asilvareis10@gmail.com
Oi Rúbia, que bom vc aqui, e suas "tiradas" geniais, mas é claro que um "rebosteio" é bem vindo ,principlamente em tempos de muita merda!!!
beijão
Anareis:
Boa essa sua idéia,mas aqui no caso não se trata de bom coração, mesmo, (acho até que o meu tá bonzinho),o problema e a "bufunfá" e, claro, pensar de outra maneira quanto a essa questão.
Texto muito bom.
Adriana,ual! vindo de vc ,fico muito feliz.
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