Agustina Bessa-Luís
(Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa-Luís)
Trecho- "A Sibila"
[... era Quina a primeira a auscultar uma conduta estranha, um gesto, uma palavra que se não previram, um passo que fugiu do equilíbrio, uma decisão falhada, uma razão que sofreu um súbito reencontro e daí surgiu o inesperado. O imponderável nas criaturas era para ela motivado pela influência de espíritos favoráveis ou malignos, sombras manifestas do além. Mercê dum sentido finíssimo para se embrenhar nos fenômenos da natureza humana ou simplesmente do meio vital, com os seus elementos, suas causas e efeitos, depressa adquiriu uma sabedoria profunda acerca de todos os ritmos da consciência, do instinto, das forças telúricas que se conjugam no fatalismo da continuidade. Conhecia os homens sem o aprender jamais. Sabia, uma por uma, qual a reação que correspondia a determinado tipo, perante determinado fato. Adivinhava-lhes os pensamentos, mesmo antes de ela os poder raciocinar. Um sorriso fazia-a pôr-se em guarda, assim como uma aranha que tecia a sua teia duma folha a outra dum pé de malva a decidia a mandar espalhar o grão na eira, ou os carolos de milho ainda úmidos da debulha. Como o que distingue para lá das montanhas qual a sombra de fumo, de pó ou de nuvem; como o que na floresta conhece o rasto do animal em tempo de caça ou tempo de amores; como o que aspira no vento o perigo, como o que pressente na atmosfera a confiança ou a traição, assim ela vivia, intensamente adaptada com essa capacidade selvagem de defesa, de astúcia, de previsão e pré-conhecimento da vida e das coisas e que o homem civilizado, unido em rebanhos pacíficos, amparado em convenções artificiais, vai perdendo ou nunca desenvolve por completo.]
1ª edição de 1954. Guimarães editores.
pesquisa e título no blog- sueli aduan
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