Olhos de cão azul
Gabriel García Márquez
Então olhou para mim. Pensava que olhava para mim pela primeira vez. Mas então, quando se virou por trás do abajur, e eu continuava sentindo sobre o ombro, nas minhas costas, seu escorregadio e oleoso olhar, compreendi que era eu quem a olhava pela primeira vez. Acendi um cigarro. Traguei a fumaça áspera e forte, antes de fazer girar a cadeira, equilibrando-a sobre uma das pernas posteriores. Depois disso a vi ali, como havia estado todas as noites, de pé junto ao abajur, me olhando. Durante breves minutos não fizemos nada mais que isto: olhar-nos. Eu, olhando-a da cadeira, equilibrando-me numa das pernas traseiras. Ela, em pé, me olhando, com uma das mãos, comprida e quieta, sobre o abajur. Via as pálpebras iluminadas como todas as noites. Foi então que lembrei o de sempre, quando lhe disse: "Olhos de cão azul". Ela me disse, sem tirar a mão do abajur: "Isso. Já não o esqueceremos nunca". Saiu da órbita suspirando: "Olhos de cão azul. Escrevi isso por todas as partes”. Vi-a caminhar em direção à cômoda. Vi-a aparecer na lua circular do espelho, olhando-me agora no final duma ida e volta de luz matemática. Vi-a continuar me olhando com seus grandes olhos de cinza acesa: olhando-me enquanto abria uma caixinha revestida de nácar rosado. Vi-a passar pó-de-arroz no nariz. Quando acabou de fazer isso, fechou a caixinha e voltou a ficar em pé e andou novamente em direção ao abajur, dizendo: "Temo que alguém sonhe com este quarto e mexa nas minhas coisas"; e estendeu sobre a chama a mão comprida e trêmula, a mesma que estivera esquentando antes de sentar-se em frente ao espelho. E me disse: "Você não sente o frio". E eu lhe disse: "Às vezes". ..
Gabriel José Garcia Márquez, a quem os amigos chamam de Gabo, nasceu às 9 horas da manhã do dia 6 de março de 1928 na aldeia de Aracataca na Colômbia, não muito distante de Barranquilla.
Gabriel José Garcia Márquez, a quem os amigos chamam de Gabo, nasceu às 9 horas da manhã do dia 6 de março de 1928 na aldeia de Aracataca na Colômbia, não muito distante de Barranquilla.
Alguns de seus textos foram adaptados para o cinema, como "Eréndira", de 1983, estrelado por Cláudia Ohana e dirigido por Ruy Guerra, e "O Amor nos Tempos do Cólera", de 2007, dirigido pelo inglês Mike Newell, e com a participação de Fernanda Montenegro.
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